Anton - O menino que não queria ser um bruxo
_Não, papai! Já disse que não quero ir!
_Mas...como não! Você é um de nós! Você tem que ir!
O som dos gritos na casa dos Slannov era o único passível de ser ouvido àquela altura da madrugada, na rua Borka da pequena Brestovec, ao sul da Eslováquia.
Anton era o filho caçula de uma família de bruxos eslovacos, mas nunca se conformara com isto. Para ele, a ciência era muito mais atrativa que a magia. Ele queria entender o significado das coisas, algo que a magia não podia lhe dar. Mas a ciência sim. Desde que transformara uma coleguinha em uma lagartixa, em plena praça da cidade, aos 4 anos de idade, compreendera que não era aquilo que queria para sua vida. Por sorte, sua mãe estava perto e de pronto desfizera o feitiço, de modo que somente a mãe da garotinha visse a cena. A coitada foi considerada louca até o fim de seus dias! Felizmente, para Anton e sua família, pois seriam queimados vivos, acaso descobrissem a verdade . Era assim que se tratavam os bruxos naquela época. Bem, mas voltemos aos gritos.
Anton tinha acabado de completar 16 anos. Como todos os garotos de sua idade, teria de escolher uma profissão e seguir para os estudos na grande cidade. Mas, como ele era um bruxo, seu destino seria a Escola Superior para Bruxos de Viena. Mas ele não queria ir.
_Já disse, papai! Quero fazer medicina! Será que não entende?
_Mas, Ann...você sabe que não é possível! Você é um Slannov, da 14º geração de bruxos da Eslováquia! Não pode quebrar esta cadeia!
_Posso, sim! Meus irmãos já estão continuando a tradição. Não há risco de a cadeia ser quebrada. Então...eu posso escolher. E minha escolha já foi feita: EU NÃO QUERO SER UM BRUXO!
Anton começou a se interessar por medicina desde que lera o “Cânon da Medicina”, de Avicena, que tratava de anatomia animal. Conseguira o livro através de seu amigo Phelps, filho do único cirurgião da aldeia. Ficou apaixonado por tudo aquilo. Fazia sua mente funcionar. Tanto que, aos 12 anos, tratou e recuperou um pássaro atingido na perna por crianças da vizinhança, utilizando-se das técnicas do livro.
_Veja, mamãe! Ele já pode andar!-disse ele jubiloso a sua mãe, logo após remover as ataduras do pássaro.
_Muito bem, meu filho! Você é muito bom!-respondeu a mãe, orgulhosa.
_E só foram 20 dias de tratamento!-Anton não se continha de orgulho.
_Não seria mais fácil dizer duas palavrinhas?-provocou o pai.
_Sim papai. Mas não seria a mesma coisa...
Para Anton, as demoras e os métodos da medicina eram muito mais prazerosos que a facilidade e a instantaneidade da magia. Durante muito tempo, ele teve dúvidas. Deveria mesmo abandonar a tradição da família? Conseguiria ser um simples mortal? Mas, depois do que ocorreria naquela tarde, ele já não duvidaria mais. Eis o fato que o fez crer realmente que não poderia ser um bruxo:
Anton estava saindo da escola quando fora atingido no queixo por um soco. Despencou com a boca jorrando sangue e, ainda tonto, não pode ver quando fora atingido novamente por um chute na barriga.
O agressor era Marrok, filho do Conde Stravieich, inconformado com o que vira momentos antes. Ele era apaixonado por Alanna, a menina mais bela do povoado, que sempre o desprezara, apesar de sua riqueza. (Alana e Anton cresceram juntos. Sempre foram amigos, mas com a puberdade chegando para os dois, também vieram os desejos. O primeiro beijo acontecera naquela tarde, sob o olhar furioso de Marrok. Vê-la beijando um ser de casta inferior fora demais pra ele).
Naquele momento, Anton estava quase inconsciente e arrastava-se pelo chão arenoso. Uma lama rubra cobria seu rosto. Dominado pelo ódio, seus olhos começaram a se inflamar, como que fossem duas chamas. Um urro horrível saiu de sua garganta enquanto se erguia. Já de pé, segurando uma espécie de bola de fogo com a mão direita, mirou Marrok. O pavor tomou conta de todos que correram desatinados. Exceto Marrok, que parecia estar hipnotizado. Quando estava prestes a arremessar a esfera incandescente e varrer seu agressor definitivamente do planeta, uma voz o deteve:
_Não Anton, você não é assim!
Era Alanna. Ao vê-lo transtornado daquele jeito, sentiu que deveria fazer algo. E conseguiu. Anton lembrou-se de tudo que vivera até aquele momento, de quantas vezes se recusara a usar a magia e o quanto isso o fazia feliz. Não seria agora, por causa de um fidalgo mimado, que iria por tudo a perder. Imediatamente, seus olhos voltaram ao normal e o globo esbraseante desapareceu. Marrok permanecia imóvel e boquiaberto. Num só movimento, Anton o acertou com um cruzado de direita. Ele desabou, esparramando a poeira do chão. Anton estava radiante e decidido. Não seria mais um bruxo. Tornaria-se um médico. Daria a notícia a seus pais naquela noite.
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