PAVOR NA ESCURIDÃO
Por: josafá bonfim
Quando a morte da velha Jordina completou uma semana, seus familiares foram à visita de sétimo dia no lugar do seu sepulcro, edificado no cemitério do Bom Jesus. Em vida, a velha era viúva há muitos anos e vovó daquelas cri-cri, disciplinadora, implicava com tudo e com todos. Ficava furiosa quando a turma da rua ia bater uma bolinha no largo defronte sua casa. Na janela aparecia sempre com aquela cara ranzinza de poucos amigos, a reclamar da algazarra promovida pela meninada, implicando com a bola que vez em quando caia no seu quintal. Não deixava os dois bisnetos juntarem-se a turma. E quando dava por falta deles, que costumavam prosear com os colegas, bradava de lá com suas reprimendas e ameaças de castigo.
Vez e outra ouvia-se o ralho, as broncas, seguidas de choro lá pras alcovas da morada, provocado pelo cinto ensebado de couro cru, instrumento disciplinador da prole. Não demonstrava ter amigas e era muito difícil vê-la dialogando com alguém.
De certa forma que, o passamento da velha serviu de alivio até para a meninada do recreio da escola, que não tiveram mais com que se preocupar, nos momentos de recreação, após o horário escolar, nas algazarras no largo da praça velha.
Ali próximo morava o adolescente Valdeco, um “protótipo” mais do capeta que de gente, que não perdia uma oportunidade para por em prática suas traquinagens. Observando que no velho casarão da falecida Jordina, só se encontravam duas de suas netas com mais uma amiga, que retornaram mais cedo da visita ao cemitério a fim de providenciar o jantar da família e convidados, que ocorreria mais tarde; começa então a planejar mais uma das suas astucias. Os familiares enlutados atrasaram em face uma visita feita à casa de uma amiga, que se encontrava convalescendo de um derrame cerebral. Enquanto isso as moçoilas conversavam animadamente na cozinha cuidando dos preparativos.
O “filho do Futi”, como tratavam Valdeco, cria de um guarda municipal com uma lavadeira, aproveita a queda de energia que faltara naqueles instantes, e planejando pregar um susto nas meninas, queima um palito de fósforo até parte deste virar brasa, e numa artimanha própria, coloca o tição aceso preso entre seus dentes incisivos, e entra casa a dentro na completa escuridão, para assombrar as distraídas moças.
As dependências da casa às escuras tornara-se um breu. Não se enxergava absolutamente nada. O fantasma de araque segue casa adentro, soprando com o hálito, o palito incandescente, e ao deixar o corredor para tomar um acesso para a cozinha, depara-se de súbito, com o que não esperava: uma criatura estranha com o rosto candente em brasas sorrindo a sua frente. O susto foi imenso, chegando a fazê-lo engolir o palito aceso, descendo queimando língua e garganta.
As meninas, colhidas de surpresa, apavoradas vendo aquela arrumação imaginaram ser a alma da velha, que estava a fazer visita em sua morada terrena e começaram a gritar por ajuda, se atrapalhando entre os utensílios e objetos da cozinha. O moleque, de assombroso passou a assombrado em fração de segundos. Partiu estabanado procurando a saída da casa, peitando de frente com bauru, o velho e sonolento cão que em alerta parte pra cima do intruso, mas nas trevas, os dois perdem noção de espaço e localização. Desorientado, o vadio enfim se equilibra e alcança a saída da rua, mas antes de botar o pé na calçada topa no batente e vai ao chão, de vez.
Antes de conseguir se recompor, percebe que duas mãos fortes o levanta do chão. Imaginando que o bicho o tivesse pego, solta um grito de pavor.
La fora na rua tomada pelo escuridão, algumas pessoas que passavam sentiram-se atraídas por aquela cena extranha e correram para se certificar do que estava ocorrendo na velha casa.
Com o coração quase saindo pela boca, o garoto travesso era sacudido para reanimar-se, pelas mãos que o levantara do chão: era seu Ernesto um conhecido morador do bairro, que tentava saber o que estava ocorrendo e o motivo daquela queda brusca, repentina. Agora, recuperado do susto, Valdeco percebe que estava diante de uma pessoa amiga e não de um fantasma que o afugentou logo que deu-se a queda. Sobre o tombo, disse aos curiosos presentes, que a topada ocorrera no sentido inverso, ou seja, se deu ao ouvir o alvoroço das meninas aflitas quando transitava na rua, e tentou rapidamente chegar ao interior da casa para saber o que estava ocorrendo.
Restabelecida a luz, Vadeco pôde enxergar a cabeça do dedão do pé esfolada, a gotejar sangue, fazendo-o novamente lembrar aquele rosto ruborizado visto minutos antes. Mas tivera que guardar só para si em silencio. Sob pena de revelar a autoria da confusão que acabara de causar na cozinha alheia, quando várias pratarias foram quebradas e parte do jantar arruinado.
Pasmem:
Todo aquele imbróglio ocorrera a partir do momento em que Valdeco errara o acesso para a cozinha, entrando na porta de um quarto, onde tinha um grande espelho vertical. Neste, mirou sua imagem, e não conseguiu identificá-la como sendo a própria, por conta da escuridão, onde só era possível vislumbrar os contornos incandescentes provocados pela chama a partir da brasa do palito de fósforo.