AGENOR E CREMILDA - FINAL

Antes de encerrar este singelo conto, gostaria de lembrar àquelas amigas que se entristeceram com a vida de Cremilda em sofrimento no horripilante orco por onde passou e julgando que Agenor estivesse no bem-bom, com outras mulheres, esquecendo da família. Agenor não teve boa vida como se pensa. Coloquem-se no lugar dele, tendo três filhos sem prática e forças para o trabalho, esposa e uma fazendola para cuidar, arcando com o sustento de toda a família que ele amava tanto. Como ele se sacrificou na labuta da roça! Quantas madrugadas ele acordou chorando de dores e cansaço e nunca faltou ao trabalho e nunca falou nada a ninguém de seu sofrimento, indo gemendo para o sacrifício da enxada. Trabalhou demais, maltratou-se sem reclamar, resignou-se a todas as dificuldades até conceber a idéia e executar as viagens uma vez por ano, como se fosse um retoque moral e físico. Não vamos sacrificar mais ao pobre Agenor quando sabemos que tantos outros mais fortes e saudáveis entregam-se aos vícios, aos crimes e chegam a envergonhar a raça humana.

Outro fato que ainda gera controvérsia e causa intriga nas amigas é o fato de Cremilda, trabalhadeira, cumprindo com seus deveres do lar, e indo buscar lenhas para o fogão de taipa, e suportando um marido dado a passeios anuais por longes terras, sem reclamar da vida,sem nunca aceitar o seu convite para acompanhá-la,

mesmo assim tendo que passar longos e penosos anos no suplício infernal, na escuridão, entre répteis peçonhentos... espera-se uma justiça mais equânime para a pobre mulher.

Autorizado pelos personagens em epígrafe, vou revelar o segredo:

Cremilda, na juventude, amava demais Agenor, mas seus pais a proibiram de casar-se com ele. Desmanchou-se o noivado. Agenor, desgostoso e envergonhado mudou-se para longes terras. Cremilda, com o “coração em pedaços”, aceitou a companhia de um crápula das redondezas. Engravidou-se. Com todo prazer e alegria participou aos pais. Os velhos se revoltaram e bateram em Cremilda que ria em vez de chorar. Obrigaram-na a casar-se com o crápula para não envergonhar a família com o nascimento do filho.

Vocês estão entendendo o porquê da alegria de Cremilda?

Pois é. Um dia ela adoeceu, chamado o médico, ela abortou. Havia matado a criança ainda no ventre. Tudo ficou em segredo absoluto. Um dia Agenor retorna ao Bracaiá. Cremilda lhe contou tudo e disse que premeditou tudo direitinho para fazer. Disse que foi horrível, mas foi a única maneira depois de sua própria morte. Agenor, muito cavalheiro, chamou aos pais dela e disse:

—Se não me deixarem casar com a Cremilda eu espalho tudo, arraso vocês todos.

Os sogros, morrendo de medo de um escândalo consentiram no casamento. Mas... Cremilda, perante os Céus teria que pagar uma vida que ela proibira de nascer, mesmo que à vontade de Deus fosse ferida. Foi um crime contra um inocente, contra a família e contra o Criador.

Agora já não há mais segredo nem injustiças quanto ao sofrimento de Cremilda. Como vêem, eu não sou aquele machista a que me condenaram, não. Sou um ferrenho guardador de segredos e tenho provado isso.

Dado ao esclarecimento dos fatos, tendo limpado minha confiança, vamos então, deixar que os dois espíritos felizes de Cremilda e Agenor continuem sossegados na felicidade eterna, trabalhando bastante para fazer mais espíritos felizes, inclusive os nossos.

F I M

Salé,14/03/07, à 18h20min Lucas

Lucan
Enviado por Lucan em 16/03/2007
Código do texto: T414668