Reflexo
Ela se olhou no espelho recém-lustrado. Uma vez que o estimado objeto encontrava-se livre de manchas e de qualquer indício de poeira, a garota de olhos escuros e cabelos desgrenhados podia enxergar claramente todas as imperfeições de sua face cansada. Olheiras profundas, olhos inchados e opacos, uma pele áspera e mais pálida do que o normal.
Ficou encarando o reflexo de alguém que já teve o brilho e o frescor juvenil. De alguém que já havia se olhado naquele espelho centenas de vezes antes e que, ao invés daquela criatura amarga e deprimida, contemplara o semblante da alegria. Mas, agora, sentia-se velha. A postura curvada e a expressão infeliz faziam-na parecer ter mil anos de vida. Mas tinha dezessete. E da vida, ainda não sabia nada. Entretanto, agia como se tivesse sofrido tantas desilusões e cometidos tantos erros que já não pudesse mais suportar a si mesma.
Havia tantos dramas, tantas complicações, mas ao mesmo tempo, tantas ferramentas que prometiam facilitar ainda mais a vida de todos e fazê-los mais felizes. Podia-se adicionar "amigos", podia-se ter milhões deles. Números, ah, quantos números. Eles tomaram conta de sua vida. Já pessoas, conhecia poucas delas. E no momento nem sabia dizer em quais confiava.
A roupa que ela usava geralmente a definia mais do que seu caráter. Ela odiava não ter certeza de quem era, do que queria, para onde iria, embora certas coisas só se descobrissem ao longo da vida. Muitas pessoas só sabiam falar delas mesmas, porque tinham a constante necessidade de se provar para todos. Isso a deixava tonta, como se estivesse perdida no meio de uma intensa neblina. Mas será que não estavam todos tão perdidos quanto ela? Tais como pequenos insetos vagando em busca de uma fonte de luz?
Num gesto robotizado, apanhou um batom de embalagem reluzente e pôs-se a deslizá-lo por sobre os lábios, até que eles ficassem cobertos por um vívido cor-de-rosa. Em seguida, o rímel. Passou várias camadas, que a deixaram com longos cílios de boneca. Quanto à pele, deu início a uma série de aplicações, corretivo, base, pó. Um toque de cor nas bochechas, cerdas macias de um pincel roçando suavemente seu rosto. Arrumou o cabelo, uma operação que lhe custou mais alguns longos minutos e, por fim, analisou o trabalho feito.
Estava pronta. Colocara sua máscara, sua armadura. Sentia-se segura assim. Era difícil ler sua expressão, olhar nos seus olhos bem maquiados e conseguir identificar toda a solidão por trás deles. Não se podia apontar o dedo e julgar aquilo que já estava tão bem escondido. Para todos que a vissem, ela seria apenas uma garota bonita, pensando no que seus amigos fariam mais tarde, preocupada com seu desempenho em matemática ou talvez com os problemas em casa. Tudo parecia simples para quem olhava de fora.
Ela sabia do vazio que sentia por dentro toda noite antes de dormir, da súbita vontade de viver que às vezes invadia seu estado melancólico, mas que não se prolongava, pelo contrário, desaparecia com a mesma rapidez com que surgira.
Confusão, confusão dominava seus pensamentos e se entranhava em seu peito angustiado; descia impiedosamente por seus membros e deixava seu corpo adormecido, embora estivesse de pé e em boa aparência. Dizem que se você precisar de uma mão, irá encontrá-la na extremidade do seu braço. Mas ela não queria acreditar nisso. Não, era tão triste acreditar nisso. Queria apoio, um amigo. No fim das contas, ela só procurava por um amigo que pudesse fazê-la se sentir forte.