Viagens pelo Ceará IX
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
A PEÇA TEATRAL parte IV
- Foi como um sonho essa sua visão, e é uma profecia que está se cumprindo.
- Estive noutro momento em carne e osso, esperando a visita prometida pelo presidente Juscelino para a inauguração da primeira ponte da cidade. Eu era um rapagão e fui com papai, ficamos por lá desde cedo e o avião do mandatário não aterrisou. Foi decepcionante para todos, por fim nos avisaram que o avião ia sobrevoar a ponte e o presidente ia fazer lá de cima a inauguração.
Fiquei impressionado, naquela noite sonhei com um aeroporto grandioso e ei-lo aí cinquenta anos depois.
- E depois disso ainda teve alguma outra revelação?
- Sim, vi a chegada de muitos e grandes aviões substituindo os navios que vinham direto da Europa no passado de glórias e venturas. Algo me inspirava e dizia que a bela Aracati iria renascer das cinzas, mas eu era tímido e não queria parecer um louco anunciando isso nas praças e pregando como um crente coisas sobre um futuro que só eu sonhava.
- Nesse tempo você já havia começado a tomar do chá do cipó da Amazonia?
- Ainda não homem, eu só viajei pra Amazônia uns dois anos depois da construção da ponte.
- E quando foi que tomou a atitude de falar em público suas idéias ?
- Bem recentemente, aquelas revelações foram ficando pra trás e eu achava que eram delírios de um eu sonhador. Naquele período quando fui pra Manaus, comecei a frequentar saraus e cabarés, serenatas e bebedeiras com violão e muita mulher e fui me esquecendo do Ceará.
- E por lá dava pra ganhar um dinheirinho bom?
- Claro, era o tempo das vacas gordas, mas eu não queria saber de economizar. Meu negócio era curtir as caboclas mestiças de índia, tinha delas que tinham quase nenhum cabelo na prexeca...
- Essa parte da mulher muda de nome de região pra região já observou?Lá em São Paulo eles chamam de chavasca, no Rio de Janeiro é xoxota, xereca, ahahaha, só sei que, o que é pro home o lobisome num come! Ahahahahah.
- Veja você, os gringos veem de outros continentes e alguns parecem anjos descidos dos céus, os machos se acasalam com as filhas bronzeadas da nossa terra, e aí? Quem vai impedir isso?
As gringas aparecem também com seus olhos de estrelas e seus cabelos de lua e se agarram com o afros-descentes, mulatos e nativos índios daqui e quem pode impedir tal união e engendramento, quem?
- Hitler foi quem andou pensando nisso lá na terra dele mas, não se deu bem. O mundo ficou pequeno e ninguém mais pode se ocultar dos olhos dos satélites e mulher é mulher, ô bicho cheio de artimanha e convite é ou não é? ahahahaha
- E você está vendo, a nova era é delas, enquanto desponta o crepúsculo do macho. Não é a toa que, tanto os daqui, quanto os de fora se casam ou acasalam com nativas pardas, letradas ou analfabetas, tá tudo misturado e é como se não mais existisse classes nem castas e porque?
- E sou eu que devo saber? ahahahah, posso repetir o que diz o grande livro: crescei e multiplicai! o mandamento é general e não diz com quem.
- Certamente que essa lei sempre imperou, as sociedades é que criaram divisões. Em épocas primitivas a mulher era caçada com um bicho e o macho mais capaz podia ter as que pudesse sustentar.
- É.., muita coisa mudou de lá pra cá, mas me fale da época que você frequentou Canoa Quebrada, naquele tempo eu estava em São Paulo.
- Vi a chegada dos gringos trazendo a maconha e a libertinagem para a primitiva Canoa, vi aparecer as primeiras garrafas de areia colorida em Majorlandia, vi aparecerem os primeiros trios elétricos para o carnaval do Aracati, e o que eu podia fazer! Era assistir a coisa de camarote. Nunca vi aqui na nossa cidade aparecer alguém prá se dizer contra e querer enxotar os turistas mesmo sabendo que eles traziam para cá suas práticas exóticas.
- Mas, você viu a coisa no início dos anos de oitenta?
- Sim e gostei até demais, eu estava com quarenta e poucos anos e como nunca fui muito ajuizado, para mim foi uma maravilha, as noitadas eram boas e cachaça não faltava. E eu pergunto: Será que ia adiantar alguma coisa um cidadão como eu querer nadar contra a maré e querer se manifestar contra o despertar do turismo, será?
- Eu Já nadei contra a maré mas, quase morri afogado, agora estou deslizando ao sabor da correnteza, igual um camarão malandro, não estou dormindo, porém nada me impede que eu chore minhas lágrimas de crocodilo. Se o progresso tem que vir, que venha!
- O Armagedom é inevitável, então pra que se cansar dizendo ser contrário ao tempo e sonhar com um passado que nada nem ninguém trará jamais! Pra quê? Pra quê?
- É..., realmente, pra quê pra quê? - E faz as caretas.
- Mas agora que estou aposentado, os fiinho se criaram por aí, já passei dos setenta e segundo o livrão, depois dessa idade é só enfado e sofrimento, decidi aos sábados de feira vir por aqui pelo mercado e falar alguma coisa na praça. Digo o que penso e sei, em qualquer hora e lugar, advirto aos seguidores de Tomé, pois eu também comecei assim, descrente até o dia em bebi o chá do cipó. Meu colega não queira saber da revelação que tive naquele momento. Se eu disser o que vi, dirão que estou pirado, por isso faço igual a Tomé: queiram ver pra crer! Ou melhor, bebam o chá do cipó e somente só.
- Eu me limito a ficar sentado aqui no banco e na sombra, só venho à rua também nos fins de semana, porque há mais movimento e noto que as pessoas estão mais renovadas. Gosto de entoar cantigas velhas, e assobiando, fico vendo o povo que passa. Essa minha mania de parecer um mendigo e pedir que me deem alguma coisa, você já sabe, é só pra alertar aos mais apegados aos bens que isso pode não ser bom... mas a minha tônica é só essa, não me proponho a falar de outros assuntos. Admiro sua prolixidade.
- E eu o seu o seu laconismo...
Obs:Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e quem sabe proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro