O conto da ponte do Galo

Há sete horas do natal, o comércio estava lotado, pessoas ocupavam todos os cantos, que para caminhar, nem precisava andar, era só se deixar levar. E nesse imenso mar de interesses variados, que açambarcava as pessoas que compravam, empresários que lucravam e vendedoras que só faltavam enlouquecer, alguns ficavam só observando para tirar melhor proveito. E quando menos se esperava alguns dos clientes gritava de susto. Era um assalto, lá se foram as compras.

Jô estava limpando a casa pensando na ceia e na missa do galo, quando deparou com o seu gato de estimação deitado à porta da cozinha. Sem pensar duas vezes disse: - Maradona levanta dai seu gato preguiçoso. E encostou a vassoura no bichano, que sequer mexeu-se do lugar. Já enfezada, estressada pelo cansaço, ousou bater com um pouco mais de foça no gato, mas ele não reagiu e continuou imóvel como a cultuar uma boa preguiça. Ela insistiu e ele permaneceu inerte. Admitindo algo estranho, de perto ela tocou-o com as mãos e sentiu que aquele bichano “batera as botas”. Em lágrimas, tomou-lhe de conta um súbito desespero, que impossibilitava de fazer algo. O que ela sabia era só chorar, chorar copiosamente.

O tempo foi avançando, que quando olhou no relógio viu que algo deveria ser feito pois se não tomasse uma atitude logo, poderia perder a missa. Dessa forma, resolveu deixar o gato onde estava e subiu. Quando desceu, já pronta, sem ninguém para ajudar e sem quintal para enterrar, o jeito foi envolvê-lo numa sacola de supermercado para jogá-lo ao passar num contêiner de lixo, que ficava as proximidades da ponte do Galo, já que o lixeiro só iria passar sabe-se lá quando, com tanta festividade.

Sob uma chuvinha fina saiu de casa e encontrou a dona Graça, que também ia à missa. Conversa vai, conversa vem e dona Graça perguntou o conteúdo da sacola. Ao saber do caso, começaram a falar e a rir das peripécias do finado. Nesse interim chega a dona Raimundinha com a sua bolsa e uma sacola com presente. Mormente juntas parafrasearam a situação do natal, falaram da morte do Maradona e quando iam tecer comentários sobre a ceia, de súbito, foram abordadas por um elemento não identificado, que de arma em punho foi dizendo: - Não gritem e passem as sacolas para cá.

De tão nervosas, que ficaram estáticas e nada conseguiram falar. Num choque de vento com a rede elétrica que tudo ficou momentaneamente no escuro os carros que passavam na ponte eram a única fonte de iluminação, que entre um facho e outro, voltava a escuridão.

Se alguém percebeu o assalto, com medo, não quis nem parar para ajudar. O fato que aquele menino de mais ou menos quinze anos, a idade dos filhos das vítimas, estava praticando aquele ato criminoso como gente sem qualquer correção. Assim, com sua insolência típica de adolescente empurrou-as contra o muro da ponte, que fez despertar na senhora jô, entre um facho e outro, a idéia de trocar o conteúdo da sacola de dona Raimundinha por aquela em que o pobre gato descansava em paz e entregar ao rapaz. E mais do que depressa o menor infrator fugiu, deixando aquelas senhoras em choque de risos e dores. Logo depois, outros populares que estavam a espreita vieram acudir e as encaminharam a delegacia mais próxima para registrar a ofensa moral aos direitos de todos.

Lá chegando, naquele prédio mal conservado, sujo e pouco acolhedor elas relataram o ocorrido e após o boletim de ocorrências, que já passara das vinte e duas horas, só se deram conta de terem perdido a missa do galo, quando o escrivão desejou friamente feliz natal.