De amores e reatores nucleares

Eu tinha dezessete anos e era meio tapado, mas quando se tem essa idade a idiotice é até meio bonita... eu via as manifestações, os abaixo-assinados, os cartazes, aquelas pessoas vindas do Brasil todo e até de fora dele só para protestar e não entendia. Me orgulhava da usina. Na minha cidade, a usina. A usina e seus reatores, a usina e seu urânio enriquecido.

Foi nessa época que conheci Aline. Eu estava de férias e passava as tardes na praia, observando a usina construída na Ilha Vermelha, agora Ilha da Usina, imaginava-a em funcionamento. Aline, sentada quase ao meu lado, fazia o mesmo.

Foi tudo muito doce, nos aproximamos calmamente, delicadamente. Nos beijamos com carinho e cuidado, timidamente olhamos nos olhos um do outro. Porque ainda não sabíamos fingir, e quando olhávamos nos olhos o fazíamos sinceramente, profundamente.

Aline me escrevia cartas de amor. Eu, como não tinha habilidade com palavras, lhe dava flores. Até tentei escrever algo quando recebi a primeira carta, mas após passar duas horas encarando a folha em branco resolvi comprar um vaso de gérberas, aquelas flores coloridas. Ela sorriu. Nos abraçamos. Como era fácil ser feliz naqueles tempos... uma carta, um vaso de flores... desculpe se estou sendo chato, é que continuo não tendo habilidade com as palavras.

Não vou ficar descrevendo meu namoro com Aline porque vocês se entediariam. Não que fosse chato, muito pelo contrário. É que era tudo muito simples... tomávamos sorvete na praia, falávamos pouco. Ainda não precisávamos de jantares em restaurante francês, de longas conversas sobre artes, política, literatura, economia... ainda não precisávamos de ostentações e verborragia para mostrar um ao outro que éramos especiais.

Nós sabíamos porque não sabíamos nada. Estávamos começando a conhecer o mundo e o aceitávamos de braços abertos. Não nos preocupávamos em entender o sentido das coisas, elas nos pareciam tão bonitas que bastavam em si mesmas. Sentido a gente procura só quando se está velho e triste.

Foi na noite de inauguração, me lembro nitidamente, foi tudo tão rápido... Estávamos todos na praia: todos os moradores da cidade, os manifestantes, os repórteres e suas câmeras... A prefeitura havia espalhado mil lâmpadas na orla, elas seriam acendidas pela usina, que começaria a funcionar dentro de minutos. Eu e Aline estávamos sentados na areia, no mesmo local onde nos conhecemos. Olhávamos para a ilha de mãos dadas, silenciosos. Os manifestantes gritavam slogans contra a energia nuclear, o carro de som da prefeitura tocava uma musiquinha sobre progresso e tecnologia, os repórteres tentavam fazer suas matérias no meio da barulheira, e então o prefeito, com um alto-falante, iniciou a contagem regressiva.

10, 9, 8...

_ Eanoteamouãmsi

_Ahn?

7, 6...

_ Etãuoanmoemsia

_ Fala mais alto, Liny, não tô conseguindo entender nada!

5, 4...

_ EU NÃO TE AMO MAIS !

3, 2, 1 !

Nenhuma lâmpada se acendeu.

Senti a dor dos dentes rasgando a gengiva novamente, a dor dos ossos crescendo... foi nessa noite, lembro nitidamente, apesar da escuridão. Foi tudo tão rápido.

Dawn
Enviado por Dawn em 09/08/2005
Código do texto: T41523