Viagens pelo Ceará X
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
A PEÇA TEATRAL parte V
- Muitas coisas se passam nas cabeças, nem todos conseguem escrever ou falar o que realmente pensam.
- É verdade!
- Se hoje falo em lugares públicos é porque sou seguidor do mestre Jesus e do grande Sócrates. Não preciso de templo para que ouçam minha retórica lírico-atual. Igualmente me recuso a fazer uso da pena. Fui e sou um irmão espiritual do profeta Gentileza, com quem tive o privilégio de conversar muitas vezes nas grandes ruas do Rio de Janeiro. Nós comungávamos semelhantes ideias, digo que o Gentileza era grande arauto da paz, escrevia seus dizeres em cartazes para levar mensagens às pessoas mas, não sou obrigado a fazer o mesmo. Não é que eu seja revoltoso caríssimo colega, por não admitir aquele método, sei que palavras o vento leva, mas eu simplesmente digo o que não devo calar. Farei do meu jeito até não mais poder, elevarei minha voz de trovão e minhas palavras nada cortantes pro momento, mas não deixo de advertir o que há de vir para todos nós.
Nesse momento as pessoas torcem o nariz e tapam seus ouvidos para mim, pois quem é que quer saber de Juízo Final e Apocalipse?
- Não estou indiferente e aguardo sem pressa essa inexorável mudança
- Creio que nada está perdido não, o mundo vive uma nova era, como sempre foi. Os métodos mudam, as escolas com as suas ideologias também variam de lugar pra lugar e quem é reprovado há de prestar conta e consciência do seu próprio fracasso.
- Entendo
- Aracati perdeu quase todo seu antigo prestígio. Onde está a tradição de seus filhos ilustres no presente, cadê os seguidores de Adolfo caminha, de Jackes Klein? Parece que na nossa região o que não falta é motivo pra palhaçada, pra alcunha e sordidez! Sei que isso sempre foi assim também, mas viver só disso, não dá. A velha e rica Aracati ficou pra trás e a capital e outras cidades menores tomaram a sua frente. No momento, alguns poucos influentes da política, tentam lhe restituir o prestígio perdido. Estamos vivendo um momento que não sei se de maior civilidade do que quando por aqui havia vários jornais, pianos nos sobrados, bandas de música, e festas nos clubes.
- Mas aquele devia ser um tempo duro, de desconforto e grande ignorância.
- Era sim, e o preconceito não ficava pra trás...
- Mas prezado colega, parafraseando o pregador português Antonio Vieira: tudo passa pra vida mas nada passa pra conta!
- O Padre Vieira foi corajoso em um de seus sermões, naquele que disse que ia explicar aos fiés quando se daria o juízo final.
- Será que convenceu?
- Acho que não a todos mas, naquele dia muitas pessoas se converteram...
- É... e o outro Vieira contemporâneo nosso resolveu escrever variadas crônicas, falar bem do animal jumento, Luis Gonzaga gravou música com o tema e o próprio Patativa também andou trocando farpas com o religioso.
- Foi, o padre disse que o Patativa não sabia agradecer, e o Patativa disse que o padre não sabia perdoar, é tudo isso aconteceu como essa nossa prosa de hoje! E a estrela polar continua por lá na mesma posição só olhando pra nós, enquanto tudo por aqui vai ficando velho...
- Mas as palavras de Jesus não passarão.
- Não passarão! talvez eu fosse um melhor cristão na igreja ortodoxa mas quem não tem cachorro não caça.
- Todos devem contar com a piedade divina.
- Creio que nós dois somos semelhantes a santo Agostinho que andou fazendo poucas e boas e depois resolveu ser santo.
- Não vou esconder que sou partidário do boca do Inferno que em certo dia, tarde ou noite de sua vida contrito escreveu:
Pequei senhor,
Mas não porque eu hei pecado
Da vossa alta clemencia me despido...
Eu sou Senhor a ovelha desgarrada,
Cobraí-a e não quereis pastor divino
Perder em vossa ovelha a vossa glória.
- É por essas e outras que creio na misericórdia...
- Você é o velho poeta do novo tempo do Aracati...
- E você é o antigo filósofo das boas causas daqui.
- Estamos aposentados pelo governo, temos o nosso ganha-pão...
- Por ter desertado das trincheiras da fé, andei macambúzio e descrente mas criei vontade de sair daquele estado e vim, estou vendo e tentando viver preparado pra tudo. Os paparazzi têm me seguido e sabem que só me alimento de vegetal e durmo em uma casa de taipa por opção, se vivo falando e repetindo minhas falas mesmo sem muita inspiração, vou tateando nas palavras, igual a cego sem guia. Porém advirto que viver como eu vivo, serve de preparo. Pense que se um dia as fontes de energia e conforto do bicho homem se acabarem, este que vos fala estará apto a viver com as feras do mato e até comer capim, e quem desses apegados ao atual conforto aceitarão de bom grado viver assim?
- Acho que terão de caçar com gato.
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e quem sabe proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro