O Pesadelo.
Esperei que a baça névoa da noite se desvanecesse, eu e minha solidão chorosa. Via-me no escuro amargo da escuridão impenetrável onde perdi meus olhos e achei um grande medo. Era-me intransponível a poeira negra desluarada que me fazia vergar diante do obscuro procurado. Era meu medo a maior barreira íngreme e inultrapassável que via escondida onde a luz não se acordava.
A cambraia vestida estava amassada e suja. Minha arrogância permanecia sentada à beira da janela fechada e meu sono fugira para os alpendres da memória onde buscava os fatos retorcidos dentro de minha alma. Meus ombros seguravam o peso da culpa dolorosa.
Chorava copiosamente. Sabia-o pelas lágrimas frias que desciam entre os pelos do peito, vagarosas e abundantes. Diziam tudo, embora só para mim e para o ventre da noite triste e indesejosa, custosa de ir-se.
Não queria ajoelhar-me diante do sofrimento. A poltrona segurava meu corpo vestido de babélicos gestos. Meus ouvidos que dissessem. Minha face acarrancada ninguém via. Ao menos com isso a escuridão me presenteava.
Quase duas da madrugada e ouço o trinco da porta do quarto ranger. Um passo trêmulo de alguém bate contra a madeira!
_ Quem é?
Ainda hoje aguardo a resposta. A cortina balançou, senti-a bater no meu braço direito. Um frio deplorativo ajuntou-se ao meu corpo apavorado. Da escuridão chegava-me aos ouvidos apenas a voz fugida de mim, talvez por um tolo lobo selvagem que passeasse às veredas campesinas do frio escuro da noite pavorosa lá fora do quarto.
Momentos castigadores saíam do meu pranto silencioso. A dor e eu paramos diante do silêncio afrontador daquela madrugada.
_ Ai..., que susto!
Mas era apenas o chilreio da coruja parda que cantava agudamente ao cruzar o telhado do chalé da Rua das Árvores.
Melhorável para mim só se a luz do sol chegasse alegre a trazer a sinfonia dos pássaros madrugadores. O sol nunca me chegava paroxisticamente. Vinha cauteloso e frio acordar uma barra rubra no horizonte do céu. Custou-me refocilar naquela madrugada, cômplice, talvez, do meu pavor salvado pela escuridão. Ninguém também o via.
Sei que adormeci entre os maus presságios. Quando vim saber que tudo era apenas um sonho, a madrugada já havia ido, os pássaros já tinham dormido outra vez e o sol já se despedia de mais um dia, quem sabe cansado por tanto esperar-me inutilmente.
Nunca mais assisti a qualquer velório. Quando passo à frente de uma casa funerária, viro o rosto para não enxergar outras madrugadas como aquela que vivi no pesadelo. Uma longa madrugada amedrontadora.
_Você acordou-se agora, Fenelon?
_Que jeito? Uma madrugada de terror me abriu os olhos por toda a noite e eu não pude dormir.
- Meu Deus, quanta mentira! Você roncou durante a noite toda. Ouvi você falar “Quem é?” Esperneou, chutou-me, esbofetou o travesseiro. Fui trabalhar e você ficou roncando.
_Ah!..., então a zoada do trinco...
_Que trinco?
_Deixa pra lá. Vivi um grande pesadelo sem sol. Pensei que meus olhos não tivessem fechados à noite toda. Como a gente se engana. Tão tênue que é o espaço entre o sono e a vigília! Foi um pesadelo que vivi. Que horror!