A Esposa de um Guerreiro
O barco se distanciava cada vez mais rápido à medida que se afastava da praia. Helena queria chorar ao ver seu marido partindo, de novo, para alguma aldeia distante que ela nunca ouvira falar. Isso ela escondia bem, mas seus filhos deixavam rolar algumas lágrimas. Lembro-me quando era eu que estava naquele barco e Helena segurando a saia da sua mãe tentando não chorar. “A mulher de um guerreiro deve se lamentar em silêncio, seja sua ida para longe ou até sua morte” dizia minha mulher a ela. Era um ensinamento tolo transmitido de mãe para filha, mas acho que era para o bem da vila. Para ela se manter estável. Se a cada partida de pilhagem as mulheres se despontassem a chorar, a vila iria ficar insegura e facilmente definharia. O mesmo se daria para a morte dos homens, eu acho. O barco sumiu no horizonte, Helena e meus netos voltarão para casa, também devo eu.
“A mulher de um guerreiro ensina a seus filhos a honra e a glória no combate e na guerra” a voz de minha mulher ecoa na minha cabeça enquanto observo Helena brigando com Kleber, meu neto, por atacar seu irmão no chão durante o treino com espadas. “Helena, deixe isso comigo, vá preparar o nosso almoço, está bem?” disse a ela acalmando meus discípulos. “Está bem papai” disse enquanto se virava em direção a casa. Tentei reprimir Kleber por sua ação desonrosa, mas a mãe dele já tinha feito o bastante. E continuei com minhas lições.
“Ashura, Kleber, papai! O almoço está pronto!” gritava minha filha de dentro da casa. Encerrei o treino e os meninos saíram correndo para casa. Kleber, nomeado em homenagem ao seu avô paterno, tinha treze anos e Ashura tinha doze. Engraçado, quando se é velho, você se acostuma a perder-se em suas memórias. Ashura! Em uma pequena aldeia ao leste daqui, bem distante, encontrei um excelente guerreiro que a defendia. Era meio franzino, mas era bastante veloz com aquela espada curva, extremamente afiada. Ele teve azar, pois meu machado a despedaçou, mas isso me custou um olho... Aprendi ali que a velocidade é tão importante em uma batalha quanto à força e uma arma em boas condições. Foi por causa dele que nomeei Ashura de Ashura. “Papai! O senhor vem?” acordou-me Helena puxando meu braço. Como era bom perder-me em minhas memórias e como queria poder voltar a lutar! Mas contentava-me ensinar minhas habilidades aos meus netos.
Quatro semanas se passaram desde que o barco se perdera no horizonte. Agora o víamos retornando. “A mulher de um guerreiro não deve se demonstrar ansiosa ao retorno de seu marido” acredito que era isso que minha mulher falava para Helena. Lembro-me quando era eu que desembarcara e subia a íngreme encosta da praia para abraçá-la. Muitas mulheres desciam correndo atrás de seus homens, o que ela severamente reprovava. Hoje todas foram bem educadas, eu acho. Sei que essas regras eram para o bem da vila, mas eram angustiantes demais. Meu genro ainda não desembarcou. O que o detém? Helena já tinha algumas lágrimas nos olhos, mas sua expressão não mudara. Ela fora excelentemente educada, senti pena dela, até eu, homem, estava quase chorando. Um guerreiro, colega de meu genro, veio me dar à má noticia. Uma profunda tristeza me abateu. Quando dei a noticia à minha família, Kleber tentou conter o choro, Ashura chorava em silêncio e Helena não mudou sua expressão. Foi lentamente andando até nossa casa. “A mulher de um guerreiro deve se lamentar em silêncio, seja sua ida para longe ou até sua morte” ouvi minha mulher de repente. Minha filha estava dentro de casa quando seus filhos quiseram ir com ela, mas os detive. Eles não podiam vê-la chorando no escuro do quarto. Assim como não puderam me ver chorando a morte da minha esposa.
Naquela noite todos os homens vão beber em homenagem a um amigo, vão chorar, vão rir de uma história ou outra sobre ele e vão beber ainda mais para esquecer que choraram. Meus netos estarão lá conosco e de manhã Helena nos acordará de nossa ressaca.