AMOR BANDIDO
Pontualmente às nove horas, a lojinha abria sua portinhola que dava para a freguesia. Ana, pachorrenta, como se cumprisse um ritual já muito conhecido, estendia alguns banners para a entrada, expunha alguns produtos que estavam na parte inferior do balcão. Tudo sincronizado, em gestos automáticos e previsíveis. A um canto, um volumoso volume, romance, parecendo aguardar para ser aberto, convidando-a a navegar nas aventuras.
Era um ensolarado sábado, o comércio encerraria mais cedo, mas lembrava-se ela de que nada tinha programado para fazer em mais um fim de semana. Saberia que lavaria as roupas acumuladas, assistiria televisão, não necessariamente nessa ordem. O comércio pequeno era sua única atividade, além do curso supletivo que frequentava à noite. Pagava pelo ponto e vendia bugigangas, produtos importados, contrabandeados, coisas de refugo ( como para si mesmo dizia) , sendo a dona e única funcionária. Levava marmita e a comia por detrás do balcão, requentada em forno pequeno de microondas.
Morava só e tinha como companhia livros emprestados ou adquiridos em um sebo próximo, geralmente estórias de aventuras e de amores, fazendo-a viajar na imaginação, e a viver sua vidinha sem atrativos.
Trajava um short, por ser dia acalorado, não havia porque ter muitas formalidades, uma sandália rasteirinha e a camiseta decotada denunciando um sobrepeso indesejado sempre adiada para uma dieta a ser feita, prometida a cada fim de ano, jamais cumprida. Justificava, de si para si, a falta de tempo para dedicar-se a exercícios físicos, a atividade sedentária, fechada durante o dia naquele cubículo não a ajudava em seus planos. Domingo era para descanso, botar a limpeza dos três cômodos em dia, lavar, passar e cozinhar, quem precisa de academias de ginástica? Mas ainda assim estava fofa demais para seu gosto, diria para si mesma, estufadinha.
Olhava de rabo de olho para o livro encostado no canto do balcão, instigando-a para fugirem para outro lugar, belo e sedutor. Queria, realmente, não ter que abri-lo e mais uma vez embrenhar-se naquele mundo fantasioso, irreal, mas maravilhoso e encantado, distante de seu trivial cotidiano. Enquanto lia, viajava, era a personagem dos sonhos, porém, interrompida a leitura, voltava ao seu mundinho, como se despertasse para o insosso de cada dia, sem qualquer novidade. Feliz deveriam ser os autores daquelas obras, narravam maravilhas, descreviam paisagens estonteantes, apresentavam a vida em multicores tons, faziam e desfaziam de suas personagens a seu bel prazer. A leitura funcionava como uma droga, cada vez mais necessária refugiar-se naquelas páginas.
Envolta em seus pensamentos, mergulhados na rememoração das páginas já lidas, displicentemente limpando a pequena prateleira, sente alguém fungando em seu pescoço, sem tempo de virar-se.
- Fique quieta, gata, que nada acontece contigo... ( a voz maneirosa e ameaçadora)
Sem entender o que estava acontecendo, pois nunca tinha sido assaltada, lembrou-se de dizer que nada tinha no caixa, podia abri-la e conferir.
_ Quero só ficar um pouquinho contigo, não vou levar nada.
Tem como me esconder ?
_ Só debaixo do balcão... ( sussurrou amendrontada)
- Ok, fico aqui. Se chegar alguém da polícia procurando por um fugitivo, diz que tá tudo bem, que você não viu ninguém... Assim nada acontece contigo, ficamos numa boa.
- Tá certo...
Naquele espaço minúsculo, mal cabendo uma pessoa, aquele homem estava tão próximo de si que poderia sentir seu cheiro e sua respiração. A adrenalina de sua pulsação ofegante, o suor másculo a envolvendo. Há tempos não tinha uma aproximação com um homem, aquilo a confundia. Não saberia dizer se sentia a ameaça ou o calor do visitante inusitado e atrevido, pondo-a confusa. A voz quase aos ouvidos, sussurrada, dava-lhe tremores, arrepiando-a. Os seios intumescidos denunciavam seu desconforto, os mamilos arrebitavam no tecido da camiseta decotada. Não conseguia controlar aquilo. Passou a suar molhando a roupa, pediu licença para ligar o ventilador. Momento em que seus olhos cruzaram com os do visitante, rapaz jovem, corpo enxuto, camiseta regata, de bermuda, moreno, cabelos encaracolados, sorriso sarcástico, mas simpático, desfazendo o medo.
Mordeu os lábios, sentiu vontade de beijá-lo, estava carente. Ruborizou-se com a espontaneidade dos próprios instintos. Num átimo, como em telepatia, parece que o rapaz a entendeu, passou-lhe carinhosamente as mãos por suas pernas, acariciando-as, não reagiu, pelo contrário, consentiu sorrindo.
Em entendimento mudo, comunicavam-se as intenções, ela já não mais conseguia disfarçar seu tesão por aquele rapazote a tirá-la do eixo. Abaixou-se instintivamente, chegando mais próxima dele, amontoados no chão, beijaram-se. Rostos colados, suados, melando-se um no outro. Ânsias de se sentirem, de se darem. Vontade de ficarem nus, entregues um ao outro.
Parecia voar como a personagem daquele livro, envolta nas fantasias de uma paixão avassaladora . Suas pernas desnudas, ambos estavam de bermudas, encostavam-se prazerosamente, as mãos dele, a exploravam atrevidas, puxando-lhe o zíper do short, burilando-a freneticamente. Sentia-se invadida, conspurcada, inebriada naquelas sensações alucinantes. De repente, fugia de si a imagem entediada da existência sempre igual, e via-se transportada de venturas e delírios. Que bom ser possuída, desejada, apalpada pelas garras daquele jovem sedento de luxúrias. Ela também o desejava, o queria, da forma mais vulgar e ordinária, como uma fêmea no cio satisfazendo seus instintos sexuais.
Vagamente, como se de si quisesse afastar as preocupações, lembrou-se que a loja estava aberta, portanto sujeita à entrada de pessoas a qualquer momento, sem resistir aos afagos desejosos, já completamente dominada pela sensação e o gozo. Também buscou- lhe o membro teso, retribuindo as carícias, o masturbando delicadamente, sentindo suas veias pulsantes. Ambos arfavam naquele ambiente, misturando suores e gemidos.
Ana desejava que ninguém entrasse por aquela porta, não queria nem saber de vender nada, apenas permanecer como estavam, tinha medo de pisar de volta o solo depois de ter orbitado as estrelas, como acontecia a cada interrupção da leitura do livro que lia, trazendo-a dos sonhos à realidade.
A freguesa no balcão a trouxe, subitamente, ao mundo real, fazendo-a fechar o livro na sua parte mais sensual e lasciva, de sugestivo título AMOR BANDIDO, queria comprar um carregador para seu celular...