A Boa Ideia
Teve uma boa idéia. Tratou de pô-la em prática.
A nipônica idéia não consistia de muito trabalho visto que não inventaria nada. Reinventaria, que se julgava mais simples.
Sempre acreditou que trabalho mecânico era coisa melhor realizada por máquinas. Inútil competir. Elas faziam melhor e mais barato. E mais: para quê preocupar-se com rotina? Carregamento de pesos, sobrepesos, contrapesos, repetições estorvas. Ficasse para elas esses aborrecimentos da vida. Já a Idéia não. Era coisa chique. Filosófica. Não tinha dúvidas que os rendimentos viriam maiores, e muito maiores, tivesse antes uma boa idéia, que se trabalhasse bastante.
Aquela manhã ao repimpar-se com a pasta saborosa estatelou olhos e nutriu-se mais que costume. Degustou-a sem demora.
Era uma lata comum como todas: duas chapas arredondadas ligadas a um tubo circular, um cano, formando um conjunto. Um sólido. Tinha ódio a essa palavra porque lembrava as aulas de matemática que quase o levaram à bancarrota nos seus anos escolares. Fazia lembrar a aula sobre sólidos, volumes, áreas das circunferências. Era ruim de cálculos. Mas dessa vez o sólido seria sua salvação na vida.
Achou o recipiente da sua pasta comestível de uma insossatez. Porque não melhorá-la. Agraciá-la. Fazer os viventes esquecerem, ao menos enquanto curtiam o primeiro repasto do dia? Podiam fazê-la mais zen, ou mais politicamente correta, ou ainda mais protestantemente religiosa, quem sabe. Um atleta poderia, só como exemplo, nas primeiras horas, ir sendo inspirado e motivado, sem trabalho. Não fazer esforço era das boas idéias do século. Tinha muito disso na televisão: novelas onde os amores eram sem esforço, comerciais onde se emagrecia através de máquinas ou mezinhas industriais, sem esforço, pedintes de dinheiro para pagar dívidas ou resolver problemas financeiros, ou construir ou reformar casas, tudo ganhado, e claro, sem esforço. Ser motivado sem esforço, somente ao comer, vendo a lata do seu patê, seria boa.
Tinha que bolar a estratégia. Para motivar não podia ser somente uma lata funcional. Havia de ser mais colorida, temática, vestida com cores e estilos que atiçassem o espírito humano. Arrebatasse sorrisos de prazer e satisfação iguais, por exemplo, ao de dona de casa com marido e três filhos preguiçosos, que depois de ter a casa toda bagunçada e revirada, saísse pra passear e voltasse encontrasse tudo arrumadinho e fosse isso sorte do destino ou providência divina, perfeitamente natural.
Investiria tempo e dinheiro. Tempo não tinha de sobra mas para ficar rico conseguiria multiplicar algum mesmo odiando matemática. Dinheiro já era mais complicado entretanto laborou arduamente em busca de jurólatras, a fina gente viciada em juros ou simplesmente investidores.
Não demorou organizou grande time, não para jogar futebol ou basquete. Para questões enormes as soluções deviam ser igualmente grandes. Organizou os mais especiais especialistas com os mais variados diplomas das mais variadas instituições do mundo. Desde engenheiros, para refinar a estrutura da lata, á psicólogos catedráticos em comportamento humano para convencer cientificamente por a mais b que desde tempos imemoriais o macaco sem pêlos progredira mais e melhor do momento que inspirou-se e motivou-se, mesmo sem o querer ou saber.
Para ter idéia, haviam o Manager Cincunferista, especialista em cincunferências, o Manager Colorista, especialista que não só usava e combinada bem as cores como criava novas e únicas quando ninguém imaginava que um novo azul poderia ser criado do Azul e nem um novo vermelho pudesse ser criado do Vermelho, constituindo também grande reflexão. Tinha também o Manager Tubista, especialista no tubo que por ventura viria a ser o corpo da lata propriamente dita. E eram tantos managers (e não gerentes) que ninguém jamais pôde supor que para um objeto tão simples concorresse o trabalho de tão sábias figuras. Por fim a Manager Psicóloga, que fazia parte de uma comissão de Managers Marqueteiros idearam uma sugestiva maneira de introduzir nos lares a mais impressionante idéia de lata do planeta.
Todos queriam ter a sua. E tiveram. Vendeu-se muitas. Milhares e bilhares. Não só para conter patês, seu conceito utilizou-se para fazer carros, roupas, móveis, aparelhos eletrodomésticos, sem que ninguém antes imaginasse que lata pudesse inspirar fabricação de vestido. Mudou-se a sociedade e o século a partir de então.
O homem da Grande Idéia ficou rico, os investidores ficaram ricos, os managers e especialistas ficaram ricos, os artistas e políticos que apoiaram à sua maneira ficaram ricos. Todos os outros que não ficaram ricos ao menos se divertem com os sortilégios do aparelho acústico que faz as pessoas serem donas de uma coisa sem a possuírem de fato.
A vantagem de ser dono de uma coisa sem realmente sê-lo não sei. Nem todos os especialistas citados nesta história sabem. Sequer quem a lê duvido que saiba. Está aí o campo aberto para outra nova Grande Idéia.