QUEM VIU O ZÉ CACHAÇA? (PARTE - 1)
QUEM VIU O ZÉ CACHAÇA?
(PARTE – 1)
Foi em uma bela manhã de outono, que ele apareceu no banco da praça central da pequena cidade de Canavial do Norte; as roupas sujas e rasgadas, um saco de lona onde provavelmente carregava suas bugigangas, o rosto escondido pelo chapéu de palha e protegido do frio por um monte de papelão grosso. Ninguém nunca vira tal personagem antes, na cidade!
As pessoas passavam e olhavam desconfiadas para o banco. Algumas ainda paravam na intenção de tentar descobrir quem era aquele sujeito que surgiu de repente, sem ser visto pela autoridade máxima da cidade; Januário, o Dr. Prefeito! À medida que a cidade despertava para o seu cotidiano, crescia na mesma proporção o ajuntamento de pessoas na praça para ver quem era o visitante, já que na cidade, não se tinha notícias de um bico-doce há bastante tempo. Alguém no meio da multidão em algum tempo, lembrou de chamar o delegado Tião, que saiu da delegacia (um velho sobrado pequeno), resmungando por ter sido acordado tão cedo! Bem que a delegacia ficava em frente à praça e não se gastaria menos que um minuto de distancia, e já ser oito da manhã:
- Que fuzuê é esse que tá havendo aqui? – Chegou puxando a calça pra cima da barriga, tentando apertar o cinto que quase não fechava de tão gordo que era;
- Tu sabe quem é o sujeito no banco delegado? – O velho Chico, que tinha uma banca perto da li, inquiriu o delegado;
- E tu acha que se eu soubesse quem é o sujeito, ele estaria dormindo nesse banco Chico?
Tião foi aos poucos abrindo passagem em meio à turba que já tinha se formado até chegar no banco, onde o estranho estava deitado. Pôs as duas mãos na cintura, olhou o sujeito de cabo-à-rabo, de baixo pra riba, franziu a testa e torceu a ponta do bigode. Posicionou-se perto do estranho e chamou:
- Ô moço! Moço! - Como o estranho não deu sinal de vida, Tião resolveu encostar mais ainda a boca no ouvido do sujeito;
- Ô cidadão! Acorda que isso aqui não é hotel! – Nada!
O estranho respirou fundo e continuou com os olhos fechados! A multidão assistia a tudo atenta, de repente, o sujeito de um único movimento, pôs-se sentado; com o susto que tomou, o delegado Tião deu dois passos para trás, trombando e caindo sentado aos pés de uma senhora que com o impacto, tombou para frente e rolou por cima do delegado. A turba em uníssono veio às gargalhadas com a cena.
Tião levantou-se com certa dificuldade sacudindo as calças e olhando para o homem à sua frente. Retomou sua postura de delegado e se reaproximou do sujeito:
- Tá fazendo o que nesse banco cidadão? – Fez uma voz para parecer mais autoritária que o costume. O homem passou as mãos pelo rosto, bocejou e respondeu:
- Se o senhor deixar, eu tava tentando dormir! – Mais uma vez, a multidão veio às gargalhadas. Tião olhou ao redor com a expressão séria, rapidamente a turba fez silêncio;
- E tú não sabe que é proibido dormir nos bancos da praça desta cidade não?
- Se os bancos tivessem me avisado, eu teria dormido no chão! – Mais risadas!
O delegado perdeu a paciência e agarrou o sujeito pelo braço para levá-lo à delegacia. Nesse meio tempo, o carro que levava o prefeito Januário para a prefeitura, passou pela praça. O prefeito pediu que o motorista parasse o veículo e saiu para conferir que ajuntamento era aquele. Chegou no meio da praça, e encontrou o delegado enfurecido tendo atado às mãos, o estranho;
- Posso saber o que tá havendo aqui, no meio da minha praça? – O prefeito referia-se a praça como sua, por ter feito a reforma que aumentou em tamanho, numero de árvores, bancos e outros feitos mais que julgou necessário;
- Esse sujeito, nu sabe Prefeito, tava dormindo no banco e até agora não disse quem é e nem donde veio!
- Como eu vou dizer quem sou e de onde vim se você não me perguntou? – Novamente a gargalhada em coro da multidão que fez chanfreta com Tião, que olhou para o estranho com um olhar fulminante;
- E ainda é desaforado seu Prefeito, olha aí!
- Leva o homem pra delegacia Tião, que aqui não é lugar de interrogar ninguém!
Quando eu terminar a reunião, eu volto pra saber sobre o sujeito!
O Prefeito pôs a mão na barriga e franziu a testa na indicação que sentia dores. Eram as mesmas que vinha lhe incomodando há semanas. O estranho observou a cena e falou:
- O senhor estar com dores abdominais?
- E o que o cidadão tem haver com isso?
- Se for gazes, é só comer uma banda de mamão com um pouco de mel acrescentando um pouquinho de linhaça, e em pouco tempo vai se sentir melhor!
Tião saiu levando o sujeito pelo braço enquanto o Prefeito se dirigia para seu carro, pensando no que o estranho falou. Ao chegar na prefeitura, chamou sua secretaria e disse:
- Dona Firmina, providencie um mamão maduro, um vidro de mel e um saquinho de linhaça!
- O Dr. Prefeito virou naturalista? – Perguntou ela sem entender direito o pedido do Prefeito;
- O que eu virei ou deixei de virar não é de sua conta, sabe? Providencie o que lhe pedi e o mais rápido possível!
O Prefeito Januário não gostava muito de ser questionado e quando o era, sempre tinha uma resposta mal-humorada para dar. Dona Firmina tratou se sumir da frente do Prefeito. Enquanto isso na delegacia, Tião após trancar o estranho na cela, sentou-se em uma cadeira de frente para ele e começou a perguntar:
- De onde o cidadão é originário?
- Do Brasil! – respondeu ele com deboche;
- Não perguntei de qual País, eu perguntei donde o moço é, qual Estado? – Tião já não tava mais com paciência para as graças do estranho;
- Há bem, mas o que isso importa no momento? Já estou preso e nem sei por qual motivo!
- O motivo foi porque dormiu na praça e ninguém pode mais dormir na praça depois que o Dr. Prefeito Januário, reformou a praça! Tú devia saber disso!
- Como eu poderia saber se acabei de chegar e ninguém me recebeu bem? – Pela primeira vez, o estranho falou sério, sem fazer chacota;
- Nisso o moço tem razão! Qual a graça do moço? – Tião perguntou já amenizando o tom de voz;
- Zé!
- Zé do quê?
- Zé cachaça!
- Ôxente! Ninguém tem nome de cachaça no nome! – Tião ficou olhando para o sujeito meio desconfiado da resposta;
- Cachaça, porque agora eu bebo muito que é pra me aquecer do frio e esquecer da fome e do meu passado! – Havia sinceridade na resposta de Zé. Ele deus as costas para o delegado e se encolheu no canto da cela...
EMANNUEL ISAC