Viagens pelo Ceará VI
IDEIAS AVENTUREIRAS, MUSICAIS, LITERÁRIAS, MÍTICO-CURANDEIRAS, ENXADRÍSTICAS, TEATROLOGAS E INSANAS... DE MORADORES DO VALE JAGUARIBANO, NUM ANO DE ESTIO.
A PEÇA TEATRAL parte I
Naquele dia, esperei esfriar o sol da tarde, saí da pousada umas três e meia e de carro me dirigi à praia de Canoa Quebrada. Por lá fotografei as dunas e a grande quantidade de cata-ventos produzindo energia eólica. A brisa do mar, por ali era uma constante, como era intenso o azul do céu sem nenhuma nuvem.
Entrei depois na vila da praia de Canoa, onde imperam pousadas bem sofisticadas e uma razoável infraestrutura que brotou, segundo me informaram, onde antes eram casas de nativos.
O preço dos artesanatos eram altos, coisa pra turista mesmo.
Voltei à cidade antes do anoitecer pois, o ensaio do teatro ia começar às sete e eu queria chegar antes para instalar o gravador no local e conversar com os atores. Ao chegar na pousada tomei banho, comi frutas e bebi bastante água, ia deixar pra jantar depois do ensaio. Minha intenção era conversar com a turma de atores e tomar uma cervejinha à noite porque ninguém é de ferro. O ensaio se deu no casarão do doutor Valdy, que é lugar adaptado para apresentações do gênero. Ao chegar, fui apresentado pela diretora do grupo aos atores e os felicitei por exercerem tão bela arte. Disse-lhes que eu não praticava arte nenhuma a não ser bater umas fotos e jogar um xadrezinho de capivara, mas sabia admirar a arte, isso sim eu sabia fazer com arte, alguns riram do meu dito e o ensaio do espetáculo começou.
Apareceu logo de cara um arauto lendo uma mensagem num rolo de papel onde falava com breves palavras da história da fundação da vila, seus nomes e da lei que o imperador Pedro II declarava que a vila passava à cidade. Cantavam um trecho do hino da cidade, dançando coreografia bem moderna e davam ênfase ao refrão:
Aracati! cheio de glória,
Brilha o teu nome varonil,
Nas áureas páginas da história
Do Ceará e do Brasil!
Depois disso, começava uma cena num cais de porto com a chegada de estrangeiros, faziam um entrelaçado de línguas diferentes e mostravam mulheres bem vestidas usando leques, chapéus e homens em roupas bem aristocráticas.
Em seguida um daqueles homens à moda inglesa antiga se apresentava pra uma dama e se identificava lhe beijando a mão e dizendo ser Henri koster um destemido viajor que andava pelas terras do brasil enfrentando doenças, pragas, feras e tribos hostis para registrar e deixar pra as futuras gerações o que ele presenciara com aqueles seus olhos que a terra haveria de comer. E a dama perguntava a ele sobre os lugares por onde havia passado e ele ia descrevendo com voz bem extravagante seu fascínio pelas belezas naturais do nosso país e falava dos lugares e elogiava e se dizia espantado com o desenvolvimento da Aracati naquele momento. A cidade se apresentava majestosa, bem superior à Fortaleza sim.
Depois disso apresentaram uma cena dramática, onde o dragão do mar berrava que ali não receberiam mais escravos, e entrecortavam com as cenas das secas, e o período das charqueadas e falavam de personagens ilustres dentre eles Pinto Martins que havia fundado a cidade de Pelotas no Rio Grande do Sul. Depois disso havia uma cena hilária onde se apresentava um tipo gay e uma velha chamada Casturina debochando com apelidos os pederastas.
Depois seguiu a cena do mendigo filósofo contracenando com um passante da rua
Um homem que passava pela rua, parou para ouvir o mendigo que se expressava sem nenhuma humildade, a e até bastante arrogância. Num alto tom de voz dizia:
- Ó vós passantes que gastais os solados dos vossos sapatos, gastai também vosso dinheiro com aquele que não tem o que merece, pois assim tornará faustoso, supimpa e perene o regabofe do entrudo ...
O pedestre para e resolve conversar com aquele tipo inusitado.
- Escuta aqui ô irmão, você tem algum problema de saúde?
Ao que o mendigo responde:
- Você me chama de irmão e eu não sei se gosto disso, além do mais o senhor está com jeito de quem quer me entrevistar e eu não concedo entrevistas!
- Não podemos conversar?
- Não digo que não pois já estamos, mas o senhor pode não gostar das minhas respostas.
- Certo, mas diga-me porque pede dinheiro, não pode trabalhar?
- Lhe respondo perguntando por que o senhor não se comporta como eu?
- Por que tenho dignidade e trabalho...
- Mas eu por acaso devo me incomodar com o que o senhor faz ou deixa de fazer?
- Não deve nem pode...
- Nem o senhor pode nem deve se incomodar em me questionar...
- Quer saber? Vai trabalhar vagabundo!
- Eu solicito aos passantes alguma ajuda monetária, mas a maioria é assim avarento como o senhor, não perco meu tempo pedindo conselhos pois nisso sou professor, nem tão pouco ordeno ninguém a se comportar semelhantemente a mim, contudo noto que o senhor já não está gostando de me ouvir, de igual pra igual...
- Nesse seu blá blá blá, já deve ter passado a lábia em muita gente e assim vai vivendo de enganar, pelo visto não tem nenhuma deficiência nem consciência, tá pensando o que! Nada cai do céu não ô...
- Cai sim, cai chuva, de vez em quando despenca um avião cheio de gente atribulada assim como o senhor, até o bendegó caiu...
- É muito cínico, onde estou que não lhe dou um murro! Mas devo me conter, o que vem de baixo não me atinge...
E foi seguindo raivoso, enquanto o mendigo em tom de palhaço diz em voz mais clara ainda:
- Pois senta-te num formigueiro ativo!
Aquela era uma cena pra provocar riso.
Obs: Tenho publicado somente no recanto das letras uma auto-biografia, meu primeiro livro, cujo nome é “Fascinado por chuvas”. Já este texto é parte do meu segundo volume, cujo título e subtítulo pode se lê acima.
Caso essa seja sua primeira leitura desses contos, sugiro que leia desde o primeiro capítulo para uma melhor compreensão e quem sabe proveito. Atenciosamente
Agamenon violeiro