Vestida de Branco

          O sino da igreja tocou as cinco badaladas.
Sentado num banco, ele sentia o coração saltar no peito, descompassado pela expectativa daquela que viria, lânguida, com seus braços brancos muito abertos, retê-lo num abraço que o faria esquecer os professores, os livros, a timidez.
          A tarde punha nos terraços da Reitoria uma sombra melancólica que contrastava com aquela cor indefinível aos olhos do rapaz. Lembrava-se de quando chegara à universidade, do quanto gostava de caminhar por entre as árvores a observar as estátuas, o limo que recobria os troncos das árvores antigas, os afrescos dos corredores. Gostava de imaginar quem pusera aqueles detalhes na casa e no jardim. O monumento ao primeiro Reitor levava-o a sonhar com o tempo em que ele, jovem de família humilde e oriundo do interior do estado, seria também reitor da universidade. Perto da estátua, parecia-lhe que ela estava a oferecer a ele, calouro, o capelo de reitor. Sorria e caminhava para junto da moça sem rosto com o cesto de flores, da mãe com um bebê no colo e um pequeno junto a si. Aquelas, ele pensava, haviam sido encomendadas por uma mulher que ele jamais conheceria, naquele tempo passado em que as jovens suspiravam de amor e andavam por aqueles jardins a despetalar flores.
          Ele estava amando, e sabia que era de verdade. Muito embora ela insistisse naquele jogo de não lhe dizer o nome, ele tinha certeza de que aquele amor era para sempre. Há um mês eles se encontravam sob aquelas árvores. Enquanto ela não chegava, distraía-se em examinar a solidez selvagem das mangueiras, as lavandeiras-de-deus que saltitavam na grama e os dentes-de-leão florescendo sob os bancos.
          Conhecera-a numa noite como aquela, de sexta-feira, e jamais imaginara que uma tristeza tão profunda como a que estava sentindo no primeiro encontro pudesse revelar uma alegria profunda e ao mesmo tempo tão grave, um amor que fizera dele, aluno recém-ingresso na universidade, um homem sério, desejoso de casar-se e ter filhos. O que estava sentindo nem se comparava com a paixonite que nutrira por aquela aluna do mestrado que lhe dera um fora na frente dos seus colegas e despertara nele aquela tristeza grossa, doída, que quase virara depressão. Quase. Porque antes disso o seu verdadeiro amor aparecera para libertá-lo daquela dor.
          As horas avançavam, 17:15, 17:20. Ele já podia sentir a presença dela se aproximando. Ela surgia como por encanto, às vezes detrás de uma coluna, às vezes detrás de uma árvore, os longos cabelos negros contrastando com a brancura do vestido. Desejava perguntar a ela por que andava sempre vestida de branco, por que só vinha às dezoito horas das sextas-feiras, por que não lhe dizia onde morava. Porém qualquer pergunta, bem como a sua voz, desaparecia naquele beijo quente, naquela pele macia que ele apertava com frêmito, como a temer que ela se esvaísse de entre seus braços como um sonho, feito névoa que se some ao raiar do dia.
Mas naquela noite, ele sabia, tudo seria mais bonito. Iria propor-lhe casamento, até comprara as alianças de ouro, parceladas em dez vezes sem juros numa loja do centro. Ele estava tão feliz que tinha medo. Medo de que ela não viesse, de que algo errado acontecesse, medo, angústia, e um frio começou por invadir-lhe as mãos, tomando o peito, empanando os olhos, fazendo o canto dos pássaros, antes tão alegre, parecer feio e de mau agouro.
          Mas ela veio, linda, sempre de branco. Os cabelos negros pareciam mais pesados, espargidos sobre os ombros nus. Quando ele a abraçou, sentiu um ranger de terra tocar-lhe o corpo. De onde viera aquela terra? Acariciou os seus cabelos. Mais terra. Ele a encarou, surpreso e temeroso, e ela começou a se decompor ali, na sua frente, a pele branca dando lugar à carne viva e aos ossos malcheirosos, dois grandes buracos engolindo os olhos tão azuis que eram o céu da sua vida.

          E ela se desfez em terra, um monte de terra a seus pés.

          Foi recolhido ao hospital em frente por enfermeiros e pelos guardas da Reitoria que o encontraram no dia seguinte, trêmulo, molhado de suor e orvalho, com um par de alianças e um punhado de terra nas mãos.