A espera
O espaço parecia pequeno para ela - quantas vezes já não havia percorrido o corredor, lançado um olhar para a tela da televisão, sentado, levantado? Detinha-se pouco nas imagens da folia. Lembrava-se com saudade de outros carnavais, da animação dos clubes, das cadeiras na rua para assistir aos desfiles, dos mascarados que divertiam a multidão. Ou vinha-lhe à mente a figura de Felipe, vestido de marinheiro, de pirata, de cossaco. Exibia-o orgulhosamente nos bailes infantis, desconfiada de que curtia aqueles momentos mais do que o próprio filho.
Soou o telefone. Atendeu logo após o segundo toque. Diante da voz desconhecida, desligou morosamente, como se lhe faltasse alento.
- Vem almoçar - propôs o marido.
Seguiu-o, a fim de fazer-lhe companhia. Os dias espichados do feriadão deixavam-na avulsa, sem programa definido na cabeça. Dar um giro pela praia sempre lhe fazia bem. Mas, o tempo não estava ajudando. Acabava de cair uma tromba d'água. Chegou à janela e viu um arco-íris desenhado no céu. Quem sabe a tarde estaria salva.
À beira da lagoa, caminharam um pouco pelo calçadão. Não eram muitos os carros alinhados ao longo da avenida. Ao fundo, as águas brilhavam tranqüilas, cortadas por um ou outro navegador. Uma placidez que sempre a encantava. Desembocaram, como de costume, em um barzinho, onde gostavam de comer uma casquinha de siri.
- Um chope?
O marido tentando distraí-la, trazendo à tona outros assuntos, distantes do caso de Felipe. O marido deliciando-se com o lanche, aproveitando os ares do fim de verão. Ela, tensa. Dirige o olhar para a praia, rumo aos confins do horizonte, e lá deixa-o ficar, em busca de uma pacificação.
Quando voltaram do balneário, já anoitecia. Pelas ruas da cidade, havia poucos sinais de carnaval. Os sons perdidos de algum grupo. Pessoas que tomavam o caminho das arquibancadas, para assistir, bem mais tarde, aos desfiles. Os antigos dominós tinham desaparecido, aqueles que mexiam com as crianças, falando com uma voz fanhosa. Ou, por vezes, estridente. Idem para os arlequins e as colombinas. Nostalgia de um época que repousava no passado.
Em casa, as cenas repetidas pela televisão. Muito luxo, muita imponência. Ficou observando as escolas do Rio, o grande espetáculo, até que, sonolenta, achou melhor ir deitar-se. Dormir, esquecer... Não conseguiu exatamente o que queria, ou como queria, devido, em parte, aos roncos do marido.
O sol iluminou o dia seguinte. Longo dia, atenuado apenas pela idéia de que no próximo as atividades recomeçavam. Estaria ocupada, com pouco tempo para enredar-se em seus pensamentos. Carências mitigadas, tanto quanto possível.
Deu-lhe vontade de escrever. Muita. Mas, desde que o filho tinha brigado com o pai e ido embora intempestivamente, tratava-se de uma vontade difusa, que ela não conseguia materializar. Sentia-se vazia. As idéias não chegavam a formar-se, eram relâmpagos que se apagavam tão logo apareciam. No canto do escritório, ocioso, o computador já bastante defasado: "Para os teus escritos, Mãe."
Tentou concentrar-se. A mente tão em branco quanto a tela. Acariciou o maço de folhas que continham a sua produção. Quase um livro. Apenas um pouco mais de esforço era necessário para dar corpo a seu sonho. Menos de um mês atrás, encontrava-se tão cheia de entusiasmo que nem acreditava ser a mesma pessoa. Agora, nada mais lhe vinha. Desânimo. E se Felipe estivesse saudoso de casa? Se surgisse de repente, pronto a reatar os laços? Correria em sua direção, estreitando-o contra o peito, num abraço doído de tão esperado, num aperto tão forte que não pensasse mais em afastar-se.
- Isabel, podes atender?
O telefone tocava. Deu um salto. A voz mostrou-se clara, quente, tal como ela estava acostumada a ouvir:
- Mãe!
Desligou em estado de graça. Instintiva, começou a acompanhar o ritmo de um bloco que descia a rua. Por todos os cantos, vibravam os sons do batuque. O marido arregalou os olhos quando a encontrou sambando no meio da sala.
Antes de contar-lhe qualquer coisa, puxou-o pela mão:
- Vem dançar comigo.
Envolveu-o no seu calor. E a noite virou uma festa animada e alegre.