Série MEMÓRIAS FAMILIARES

Apresentação

 
Este conto inicia a Série MEMÓRIAS FAMILIARES, cujo índice vai ao final, e narra o motivo por que não possuo no registro civil o sobrenome Lobo da família de minha mãe. E também justifica o pseudônimo - Antônio Lobo Guimarães -, que adotei para narrar as Histórias de Aguinhas.


Os nomes do menino
 
 
Para tia Irene, que me trocou o nome,
mas me deu muito exemplo.

 
Dé e Neli se conheceram no Ideal Hotel, ele aprendiz de garçom, ela arrumadeira. Namoraram, se casaram e uns meses depois: — A Neli grávida, a criança nasce em novembro. — Vai ser menino ou menina? — É mais certo que é menino, porque ela muito barriguda, a barriga meio que pontudinha e o bichinho não sossega, chuta o tempo todo. Nem nasceu e já parece um corisco!

No
comecinho do mês de novembro, dona Maria do seu Zé Souza perguntou: — Como ‘tá passando a Neli?  — Tá vesprando a hora, Maria. Deus querendo, chega logo, vó Cema respondeu.
 
Aguinhas, no bairro proletário e pobre da Vila Nova, e a velha parede-meia de adobe, alugada pelos meus pais ao Gordinho, estava em festa, pois nascera o filho do casal. — É mesmo menino. E só podia ser, do jeito que foi a gravidez. E ele vai ser muito arteiro, pobre da Neli, nervosa daquele jeito! — Pois eu tenho dó é do menino, a Neli não vai dar sossego pra ele. Ela não pode mais engravidar, doutô Zé Bindito já falô... Filho único, mãe nervosa, já viu, né!
 
Vó Cema correu à folhinha Mariana, destacou o 14 de novembro e botou na sua canastra que veio da Itália, juntamente com os guardados importantes da família — retratos e documentos da ascendência Gentil-Lobo. Vó  Margarida cuidou do umbigo com uma poção feita de fumo, tatuzinho torrado e álcool. Quando ele caiu, vó embrulhou numa gaze e plantou no pé da roseira (costume da roça, pra dar sorte, ela dizia). Nem bem nasci, me levaram à igreja, Vó Cema e tio Messias foram os padrinhos e o Padre Leal com uma concha de água benta já me livrou do Limbo. Pai comprou uma tantada de frangos para garantir a quarentena da mãe. E o Dé ninava o menino, que fazia beicinho: Ô, boiadeiro, que a noite já vem/pega o seu gado e vai pra junto do seu bem... E mais uns dias correram.

 
— Pai, explicava o Dé, a Irene tomou a frente e registrou o menino assim. Agora não tem jeito de mudar. — Como não?! É meu primeiro neto homem, tinha que chamar Rubélio! Já tinha falado isso. Se fosse homem, era pra chamar Ruubééliioo! — É, pai, mas agora não dá mais pra mudar o registro do menino. — Essa espeloteada da Irene com o seu tanto politiqueira me saiu pior do que a encomenda! Parece gente do Alfredinho! Ela não tinha nada que fazer isso! Será que pensa que o filho é dela? E bem sabia o nome que eu tinha escolhido! Ah, deixa pra lá! Que registro? Isso não voga nada, é só coisa de leguleio! Se não pode ser Rubélio, então vai ser Guimarães... o menino vai ser chamado de Guimarães!
 
E então ficou decretado pelo Zé Batista (o Pai Véio), o avô paterno, que o seu primeiro neto homem chamava-se Guimarães e assim deveria ser tratado e ponto final, que registro em cartório não tinha valência em questões de família. E, por essa parte, assim foi, porque não se podia discutir muito as ordens do velho.
 
Da outra parte, quem não gostou da história foi dona Iracema, a avó materna, viúva do Miguel e matrona da família Lobo, que ficara insatisfeita com aqueles modos da Irene, que fez o registro sem falar com ninguém e se esqueceu de botar o sobrenome da sua família no menino. E, porque contrariada, puxou ao sotaque carcamano dos Gentili, que ela nunca perdeu de todo, misturou com o amatutado da Vila Nova e proclamou: — Ecco! Ma que nada! Só se prus lado de Purtugal. Per que, aqui do nosso, dos Gentili e dos Lôbo, o bambino será António.

 
Mas, como em tudo, as coisas postas por-toda-a-lei contra a natureza não funcionam, a primaiada, da noite pro dia, cortaram caminho. Pelo lado do pai, o Guimarães foi encurtado pra Guima; pelo lado da mãe, Antônio foi atalhado pra Toninho.
 
E assim foi que se deu o começo do menino, que não tendo sido Rubélio tornou-se Guima e não tendo levado o Lobo virou Toninho.

E a linhagem mais próxima pelo ramo do pai é: João Baptista da Silva/Francisca de Salles Ribeiro: José Guimarães Silva. Antonio Ângelo Fernandes/Francisca Finalda (Ferreira) Fernandes: Margarida Augusta Guimarães. JOSÉ GUIMARÃES FILHO.

 
E pelo ramo da mãe: Domingos Francisco Lobo/Maria Messias Santos: Miguel Arcanjo dos Santos. Giuseppe Gentili/Francesca Bodegorni Gentili: Iracema Gentil Lobo. NELI GENTIL LOBO, depois saiu o LOBO e entrou o GUIMARÃES.

(*) Esta narrativa faz parte do livro Menino-Serelepe - Um antigo menino levado contando vantagem, uma ficção baseada em fatos reais da vida do autor, numa cidadezinha do interior de Minas Gerais, nos anos 1960.

O livro é de autoria de Antônio Lobo Guimarães, pseudônimo com que Antônio Carlos Guimarães (Guima, de Aguinhas) assina a série MEMÓRIAS DE ÁGUINHAS. Veja acima o tópico Livros à Venda.
Índice da Série

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- Memórias familiares - aqui


Pai Véio, um contador de histórias
A vingança de Ben-Hur
Pesc
aria
E fogões de lenha não há mais
Traquinagens na linha do trem
A bela daminha
A flor do maracujá

Antigas brincadeiras de crianças
Brincadeiras na Volta do Lago
Brincadeiras de infância do Menino-Serelepe
O menino da bicicleta
Televizinhos

Dona Guilhermina, do Coleginho
Brincando de construção
Jogo de bola
Brincando de trolinhos
Um temporal na Serra das Águas

Clélia, minha tia brincalhona
Um tio divertido
Meu pai e o pio das aves
Na Aparecida do Norte
Minha família no Hotel Ideal de Lambari
Biriba e Futrica
As velhas paineiras da Volta do Lago
Pescaria no Laguinho do Parque Novo
Sob as asas da Vó Cema
Minha fé católica e a Semana Santa

A fé católica da minha avó Cema
Rubinho Lobo, meu primo
Na velha farmácia
A família Gentil Lobo (1) - As origens
A família Gentil Lobo (2) - A Vila Nova do meu tempo
A família Gentil Lobo (3) - A família
A família Gentil Lobo (4) - Aspectos da vida da família nos anos 1950/60