Amor adolescente
- Então, você vem hoje?
- Vou sim. Minha mãe viajou e eu disse que iria dormir na casa da Fernanda.
- Ah, que bom! Então te espero a noite. Vou desligar que já estou atrasado para o trabalho.
- E eu para escola!
- Beijo, minha linda.
- Beijo.
Ao desligar o telefone, Beto, que havia já há algum tempo passado pela fase de escola, sentiu penetrar em seu corpo uma estranha vibração que o remetia a sensações vividas em seu tempo de juventude. Esse estranho prazer repentino talvez estivesse ligado ao fato de poder novamente se entregar a uma antiga aventura típica de seus tempos juvenis: fazer algo escondido dos pais. Mas desta vez os pais em questão não era os dele, e sim de Bruna, uma linda menina de dezessete anos cuja beleza e sensualidade não condiziam com sua tão pouca idade. E foi motivado por essa sensação que Beto partiu aquela manha levando em seu rosto um imenso sorriso que estendia de orelha a orelha.
No trabalho, nem mesmo o clima corrido e tenso do escritório de contabilidade no qual Beto trabalhava conseguiu tirar o brilho de felicidade que ele carregava em seus olhos. Pois por mais que estivesse fisicamente presente, sua cabeça e pensamentos estavam todos direcionados ao tão sonhado encontro que a noite guardava. Ele se enchia de euforia só em pensar que todos os seus secretos desejos estavam tão perto de serem realizados. “Possuir a mais bela e jovem moça, disfrutar sem nenhum pecado de todo o primeiro e inocente amor que possa fluir de seu corpo”. Estes pensamentos, para Beto, soavam quase como que um poema lírico recheado de erotismo, onde Bruna se tornava a bela Helena, que é raptada aos onze anos por Teseu, um grande herói no qual Beto o assemelhava à sua imagem. E assim gastou todas as horas de trabalho daquele dia. Se perdendo na doce imaginação de todos os detalhes, criando e decorando frases a serem ditas, antecipadamente aproveitando os gostos, calculando todos os gestos... Enfim, gastou aquele dia para fazer da noite um momento mais que perfeito.
Mal deu seis horas da tarde e Beto, sem nem mesmo realizar a habitual despedida com seus colegas de trabalhos, saia em disparada deixando para trás uma pilha de papeis que exigiam dele uma atenção especial. Correu para casa a fim de deixar o cenário de seu futuro amor impecável.
Velas acesas, roupa de cama nova posta, aroma adocicado de alguns incensos e para completar a perfeição do futuro ninho do amor uma jantar de fazer inveja ao melhor chefe francês. Uma delicia de Cappelletti de Carne ao Molho Cremoso com Champignon, que exigiu de Beto um esforço descomunal, pois o seus conhecimentos culinários se limitavam a macarrão instantâneo e ao famoso ovo frito com queijo, que já havia alimentado vários de seus antigos amores. Mas o seu amor por Bruna não era tão típico como os demais, por isso a ideia de perfeição e total capricho tomava conta de sua apaixonada cabeça. E para completar o formoso banquete um dos melhores vinhos fabricados em território nacional (Beto sabia o maravilhoso efeito que uma simples taça do famoso Tannat poderia provocar naquele lindo corpo de Bruna). Mas o seu zelo e total atenção não ficaram restritos apenas ao seu recanto de paixões. Pois logo após da arrumação e da preparação do delicioso jantar, o seu visual tornou o alvo de sua atenção.
A barba feita mostrava com clareza todos os delicados traços que abrigavam sua faca e dava ao seu semblante um ar mais jovial do que de costume. O traje que foi escolhido não era nada mais do que um terno Ermenegildo Zegna da cor cinza, acompanhado por uma camisa branca e calças pretas que juntando com o caríssimo blazer formavam um ar mais do que elegante sobre a figura conservada de Beto. Algumas gotas de uma loção francesa completava todo o charme que ele havia criado para si – um verdadeiro gentleman.
Com todos os detalhes preparados, o mais novo apaixonado já saboreava certa ansiedade aguda que corroía a sua paciência, mas que em certos momentos era tão agradável como a doce lembrança do primeiro amor.
Feito tudo com uma notável rapidez ainda havia uma hora para que tudo fosse novamente checado. A perfeição era o grande objetivo naquela noite quente de verão. Tendo checado tudo pela décima vez, Beto decidiu que a televisão talvez fosse uma distração daquele nervosismo que o consumia por dentro. Que engano! A TV ficou ligada em mais um destes canais de música (onde a cobertura de um show de mais um desses ídolos teens era mostrada) jogando suas imagens ao léu, pois o seu pensamento ainda continuava no que o futuro próximo prometia.
Sentado no sofá terminando de roer a fina unha do seu mindinho, Beto olhou para o relógio e notou que já haviam se passado uma hora, e totalmente levado por um impulso repentino deu um salto do sofá a fim de conferir pela última vez os importantes detalhes, imaginando que a doce criatura de nome Bruna já estaria chegando. Ele reconhecia que essa nova aventura havia lhe dado um aspecto meio paranoico, mas imaginou que essa demasiada preocupação fosse mais um dos sintomas da doença do amor e até sentia uma ponta de charme em ter ficado “louco” de tanta paixão.
Rodando de um lado para o outro da sala com as mãos presas nas costas esperava o agudo som que a campainha fazia ao ser tocada, que já era para ter ocorrido há dez minutos. Foi então que lembrou (até como uma forma de se tranquilizar) que as mulheres são expert em atrasos e que sempre demoram uma eternidade para borrar a cara com meio quilo de maquiagem. Esse pensamento até provocou um meio riso em sua boca, dando uma maior contribuição para que Beto achasse que seus comentários eram sempre engraçados e inteligentes.
Deixando se levar pela conclusão que a menina atrasara por causa de sua arrumação, Beto achou conveniente abrir o caro vinho e se deliciar apenas com uma taça, a fim de passar o tempo e anestesiar a incomoda ansiedade que o consumia. No fim de seu último gole notou que o atraso agora acumulava trinta e cinco minutos. Foi então que aquele velho desespero deu com as caras novamente e a ideia de ligar para a menina para conferir se ela já estaria chegando começou a ganhar vida em sua cabeça. Mas não durou por muito tempo. Beto achou que uma ligação soaria com um tom desesperado demais, e não iria condizer com a imagem de seguro e experiente que ele havia passado para a inexperiente adolescente. Então outra taça seria o agente perfeito para dar um fim ao tormento da ansiedade. Entretido em alguns pensamentos de cunho filosófico, Beto chegou a uma óbvia conclusão em relação ao poder das mulheres com os homens: não importa a idade, se uma mulher souber usar de todo o seu charme e beleza consegue botar de quatro até o mais bruto dos homens. É tudo uma questão matemática, onde a dose certa de carinho somada com a quantidade adequada de atenção (que está entre nem muito grudada e nem muito distante) dividida com o tempo para os amigos e a cerveja daria somente em um resultado positivo: o amor. E ainda conclui seus pensamentos elaborando uma frase de efeito: “na matemática do amor o resultado nunca é negativo”.
Banhado de orgulho depois da finalização de sua tese, Beto notou que já havia passado uma e meia do horário combinado e que ao invés de mais uma taça havia tomado sete. Feita essa descoberta, certa tontura tomou conta da sua cabeça, talvez para confirmar o que a pouco havia descoberto. E sem ao menos pensar em um por que, deixou que toda preocupação tomasse conta de seu ser por completo e correu para o telefone com esperança de ouvir uma boa desculpa que justificasse o atraso da tal menina.
Mas era tudo em vão. Bruna não dava nem um rabisco de vida capaz de amenizar a preocupação de Beto. E completamente dominado por uma tristeza profunda, as primeiras lágrimas vieram umedecer seu rosto transtornado. Uma certeza, sem origem, preencheu o vazio de seu peito, confirmando que Bruna realmente não iria dar o ar de sua graça naquela linda noite que estava exposta como um quadro em sua janela.
Beto inventou milhares de motivos para não deixar que as feridas dos desprezos se tornassem ainda maiores. Por isso agarrou com unhas e dentes a ideia de que a mãe de sua amada desistiu de última hora não viajar, obrigando assim a Bruna ir realmente dormir na casa da sua amiga. Mas suposições era um fator irrelevante para calar a melancolia que já gritava em seus ouvidos.
Beto precisava urgentemente de respostas, saber o que realmente havia acontecido com a menina. Seu orgulho masculino pulsava intensamente causando uma dor insuportável, e todas suas certezas em relação ao seu poder masculino sumiam, fazendo com que sua armadura de homem caísse deixando exposto o frágil e indefeso menino que ele era.
Caindo em um pranto digno de mocinhas desoladas, Beto, se debatia no sofá, gritando com sua voz rouca e forte o nome de Bruna. Nunca havia passado por isso. Nunca uma paixão havia conseguido o arrebatar com tanta intensidade como essa de agora. Cada fibra de seu corpo também se manifestava em relação à tristeza que machucava seu coração. Cada músculo de seu corpo se contraía em oposição a esse doloroso sentimento.
Beto continuou a chorar por mais alguns minutos, quando de repente se deu conta do momento ridículo que havia criado para si. Enxugou os olhos, levantou do sofá e tentou controlar sua respiração a fim de recuperar a calma por completo. Não queria se deixar abater por uma menina que mal havia saído das fraldas. Tinha que ser maduro e botar em sua cabeça que quem saiu perdendo foi a tal da Bruna. Ela provavelmente estaria em casa, trancafiada em algum quarto e se lamentando por não poder sair. Mas ele não. Ele poderia arranjar alguém em qualquer momento e em qualquer lugar. E só em pensar nessa possibilidade, Beto, decidiu bota-la em prática, já que estava arrumado como um deus, sua casa estava impecavelmente lustrosa e bem decorada e havia feito uma comida mais que especial. Sem nem muito pensar foi pegando a chave do seu conversível e abrindo a porta carregando em si a vontade de desesperadora de ver gente, de conhecer novas pessoas. Mas não pode sair logo de imediato, pois notou que sua televisão permanecia ligada no mesmo canal a um bom tempo, por isso voltou para desliga-la. Foi aos pouco se aproximando do seu aparelho televisor, e seus olhos em um movimento involuntário se direcionaram para a tela, onde uma linda menina de olhos azuis, corpo cheio de curvas e um sorriso mais do que encantador gritava de um modo exagerado e segurava um bobo cartaz enfeitado de lantejoila rosa escrito: I LOVE JUSTIN BIEBER. Beto ficou imóvel, sem consegui exprimir nenhuma reação. Seus olhos novamente voltaram a se umedecer dando mais uma vez vida a uma profunda do dor. Sentia-se atingindo por uma grande pedra, que esmiuçou por completo todo o seu ser. Pois aquela linda criatura que agora ocupava a tela de LCD da moderna Samsung era ninguém mais que Bruna, sua jovem e fanática amada.