BOINA AZUL
Comprei-a num gesto quase insensato, embora a tenha desejado durante alguns dias. E mesmo sabendo que esse capricho não duraria um dia sequer. Comprei-a, em parte estimulada pela moda daquele inverno. Em segunda razão por causa desses sonhos de artifícios que movem a mente feminina. Alguns doentios. E outros mais simples como esse... E quando os tem, sente-se como não tivesse o direito de tê-los. Como se tivesse cometendo algum desvario. Mas o cérebro que tudo manipula me dizia que era necessário embora lá no fundo algo me dissesse que a boina azul não fora feita para meu jeito de ser. Ainda assim me iludi. Porque ninguém se sente satisfeito por não ter se arriscado alguma coisa. Algo que nos faz sentir-se rebeldes. Foi assim que me senti ao querê-la.
Mas ainda assim eu quis ter a boina azul. Sonhei com ela muitas vezes, enquanto ela continuava exposta na vitrine da butique. Premeditei possuí-la e fiz até uma jaqueta para combinar já antecipando a certeza de que seria minha. Como resistir à sedução daquela moda? E já era uma forma até irracional de querer. Uma quase urgência. Era eu tentada a possuir e o cérebro trabalhando o pensamento, traçando imagens... E numa réstia de responsabilidade, ainda analisava as posses. Não era totalmente caprichosa.
Até que num sábado quando todo o comércio já havia fechado as portas, eu finalmente decidi. Procurei a dona da butique, que solícita me vendera fora do horário e ainda para receber depois, a tão sonhada boina azul. E ainda sem essas burocracias de SPC que hoje certamente teriam dificultado minha compra. Satisfeita, tive finalmente em minhas mãos aquela boina de feltro azul que tantas vezes me fizera sonhar. O que a natureza feminina não é capaz para aplacar a chama da vaidade?
Não pensava na extravagância que fizera. Apenas tomei-a em minhas mãos como se comemorasse a vitória. Sabendo que era finalmente minha a boina azul... E antes a havia cercado dessas preliminares que envolvem um primeiro encontro ou um grande amor. Olhares... Depois os desejos... E a ânsia incontrolável de possuir. Só não haveria esse grande amor e sim uma paixão de momento. Agora já a tocava como ainda se certificasse do real. E nem havia o medo de parecer ridícula. Talvez hoje eu me sentisse assim... Mas naquele dia tudo o que eu queria era possuí-la.
Naquela noite me arrumei para a festa de exposição agropecuária da cidade. Jaqueta azul, calça e blusa preta... E a boina azul que dava o toque final à minha imagem um tanto quanto tímida. Já não tinha toda aquela certeza de antes. Diante do espelho, aos poucos, tive a impressão de certa nudez. Era eu vestida, mas como se tivesse exposta de forma quase desnuda. Apesar de gostar do resultado, havia alguma coisa resguardada. Alguma coisa abafada... Talvez essas ansiedades que antecedem o momento da posse, embora já não demonstrasse algum envolvimento. Já não havia magia. E sabia que em parte era por causa da boina azul que parecia não se adaptar a meu jeito de ser.
Ainda assim eu continuei com ela. Há momentos em que não se volta atrás, porque não se quer admitir o engano. Forcei a certeza de que estava bem e que a noite seria maravilhosa. Fui para a festa com minha prima. Confesso que recebi muitos olhares. De mulheres invejosas e alguns jovens sedentos de aventuras. Isso me deu certa segurança. Sabia que estava bela. Afinal a juventude tem sempre sua beleza ainda que disfarçada nos artifícios. No entanto, não sucumbi aos olhares e nem mesmo os correspondi, embora meu desejo fosse brilhar na ótica dos que me olhavam, enquanto ostentava a boina azul. Mas hoje já me custa a creditar se os olhares eram de admiração. Talvez eu tivesse apenas representado o papel de ridícula. Mas isso não importa agora que a boina azul é apenas a lembrança de um capricho.
Depois da posse da boina azul, naquela noite que acreditei ser triunfante, veio o esquecimento... Porque já me saciara o capricho de apenas um momento. Algo como esses encontros de apenas uma noite e que terminam ao final dela, apesar da conquista de muitos dias. E talvez sem um único olhar... Apenas os sapatos a um canto e a roupa do avesso em uma cadeira. Sem as flores do outro dia, ou um alô para apenas se certificar que ainda se lembrava. Mas nem isso... Porque sempre se tem medo de descobrir que se quer algo mais além de uma noite.
Mas era apenas uma boina azul, sem uma alma que me obrigasse a qualquer futuro. E tinha apenas o destino que gira a roleta da moda. E nem duraria até o final do inverno. Quanto a mim, algumas horas daquela noite, foi o tempo que durou o pequeno capricho, como havia pressentido em algum momento de lucidez. Depois se perdeu o valor e a ilusão do ter. E guardei-a numa gaveta para nunca mais possuí-la. E nem mesmo revê-la. Como se tivesse me doído aquele gesto insensato. Mas alguma coisa ficou dela... Talvez o feitiço caprichoso de apenas querer e possuir. Ou a certeza maliciosa e inocente de se sentir bela. Ainda que na ilusão. Bobagens que jamais se adaptaram ao meu jeito de ser.
Mas sempre se tem esses momentos de ilusão... Apesar de prosseguir nessas rotinas de calça jeans, uma blusa qualquer e um rabo-de-cavalo que não incomoda o rosto. Adornos? Os mais simples... e nada de boinas azuis... Mas quem sabe se desequilibrar em algum salto alto (meu sonho de consumo). O pior de tudo é caminhar sem os sonhos... Alguns desses que nos fazem aventureiros e nos impulsionam a viver. E pode até mesmo ser um capricho tolo de possuir uma boina... No meu caso, uma boina azul...
( História verídica vivida em meados de 1985 e escrita em 2005 . Ah! Velhos tempos.Só que a foto que minha irmã tirou de mim com a boina não deu certo de modo que a imagem postada é do Google mesmo. )
Comprei-a num gesto quase insensato, embora a tenha desejado durante alguns dias. E mesmo sabendo que esse capricho não duraria um dia sequer. Comprei-a, em parte estimulada pela moda daquele inverno. Em segunda razão por causa desses sonhos de artifícios que movem a mente feminina. Alguns doentios. E outros mais simples como esse... E quando os tem, sente-se como não tivesse o direito de tê-los. Como se tivesse cometendo algum desvario. Mas o cérebro que tudo manipula me dizia que era necessário embora lá no fundo algo me dissesse que a boina azul não fora feita para meu jeito de ser. Ainda assim me iludi. Porque ninguém se sente satisfeito por não ter se arriscado alguma coisa. Algo que nos faz sentir-se rebeldes. Foi assim que me senti ao querê-la.
Mas ainda assim eu quis ter a boina azul. Sonhei com ela muitas vezes, enquanto ela continuava exposta na vitrine da butique. Premeditei possuí-la e fiz até uma jaqueta para combinar já antecipando a certeza de que seria minha. Como resistir à sedução daquela moda? E já era uma forma até irracional de querer. Uma quase urgência. Era eu tentada a possuir e o cérebro trabalhando o pensamento, traçando imagens... E numa réstia de responsabilidade, ainda analisava as posses. Não era totalmente caprichosa.
Até que num sábado quando todo o comércio já havia fechado as portas, eu finalmente decidi. Procurei a dona da butique, que solícita me vendera fora do horário e ainda para receber depois, a tão sonhada boina azul. E ainda sem essas burocracias de SPC que hoje certamente teriam dificultado minha compra. Satisfeita, tive finalmente em minhas mãos aquela boina de feltro azul que tantas vezes me fizera sonhar. O que a natureza feminina não é capaz para aplacar a chama da vaidade?
Não pensava na extravagância que fizera. Apenas tomei-a em minhas mãos como se comemorasse a vitória. Sabendo que era finalmente minha a boina azul... E antes a havia cercado dessas preliminares que envolvem um primeiro encontro ou um grande amor. Olhares... Depois os desejos... E a ânsia incontrolável de possuir. Só não haveria esse grande amor e sim uma paixão de momento. Agora já a tocava como ainda se certificasse do real. E nem havia o medo de parecer ridícula. Talvez hoje eu me sentisse assim... Mas naquele dia tudo o que eu queria era possuí-la.
Naquela noite me arrumei para a festa de exposição agropecuária da cidade. Jaqueta azul, calça e blusa preta... E a boina azul que dava o toque final à minha imagem um tanto quanto tímida. Já não tinha toda aquela certeza de antes. Diante do espelho, aos poucos, tive a impressão de certa nudez. Era eu vestida, mas como se tivesse exposta de forma quase desnuda. Apesar de gostar do resultado, havia alguma coisa resguardada. Alguma coisa abafada... Talvez essas ansiedades que antecedem o momento da posse, embora já não demonstrasse algum envolvimento. Já não havia magia. E sabia que em parte era por causa da boina azul que parecia não se adaptar a meu jeito de ser.
Ainda assim eu continuei com ela. Há momentos em que não se volta atrás, porque não se quer admitir o engano. Forcei a certeza de que estava bem e que a noite seria maravilhosa. Fui para a festa com minha prima. Confesso que recebi muitos olhares. De mulheres invejosas e alguns jovens sedentos de aventuras. Isso me deu certa segurança. Sabia que estava bela. Afinal a juventude tem sempre sua beleza ainda que disfarçada nos artifícios. No entanto, não sucumbi aos olhares e nem mesmo os correspondi, embora meu desejo fosse brilhar na ótica dos que me olhavam, enquanto ostentava a boina azul. Mas hoje já me custa a creditar se os olhares eram de admiração. Talvez eu tivesse apenas representado o papel de ridícula. Mas isso não importa agora que a boina azul é apenas a lembrança de um capricho.
Depois da posse da boina azul, naquela noite que acreditei ser triunfante, veio o esquecimento... Porque já me saciara o capricho de apenas um momento. Algo como esses encontros de apenas uma noite e que terminam ao final dela, apesar da conquista de muitos dias. E talvez sem um único olhar... Apenas os sapatos a um canto e a roupa do avesso em uma cadeira. Sem as flores do outro dia, ou um alô para apenas se certificar que ainda se lembrava. Mas nem isso... Porque sempre se tem medo de descobrir que se quer algo mais além de uma noite.
Mas era apenas uma boina azul, sem uma alma que me obrigasse a qualquer futuro. E tinha apenas o destino que gira a roleta da moda. E nem duraria até o final do inverno. Quanto a mim, algumas horas daquela noite, foi o tempo que durou o pequeno capricho, como havia pressentido em algum momento de lucidez. Depois se perdeu o valor e a ilusão do ter. E guardei-a numa gaveta para nunca mais possuí-la. E nem mesmo revê-la. Como se tivesse me doído aquele gesto insensato. Mas alguma coisa ficou dela... Talvez o feitiço caprichoso de apenas querer e possuir. Ou a certeza maliciosa e inocente de se sentir bela. Ainda que na ilusão. Bobagens que jamais se adaptaram ao meu jeito de ser.
Mas sempre se tem esses momentos de ilusão... Apesar de prosseguir nessas rotinas de calça jeans, uma blusa qualquer e um rabo-de-cavalo que não incomoda o rosto. Adornos? Os mais simples... e nada de boinas azuis... Mas quem sabe se desequilibrar em algum salto alto (meu sonho de consumo). O pior de tudo é caminhar sem os sonhos... Alguns desses que nos fazem aventureiros e nos impulsionam a viver. E pode até mesmo ser um capricho tolo de possuir uma boina... No meu caso, uma boina azul...
( História verídica vivida em meados de 1985 e escrita em 2005 . Ah! Velhos tempos.Só que a foto que minha irmã tirou de mim com a boina não deu certo de modo que a imagem postada é do Google mesmo. )