O DESINFELIZ DO RATÃO COMILÃO
Era a primeira vez que ele entrava naquele local e ali no ambulatório, na sua consulta do dia, ele teatralizou a sua história ao doutor que o ouvia perplexamente.
Jovem, de cabelos desnutridos alourados e finos que emolduravam seu rosto de olhos azuis desanimados, vestia uma pele precocemente castigada pelo sol do sertão, numa fisionomia que nitidamente evidenciava a sua dor.
Chorava pelo filho que acabara de perder, e queria alívio para o sono que não vinha.
Recém casado nos conformes "do papel", tudo dentro da lei, contava que sua mulher de dezesseis anos não evoluíra bem na gravidez precoce.
Ele, homem de luta, de caráter firme de peão trabalhador do campo, queria fazer família grande e acreditava que o bebê morrera de um baita susto da mulher, embora advertido do risco da gravidez na adolescência.
Perguntado sobre o porquê do susto, ele levantou da cadeira e ali encenou dolorosamente seu drama:
-Susto de tudo sô , não só das barata mas também daquele ratão do esgoto que toda noite vinha pro barraco!
Sob os olhos assustados do doutor ele continuou:
" Sustão mesmo! Sabe, antes de perder o menino, ela se assustou mas ainda matou o danado. Comprei uma ratoeira pra ela, ela preparou a coisa e ficou lá de noite esperando...esperando, mas o bichão era tão grande, tão grande de gordo o danado comilão que os arame não deu conta, e com um pau pesado demais ela deu nele até o desinfeliz morrer. Naquele dia sangrou e perdeu "nosso fio".