CHUVA DE MARIMBONDOS
Por: josafá bonfim
Informações chegadas ao aparelho policial davam conta que grande parte da droga consumida na capital, tinha origem no país vizinho, entrava no Brasil pela fronteira seca, tendo como entreposto, localidades existentes em região pantaneira, e de lá, em pequenas quantidades era transportada para o mercado consumidor. Foram feitos levantamentos dos informes e constatada a veracidade dos fatos.
Com o planejamento operacional concluído, foi expedida pela autoridade policial a ordem de missão, com respectivos mandados de busca.
Escalada a equipe e organizada a estrutura de apoio, no dia e horário marcados, zarparam do órgão de segurança para cumprir a ordem legal.
Eram quatro viaturas possantes, mas ao atravessar um trecho deserto do percurso, uma delas enguiçou, não conseguindo mais funcionar nem com reza braba. O lugar era ermo, distante dos centros urbanos e desprovido de qualquer meio de assistência técnica ou mecânica.
Face à urgência da missão, que tinha horário marcado para deflagrar, não encontraram outra alternativa, senão, deixar naquele local a viatura enguiçada, acomodar a equipe nas demais viaturas, e seguir o destino. Mas por dever de ofício, não era aconselhável deixá-la largada para traz, embora aguardando socorro, por constituir-se ato de negligência, passivo de punição. Teriam, pois, que escalar alguém para tomar de conta do veículo, enquanto a assistência chegava. Mas quem se candidataria a ficar isolado até não sei quando, sozinho num lugar deserto, infestado de mosquitos, insetos e animal feroz, naquele rincão pantanoso. Convencionou-se que o critério mais justo seria o sorteio. E assim fizeram um rápido certame no qual todos concorreram, cujos nomes foram escritos em pedaços de papel e estes torcidos. Corre o sorteio e quando anunciam o resultado: todos, de forma uníssona, abriram gostosas gargalhadas -E não por acaso. O felizardo foi o policial Paiva Junior. Exatamente o nome que todos almejavam ser o escolhido.
Não obstante ser um profissional atuante e preparado, Paiva não gozava da simpatia dos colegas, por ser individualista e gostar de se exibir.
Dirimido o incidente, a equipe segue seu destino, enquanto o “tira” solitário e angustiado cuida do encargo que lhe sobrara. Sentado à beira da carroçal, questionava-se na solidão da mata, sem admitir a má sorte, imaginando: entre doze colegas, logo ele, ser o escolhido pra uma missão tão reles –era inadmissível. Levantou-se de um velho tronco de arvore tombado e saiu chutando a toa, catando aqui acolá as bolinhas de papel usadas no sorteio e pra desencargo de consciência, começa a desenrolar cada uma delas, enquanto ler no interior das mesmas: Paiva; Paiva; Paiva; Paiva... Não creu no que via.
- Filhos de uma porca!..., fraudaram o sorteio para cair o meu nome; bem que eu desconfiava -esbravejou irado.
Valeu-se do primeiro caminhoneiro que passou. Conduziu a viatura rebocando-a até o povoado mais próximo, deixando-a em lugar seguro. Sem perda de tempo, pegou outra carona para juntar-se com os demais colegas no acampamento em que estes se encontravam. Bravo de sair “fumaça” pelas narinas, foi chegando e detonando desaforos aos colegas, mas teve de se conter, para não prejudicar o andamento da missão, deixando a desforra para um momento oportuno.
Embora intransigente e egoísta, Paiva Junior era operacional, entusiasmado, destemido e com bom tirocínio policial. Sabia reverter situações a seu favor e dissimulava muito bem. Logo integrou a missão, começando a tomar iniciativas para o bom andamento e desenrolar dos trabalhos.
Com meia dúzia de elementos presos e algemados, e grande quantidade de maconha apreendida, a força policial causava um verdadeiro desmonte na quadrilha de traficantes, causando grande repercussão na pequena cidade. Executavam a ultima etapa da missão, na casa de um certo João Salgado, conhecido vendedor de bugigangas. Constava em informe recém passado pela vizinhança, que o denunciado costumava camuflar maconha nas mercadorias; razão de ter melhorado de vida nos últimos tempos.
Paiva, como de costume, sempre procurando se destacar entre os pares, e sabendo da chegada no local de uma equipe de TV, toma iniciativa no afã de auferir notoriedade na missão. Ainda remoia a desfeita do sorteio, mas não queria perder a pose. Dirige-se ao coordenador da operação dizendo: deixa esse tal Salgado por minha conta, chefia.., vou deixar ele insosso na primeira geral.
No interior do barraco, os policias começam a revirar tudo, sob o olhar assustado do morador, que se maldizia da sorte, alegando não mexer com droga..., que por infelicidade morava vizinho aos traficantes.
Corria uma verdadeira devassa, sem que os agentes da lei encontrassem naquela casa qualquer vestígio de droga.
Ele, sempre ele, o “expert” Paiva Junior, vislumbra um velho caixote num amontoado de tranqueiras numa despensa, e brada forte ao morador da casa questionando sobre o objeto fechado, determinando ao proprietário sua abertura imediata.
- Dr., esse caixão velho pertenceu ao meu avo, que era mascate e usava ele pra guardar sal..., desde sua morte há vários anos ninguém mais usou; até a chave já perdeu –tentou justificar o inquirido. Paiva, num daqueles seus trejeitos característicos, olha de soslaio para seu interlocutor e num riso sarcástico: - É mesmo, é? Pra cima de mim, cara! Então veremos- concluiu. Instante em que com uma haste de ferro, ali mesmo encontrada, pressiona a fechadura, estourando a tampa do caixão.
No repique da tábua a surpresa veio junto: assanhada pelo impacto, uma nuvem de marimbondos projeta-se de dentro do caixão, freneticamente sobre o invasor, inundando o recinto, deflagrando um verdadeiro salve-se quem puder. Não ficou um só cristão no ambiente evacuado. O vexame foi tamanho, embora involuntário, a ponto dos policiais perderem a noção de postura e fragilizarem a segurança. O poder de policia se esvoaçou, e ao se recompor, deram por falta do preso, ou seja, do João, que muito a vontade assistia o desenrolar do estropício, sentado na sombra do pé de cajá manga existente no quintal.
Quem olhava naquele momento para o “cana dura” Paiva - tentando a esmo - tirar inúmeros ferrões do próprio couro, não conseguia reconhecê-lo. O rosto parecia uma lua cheia degenerando-se. Olhos inchados, lábios deformados e bochechas infladas, o conjunto das anomalias, lembravam uma assombração de filme de terror. Os colegas das outras equipes que foram atraídos pela algazarra, continham o sorriso para não perderem a postura ética, mas por dentro os neurônios saltitavam em algazarra. De rabo de olho, a ilustre vítima de vez em quando, inclinava-se para ver se dentre os algemados, alguém lhe tirava sarro. Envão. Quem atreveria naquelas circunstancias...? Sobrou picadas até para a equipe de reportagem, que cordialmente minimizou no teipe a trapalhada no restoio do certame.
Finda a missão, na retirada, João Salgado - que desde então ganhara de um gaiato a alcunha de traficante de enxame - chega candidamente ao ouvido do agente vitimado e dá a receita: dr. quando o senhor chegar em casa, toma um banho com água de sal - bastante sal... É bom...