O Segredo dos Três
Era uma cidade sem atrações além de ser o local mais pacato e esquecido do mundo para se viver. Aliás, chamá-la de cidade era superlativo. A vila era pequena e antiga ao ponto de todas as famílias conhecerem as suas histórias (e as das outras famílias) há décadas. O tempo por lá parecia ter o seu próprio ritmo. Novos moradores demoravam alguns anos até serem inseridos na cultura local, mesmo assim ainda eram olhados como estrangeiros. Foi exatamente este o caso dos três velhinhos.
Os vizinhos não imaginavam que aqueles três senhores, que mudaram para a vila em um curto intervalo de tempo, eram na verdade o maior herói, o maior vilão e o maior ladrão daquela época. Eram legendários em suas respectivas áreas e, justamente por isso, incomodados, desafiados e perseguidos aonde quer que fossem. A aposentadoria em um lugar tranquilo e desconhecido soou como uma ótima ideia.
Pablo era vegetariano e gostava de pintar. Procurava levar uma vida tão simples que ninguém sabia dizer se era rico ou pobre. Na feira, aos domingos, montava a sua barraca de hortaliças e ervas orgânicas, que não vendia muito por oferecer produtos que todos tinham fácil acesso, mas que lhe rendia muitas conversas animadas e amizades com os demais feirantes e moradores.
Iuri inscreveu-se na guarda voluntária, já que a vila não possuía polícia, nem cadeia, tampouco o que poderíamos considerar como crime. O seu trabalho consistia em resolver conflitos entre vizinhos, o que resolvia rapidamente com o seu sorriso contagiante e soluções inventivas. Em pouco tempo era tido como alguém cuja opinião deveria ser considerada. Ouvia ópera e dava longas caminhadas pela região ao nascer de cada dia.
Joe era o dono do único restaurante que a vila já teve. Virou ponto de encontro familiar. Todas as sextas, músicos locais apresentavam cantigas folclóricas, para o deleite dos clientes. Como a vila não possuía museu, shopping ou salão de festas, o Restaurante do Joe incorporou, até onde era possível, estas funções. Joe apreciava tequila e era experto em bebidas.
Os três tornaram-se grandes amigos. Apesar de conhecerem o passado uns dos outros, entendiam os motivos de cada um estar ali. Aprenderam a respeitar a privacidade e os segredos alheios, buscando preservarem os próprios.
Até o dia em que a máfia polonesa descobriu o paradeiro de um deles e mandou capangas para capturá-lo. Os bandidos chegaram à vila e não conseguiram identificar quem procuravam. Conheciam a fama do grande herói que possuía força e agilidade descomunais. Mas o porte físico de nenhum dos três o destacava dos demais. A informação era que o vilão em muito superava a inteligência e maldade dos inimigos. Mas os três eram bondosos e simples, provavelmente ocultando seus atributos mais conhecidos. E o único boato sobre a aparência do ladrão era que era o homem mais feio que já se vira. Mas na velhice, os três poderiam ser considerados feios. E o ladrão poderia ter feito alguma cirurgia que o descaracterizasse. Enfim, a máfia poderia tentar atacar a um deles, mas nunca os três. Na velhice, sozinhos eram vulneráveis, mas juntos continuavam extremamente perigosos.
Porém, os bandidos não contavam com o que veio a ser o seu maior problema: a vila pacata, esquecida e distante, sabia proteger furiosamente os seus.