Nordeste,1915,Parte I
Faz calor, mamãe.
Você deve estar com febre, meu filho.
Mamãe,aqui está quente.
Eu sei querido, eu também estou me sentindo assim.
Mamãe, estou com fome.
Sim, meu filho, eu (lágrimas) também estou.
Aquele diálogo foi repetido centenas de vezes. Entre o nascer e o morrer estava a terra cinza e infértil do sertão. Os moços inventavam partidas para esquecer do pão. A poesia deu lugar para o drama. O Nordeste não suportava figuras de linguagem. A população necessitava de uma linguagem objetiva. Talvez só mesmo uma intervenção divina.
Cabisbaixos, os sonhos enlouqueciam e os neurônios eram aquecidos pelo aumento da temperatura e ausência de nutrição.
Não bastava as guerras brotadas em terras distantes dali.Não bastava as bombas, o tiroteio, a carnificina. Eram instantes esdrúxulos e estavam consumindo toda forma de esperança. A terra nordestina brotava em seu seio toda dor das lágrimas e desespero das famílias. Não existia amor, amizade, nem rede social que fizessem por algum instante esquecer a realidade que se passava ali diante dos olhos de todos.
Em Macaíba, cidade do Rio Grande do Norte, alguma comunidade dali não hesitava nem esperava mais consequências. Freiras passavam correndo, atarefadas, na ansiedade de preparar a festa do padroeiro, de enfeitar as capelas, de quase construir máscaras alegres para sorrisos já falecidos. Tentavam algo maior, queriam a renovação da fé. Na praça, eram vendidos sequilos, doces pretos, pés de moleque. Durante a missa, o padre quase que vendia sonhos. Quase que entregava um bocado de paz ali na mão de cada olhar que implorava por mudança. Olhares que nunca foram mais vistos, olhares que não esperavam por uma destruição tão lenta e próxima.