O medo
O Medo
No alto da colina morava ela. Sozinha. As pessoas morriam de medo de sequer passar por ali. Era uma bruxa, pária. Era como se ela tivesse uma doença contagiosa: bastava se aproximar para as coisas ficarem diferentes, as pessoas da cidadela não gostavam nem de pensar! As raras que arriscavam a ir até seus domínios nunca voltavam as mesmas.
Certo dia ela precisou descer à cidade para pegar algumas encomendas no correio: O carteiro fora sua última vítima! Ele tinha saído para entregar os estranhos pacotes retangulares e de vários comprimentos e espessuras e nunca mais tinha voltado. As pessoas correram para o templo, para congregarem sobre o ocorrido. Desta vez não foi diferente das anteriores, era ela passar e as pessoas se esconderem em pânico. E o mais ultrajante é que ela passava com um sorriso resplandecente no rosto, como se risse daqueles tolos que ali estavam!
Chegou ao correio e o atendente e seu ajudante abaixaram os olhos: era sabido que o mero contato visual era o suficiente para seu “eu” ser sugado. Atendente já sabia o que ela queria, virou-se para o compartimento onde as encomendas dela estavam estocadas. Dessa vez os pacotes eram bem grossos, um deles com um pedaço do invólucro meio rasgado: havia formas estranhas naquele pequeno espaço, mas o homem preferiu não tentar entender, o medo era grande demais.
Entregou a ela e o que mais temia aconteceu: Ela agradeceu!
- Obrigada, senhor! – inclinou a cabeça em sinal de respeito.
O ajudante saiu correndo do estabelecimento. Corria e gritava em altos brados. Ele, ainda apavorado, meneou a cabeça. Ela sorriu:
- Não precisa ter medo!
No templo, todos estavam apavorados escutando a menina:
- Aconteceu, ela fez mais uma vítima!
Uma mulher se levantou:
- Quem foi? Me diga, quem foi?
O pavor era palpável naquele lugar.
- Foi Davi – ela gemeu – acabou de acontecer.
- NÃO! Meu filho, não!
Nos correios, a conversa entre os dois continuava, visivelmente mais leve.
- O que é isso que estou sentindo?
- Chama-se liberdade – Disse ela – é o que acontece quando o medo vai embora.
- Eu nunca soube o que era isso, nunca tinha parado para pensar...
- Exato!
- Eu quero sair daqui... Esse lugar me traz péssimas recordações.
- Então vá, saia! Vá atrás de seus sonhos.
O rapaz abandonou o lugar.
A Sabedoria pegou seus livros e, sorrindo, saiu. Estava quase tão feliz que poderia saltitar, seus olhos brilhavam de felicidade. Para os que a viam, ela parecia um monstro... Olhos lacrimosos, sedentos por mais uma alma desavisada. Se encobriam na escuridão de suas casas, fechavam seus olhos vendados pela ignorância. Ela não se importava...
Voltou para sua colina, para seus livros. Estava a espera de mais uma vítima. Tinha todo o tempo do mundo!
Ela nunca perdoava quem entrava em seus domínios.