Conspiração No Sul
Nunca pensei que fosse acontecer comigo. Tanta fidelidade a um só homem e do nada ele me abandona por outra que segundo amigos e conhecidos não chega aos meus pés. Os familiares, todos inconformados, ainda não a conhecem portanto, talvez seja verdade que ela seja mesmo uma vadia de primeira. Uma biscate de quinta. Quer saber? Ela é uma tremenda FDP. E ele mais ainda. Se merecem!
Preciso desabafar urgentemente mas não quero ser importuna nem tão pouco desesperada. Preciso muito de um ombro amigo agora mas, os dias passam, viram meses e o confidente que tanto necessito não aparece ... nem alguém que possa deletar este sentimento devastador que me suga e consome minhas forças.
Resolvo viajar pra longe, outro estado ... vou pro Sul buscar refúgio do calorão do verão mas, chegando ao meu destino sinto na pele que está tão quente aqui do que em qualquer outro canto do Brasil. Clima maluco de hoje em dia ... infernal! Vim parar no fim do mundo, numa cidade praiana pequena que ressuscita a cada verão com a chegada do grande número de veranistas que aproveita a praia assim como também movimenta o comércio local.
Me hospedo numa pousada simplória, pouco charmosa mas fica perto de tudo e apenas uma boa caminhada de uns vinte minutos entre o meu novo endereço e a praia. Um vento gostoso ajuda a refrescar a manhã e assim crio coragem após tomar o meu café e beliscar um pedaço de bolo de fubá para ir até à praia a pé. Pelo caminho vou apreciando os detalhes das casas, do comércio e do povo. Muita descontração por estarmos no verão. O povo despojado e jovem segue em direção à praia de moto ou nos carros e alguns vão à pé como eu. Poucos carros tunados mas já fazem logo cedo anúncio que querem tchum, e também matar o papai ... Não importam com os ouvidos alheios mas sim com suas vontades de fazer o verão bombar e dar muitas pegadas.
Praia, pouco sol e chuvisco ... fico quase duas horas na esperança do sol sair quando resolvo voltar à pousada. O tempo não parece querer melhorar, nem o meu humor que ficou indiferente a tudo, a todos.
Chego na pousada e percebo que a recepção está cheia com um grupo de turistas argentinos fazendo o check-in portanto nem me atrevo a pedir informações, pelo menos não agora. Não estou em Roma mas, tenho boca, assim vou descobrir onde posso degustar algo típico da região.
Todo mundo acompanhado, ou andando em bando e com aquela pressa toda em chegar em algum lugar. Logo percebo um mercado que parece um formigueiro de tão cheio. Aproximo e observo por uns dois ou três minutos. O estabelecimento está cheio demais, talvez seria melhor voltar quando estivesse mais tranquilo. E assim volto a caminhar em rumo à pousada.
Chegando ao meu quarto tomo aquela ducha pra me refrescar. Como pode fazer tanto calor assim no sul meu Deus do céu!? O banho não resolveu o meu drama pois o calor está pior do que antes e acabo me atirando na cama onde pego o controle e fuço no ar condicionado. Depois de uns dez minutos o quarto está mais confortável e resolvo dar uma boa espiada no livro que trouxe na bagagem. Me perco na leitura e as horas passam voando. Fico surpresa ao notar que já são 19:00 e eu nem almocei. Me levanto, dou uma ajeitadinha na minha pessoa e vou em busca de um lugar pra jantar.
Novamente a recepção da pousada cheia, assim resolvo ir à caça de um restaurante ou até uma lanchonete porque meu estomago ronca que nem quica nas vésperas do carnaval. Ando por uns 15 minutos e acabo na porta de um bistrô encantador cujo letreiro diz: Recanto do Mar. Simples, porém um charme. Apenas oito mesinhas cercadas por paredes forradas com fotos de artistas em preto e branco, dando destaque ao Hemingway pescando e algumas replicas de premiações como o Oscar, Golden Globe e Emmy. Um pouco meio escondido vejo uma cristaleira da vovó recheada com bonecos da Hasbro de super heróis e também personagens de clássicos holliwoodiano tipo Al Pacino como Scar Face, James Dean como Jett Rink, Freddy Krueger, Um Lobisomem Americano em Londres, O Coisa, Judy Garland como Dorothy e Shirley Temple caracterizada de Heidi entre alguns outros. O ambiente fica mais agradável ainda com a música eclética. Toca um pouco de tudo mas muito soft, meio assim jazzy e *blue. Fui fisgada pelo ambiente e já me sinto como se estivesse em casa. (*blue = melancólico)
Um jovem pergunta se desejo jantar ou apenas petiscar e respondo que estou esfomeada portanto quero um belo jantar com tudo que tenho direito. Ele olha ao redor e faz cara que na certa vai me decepcionar, "Desculpe mas nem tinha visto que todas as mesas estão ocupadas. Quer aguardar lá no bar? Talvez um drinque por conta da casa enquanto espera?" Como havia me simpatizado com o lugar aceito o convite porque daqui não saio mais, nem ninguém me tira.
Passam-se dezoito minutos e nenhum dos clientes parece querer fechar sua conta. Meu copo é substituído por outro e agradeço a gentileza com um sorriso meio assim, "obrigada mas não vim pra encher a cara não". Enquanto beberico observo as mesas e apenas vejo pessoas muito bem acompanhadas num papo animado exceto por uma mesa cujo único ocupante jantava enquanto lia. Ele havia escolhido uma mesa perto daquela cristaleira da vovó com os bonecos que ficava meio que isolada. Uma segunda olhada denuncia que ele não devorava o jantar mas sim o livro. A curiosidade bate porque os olhos daquele leitor não desgrudam das páginas do livro por nenhum só segundo. O garçom me pergunta assim meio sem graça se ainda pretendo jantar. Respondo que é a minha intenção pois queria degustar alguma especialidade da casa ou da região. Ele responde, "Sinceramente acho que vai cansar à toa por que todos que aqui estão geralmente demoram horas conversando enquanto tomam uma, duas ou até três garrafas de vinho". Faço uma cara de coitadinha e peço por um 'help' já que não quero ter trabalho em buscar um outro restaurante a esta altura do campeonato. O garçom dá aquela olhada e diz, "Me dá um segundo, moça. Já volto". Adorei a moça! Mesmo sabendo que ele queria ser gentil comigo, a senhora de meio século mais um pouco. Vejo o garçom se dirigir ao leitor solitário e ouço ele balbuciar algumas palavras que fazem o ocupante daquela mesa lançar seu olhar em minha direção. Aquele olhar me desconsertou. Fiquei tão sem graça que me virei pra não ter que encará-lo. Nem percebi quando o garçom retornou e disse, "Como lhe disse, ninguém vai sair daqui tão cedo, nem mesmo o meu colega aí que tá solo. Mas, ele disse que pode dividir a mesa contigo, topa?" Do jeito que eu me encontrava esfomeada resolvi aceitar.
O garçom voltou à mesa daquele homem e lhe informou da minha decisão. Ele faz sinal que tudo bem e em segundos sou conduzida até à mesa dele.
O homem ali sentado não é nenhum senhor. Na verdade, bem mais novo do que eu. Uns 12 anos talvez. Chegando bem perto agora diria que uns 15. (Não esqueçam que bebi um pouco enquanto esperava uma mesa vagar, né!) Peço licença e ele apenas acena que sim com a cabeça. O garçom pergunta se eu quero fazer o meu pedido e respondo que nem tenho noção do que a casa tem para oferecer. Recebo o cardápio, agradeço e vou logo comendo com os olhos todos os nomes dos mais variados pratos ali naquele cardápio. Um prato em especial me atrai: Paella à Valenciana. Um prato da cozinha espanhola. Hummmm... Me pego lembrando da "Espanhola" do Flávio Venturini e bate aquela saudade da minha amiga Simone e as noitadas nos shows do 14 Bis em São Paulo nos anos 80. Sem querer, um sorriso maroto transparece no meu rosto e o colega de mesa ri em baixo tom e fala , "Lembrou de algo muito bom suponho. Seu rosto iluminou que nem o sol agorinha". Fiquei perplexa com aquele comentário e a cor do meu rosto avermelhou apenas mostrando o quanto era o meu constrangimento. Mais uma vez ele se dirige a mim só que desta vez ele sussurra bem baixinho, "Tem nada não. Todo mundo tem um momento nostálgico. Aproveite a lembrança". Olho bem nos seus olhos e exibo um sorriso em agradecimento pelo incentivo todo.
Ao pedir a Paella à Valenciana, e um vinho branco para acompanhar, eu começo a cantarolar com a Mallu Magalhães. Adoro a canção, "Velha E Louca", principalmente o trecho, " ... Pode falar qu´eu nem ligo, agora eu sigo o meu nariz. Respiro fundo e canto mesmo que um tanto rouca".
O que seria da minha vida sem a Mallu!? Um tédio!
Enquanto do outro lado, aquele homem retoma seu interesse na sua leitura. Nem mesmo tira os olhos quando toma goles da sua Coca-Cola com gelo e limão. O garçom trás fatias generosas de pão sírio e babaganuch. Logo em seguida abre a garrafa de vinho e me serve uma taça. Antes de abocanhar o aperitivo degusto o vinho e fico fascinada pelo seu sabor. Com toda delicadeza pego a garrafa e leio o rotulo: Vinho Branco Niágra do Frade, Rio Grande do Sul, 2001. Registro na minha memória o nome e a safra. Detalhes que não poderia esquecer depois de degustar esta delícia. Ao colocar a garrafa na mesa esbarro na taça que derrama vinho bem em cima do tesouro do concentrado leitor. Ele não se abala mas fecha a cara e diz, "Eu sabia ... eu sabia que seria uma roubada se eu bancasse o bonzinho esta noite. Eu sabia! Porque eu sou teimoso, hein?" Eu logo vou me desculpando mas a cada desculpa ele parece ficar mais aborrecido comigo. O garçom vem e limpa a bagunça toda dizendo que foi apenas um acidente, nada mais, nada menos, porém o dono do livro diz com todo sarcasmo do mundo, "Foi nada não, imagine. Apenas encharcou o meu livro que acabo de ganhar de presente. Nada demais, nem de menos." Enquanto ele enxuga seu livro eu digo, "Desculpa. Sinto muito pelo estrago. Diga o nome do livro que vou providenciar um novo amanhã mesmo".
Ele apenas mostra a capa e leio: SACO DE OSSOS. Ele retruca dizendo, "Quero ver como vai providenciar uma cópia deste livro aqui pra amanhã. Melhor não prometer por que é feio não cumprir com a promessa feita, sabia?" Eu olho bem nos olhos daquele homem e digo, "Promessa é promessa, e eu sempre cumpro as minhas, só pra lhe informar Senhor ....?" A resposta vem ligeira, "Rodrigo". Eu toda desconsertada prossigo, "Desculpas Senhor Rodrigo. Te juro que não foi por querer. Juro, amanhã mesmo vai ter o seu livro. Juro". Ele dá aquela olhada desconfiada e fala sem rodeios, "Tá... tô pagando pra ver dona ... ?" Respondo tão ligeira quanto ele, "Patricia sem a dona, ok?!" Ele termina de enxugar o seu tesouro com todo cuidado do mundo e joga uma certa praga, "Sabe Patricia, você vai rebolar bonito pra encontrar este livro aqui neste fim de mundo. Você não acha nem um livro do Machado ou do Amado, imagine do King! Você vai sofrer pra achar o SACO DE OSSOS!" E ele botou um sorriso frouxo nos lábios e riu. Olhei bem na cara dele e respondi à altura, "Creio que o problema é meu Senhor Rodrigo. Pode deixar comigo. Amanhã você vai ter uma cópia do seu SACO DE OSSOS. Você verá!"
Ao terminar aquela frase, o jantar chega e eu o convido para compartilhar. Pra minha surpresa ele aceita dizendo que só beliscaria um pouquinho para eu não me sentir constrangida. Ofereci uma taça de vinho e ele indagou com cara de ingênuo, "Você quer me embebedar, não é mesmo? Fazer eu esquecer o ocorrido pra você se safar da promessa", e soltou uma gargalhada deliciosamente alta e sarcástica que eu achei o máximo. Mas procurei disfarçar com a minha cara de séria e falei com a voz bem firme e debochada, "Você parece ser tão frágil, tão sensível que eu realmente passei a querer abusar da sua ingenuidade Senhor Rodrigo". Novamente a gargalhada da ironia em pessoa ecoa naquele ambiente tranquilo. Aquele homem debruça um pouco sobre a mesa e diz quase sussurrando, "Me chama de Rodrigo e te peço pra não brincar com meus sentimentos, tá? Não bebo, não fumo. Sou um cara sério. Tão sério quanto Berlitz. Porém, uma vez ou outra até que gosto de ser abusado por mulheres mais maduras". Nem pensei duas vezes ao me debruçar sobre a mesa e olhar bem no fundo daqueles olhos castanhos e sem hesitar responder, "Ah! Não generaliza Rodrigo! Nem sempre mulher madura abusa do mocinho, sabia?! E cuidado com as maduras...elas são bem mais perigosas que o Triângulo das Bermudas!" Ele deu um sorriso meio sem graça, se encostou na cadeira e perguntou bem sério, "Me diga então, quando vamos nos encontrar pra você entregar o meu livro?" Suas sobrancelhas negras e fartas arquearem, deixando-o extremamente ousado, meio maquiavélico e fui obrigada a pensar um pouco antes de responder. Eu disse assim, "Que tal aqui mesmo? Ás 19:30? Aproveitar a ocasião pra um drinque, petiscar e jogar conversa fora?" Ele concordou com a hora sugerida mas deixou bem claro que era só um encontro para pegar o livro e nada de drinque, nem petisco e muito menos jogar conversa fora. Percebi que ele havia ficado um pouco encabulado e aí resolvi atiçá-lo um pouquito. "Pôxa! Não vai dar esta mulher madura a chance de abusar um pouco do mocinho inocente que existe em você? Afinal, vim de tão longe. Que tal, só uma casquinha?" Eu não esperava pela aquela reação do Rodrigo mas ele se levantou bruscamente, dirigiu-se até o balcão, acertou com o caixa em total silêncio, despediu-se do garçom e saiu pela porta. Nem um tchau pra mim. Nem um aceno. Nem uma palavra ríspida. Nada. E por ironia do destino, "O Melhor Vai Começar" de Guilherme Arantes toca no fundo sutilmente enquanto termino o jantar sozinha e beberico o vinho que restou no meu cálice. Pedi a conta pro garçom e também pra colocar a garrafa de vinho numa sacolinha. Prontificaram uma sacola e perguntei pela conta. Ele respondeu, "Não se preocupe com isso moça, porque o Rodrigo acertou tudo".
Ponderei e não consegui entender aquele gesto do Rodrigo. Pareceu furioso com a brincadeira que eu fizera e mesmo assim pagou o meu jantar?! Vai entender! Eu só queria um cantinho remoto naquela noite calada e mais ainda o restinho do vinho da garrafa que o Rodrigo pagou para afogar as minhas mágoas e quem sabe fazer as pazes com ele num sonho, quem sabe, até censurado. E no fundo ouço a voz gostosa do Guilherme Arantes fluindo em harmonia e romantismo.
Cedinho na manhã seguinte acordei com uma terrível ressaca mas mesmo assim fui à praia. O astro rei radiava majestosamente naquela manhã e eu observava o quanto aquele povo todo se deliciava ao banhar e bailar no sol, como se fosse o último dia de férias. Protegida com filtro solar e um chapéu de palha bem estiloso como o da Scarlett O´Hara, me sento numa cadeira de praia alugada e deixo o sol beijar a minha pele até umas 9:30 porque depois das 10:00 o sol passa a ser nosso inimigo maior. Confesso que não vi ninguém que me atraísse simplesmente pelo fato que cochilei ao ouvir Takai e Summers no meu Smartphone MP20. Graças à TI posso falar com quem eu quiser, de onde eu quiser e além disso posso carregar minhas músicas comigo. Mas ultimamente não desejo falar com ninguém pelo celular, ninguém! Que delícia de tranquilidade! Meu momento Tim Maia ... só sossego! O cochilo prossegue ...
Acordo e sinto que não estou com nenhuma fixação em preencher o vazio que há poucos dias atrás me devorava e me questiono o porque. Penso, repenso e não consigo chegar a uma conclusão então resolvo devolver a cadeira, recolher minhas coisas e voltar pra pousada pra me refrescar com um banho gelado pra espantar o inferno que habita em mim.
No caminho de volta, passo em frente daquele mercado e resolvo entrar. Os corredores parecem estar tranquilos e assim vou aventurando entre eles buscando coisas básicas que preciso, tipo, cotonete, algodão, hidratante, acetona, esmalte ... Ah! Não poderia esquecer do papel de presente e também uma fita para embrulhar o livro do acerto. Resolvo incluir um pacote de granola e damascos na cestinha. É muito bom petiscar coisas gostosinhas assim enquanto estou lendo ou vendo tv. E quando vou pegar um pacotinho de castanhas do Pára, quem é que vejo?! O Rodrigo! Em carne e osso! Ele não me vê porque está super concentrado e atarefado. Parece estar conferindo uma lista na prancheta com as mercadorias nas prateleiras. Enquanto seu olhar fica magnetizado na folha, a caneta dele vai ticando e ele anotando com rapidez alguns dados. Por precaução, não o interrompo. Me dirijo ao caixa e entro na fila que é um pouco longa. Enquanto isso, o "Wake Up Alone", da Amy Winehouse toca no alto falante do mercado e ao ouví-la cantar, presto muita atenção na letra, "He gets fierce in my dreams, seizing my guts. He floats me with dread, soaked to the soul ..." (*Ele é intenso nos meus sonhos, agarra-se as minhas entranhas. Ele me faz flutuar com temor, suada até na alma ...)", sinto meu corpo estremecer enquanto ouço a Amy e observo aquele homem tão focado no seu trabalho. Ele não desvia o olhar entre aquela prancheta e a prateleira nenhuma vez, nem mesmo quando uma mulher vestindo um micro top esbarra nele, quase esfregando os peitos nas suas costas. O cara é sério mesmo! E me questiono o porquê dele ter me assombrado de tal forma na noite passada no meu sonho.
Almocei num restaurante à beira mar onde apreciei a vista daquela praia desnuda de palmeiras e areia escura. As ondas eram daquelas bem grandes e brabas que pareciam ameaçar quem quisesse dominá-las. O vento do sul não era nada frio como imaginava antes de conhecê-lo pessoalmente. Era um sopro morno e forte que fazia a cidade toda ficar abafada. Imaginei como seria aquele cenário em julho com a chegada do inverno. Queria muito me perder naquela vista mas o calor era insuportável e resolvi me recolher.
Já na pousada, resolvo prosseguir com a leitura daquele livro que trouxe comigo. Pena não poder terminá-lo até o fim apesar da estória ser muito, muito boa. O acerto de contas com o Rodrigo às 19:30 não me dava muito tempo, sendo assim teria que me contentar com as páginas que consumiria até lá. Era a única alternativa disponível.
Era apenas um acerto de contas entre dois estranhos, nada mais. Mesmo assim, dei uma caprichada no visual. A minha pele de turista já dava sinal de que o sol havia a beijado com muita inspiração. Precisaria de uns dois meses de sol pra conseguir ter a pele das morenas de Di Cavalcanti. Mas por agora, tava de bom tom pro encontro do acerto. Estava quase saindo pela porta quando me lembrei do motivo do rendevouz: o livro! Voltei e peguei o pacote que embrulhei com todo cuidado e por que não dizer, com todo carinho. Um mimo talvez?
Quase chegando lá no restaurante, vi o Rodrigo na entrada e ele estava com a cara bem invocada. Ao chegar eu dei um oi caloroso e ele simplesmente me encarou e disse, "Tá atrasada, né!" Olhei no meu relógio e vi que eram 19:45, apenas 15 minutinhos.
"Nossa Rodrigo! São apenas 15 minutos pôxa! Não precisa bufar assim". Mas ele não deu trégua. "Olha, se você não é pontual, problema teu, tá. Mas eu tenho meus compromissos e não quero me atrasar. E, só pra sua informação, não sou animal pra bufar!" Apenas abaixo a cabeça sentindo constrangida e vou logo retirando o embrulho da minha bolsa.
"Toma aí seu livro e mais uma vez, desculpa" e o entrego friamente, tão gelada quanto o iceberg que desgraçou o Titanic. Ele olha pro embrulho em minha mão por uns instantes e sem jeito o pega. Me parece que a frieza daquele sujeito derreteu um pouco. O Rodrigo observa o papel de presente e diz, "Conheço este papel aqui! Você comprou no mercado daqui, não foi?!" Respondo com um sim bem seco e baixinho. Ele continua a falar, "É ... Conheço sim porque eu mesmo conferi a entrada dele no estoque. É um dos mais bonitos que temos na loja. É também um dos mais caros." Agora é a minha vez de responder, "O mais bonito com certeza. Não o mais caro por que o mais caro é o da Barbie, e com certeza não pegaria bem eu embrulhar um livro cujo título é 'Saco De Ossos', né? Agora, difícil mesmo foi encontrar o laço certo que combinasse com o papel mas fiquei fuçando até achar este". Ele fitou aquele embrulho e respondeu meio sem graça, "É mesmo. O laço deu um toque todo especial com este papel. Sabe, nem consigo imaginar abri-lo. Tá muito bonito". Mas eu digo a ele sem pensar muito, "Abre logo Rodrigo, sem rodeios. Veja se o livro é este mesmo: 'Saco De Ossos' do Stephen King". Ele hesita por uns segundos e meio assim gracejando me pergunta se poderíamos entrar para tomar um suco ou qualquer coisa e ele abriria o embrulho com mais tranquilidade. Olho bem pra cara dele com desdém e digo, "É apenas um acerto Rodrigo. Sem esta de gentileza. Não vai querer se atrasar para o seu compromisso né? Já lhe fiz perder 15 minutos preciosos. Você parece estar no prejuízo agora". Ele devolveu o mesmo olhar que havia lhe dado e retrucou, "Que mulherzinha mais abusada você Patricia! Querendo me seduzir assim ... e eu muito sem noção, nem percebi!" Do nada ele toma a minha mão na dele e entramos no bistrô juntos. Desta vez com mais sorte por que tinha mesas disponíveis e o Rodrigo foi logo pegando aquela mesma mesa que ele dividiu comigo na noite anterior. Ele puxou uma cadeira pra eu sentar, depois foi pro lado oposto e ajeitou a cadeira pra ele. Nisso, a caixa de som liberta a voz de Elis cantando, "Me Deixas Louca". O destino mais uma vez vem com pura ironia pro meu lado!
Ele colocou o embrulho em cima da mesa e numa voz leve e carinhosa foi logo agradecendo. Apenas respondi bem seco, "Não é um presente Rodrigo. É um acerto de contas entre nós dois. Apenas". E aí o Rodrigo recitou o seguinte, "Desculpe. Eu não percebi o tamanho da sua gentileza, o tamanho da importância que você deu pra este acerto de contas Patricia. Mas vejo agora que você quis me agradar, me surpreender.... e você conseguiu. Como você arranjou uma cópia do livro? Me diga mulher!!? Eu mesmo procurei pelo livro e não achei aqui na cidade mas você!? Como? Me diga!"
Enquanto o Rodrigo abria o seu embrulho, expliquei como aquela cópia foi parar nas minhas mãos. "Antes de pegar o ônibus pra cá, passei numa livraria pra comprar algo pra ler. Tinha uma exposição do King e depois de revirar entre a obra toda exposta e ler a orelha de uns quatro, cismei com o SACO DE OSSOS. Foi isto, apenas isto. Acabei trazendo o livro comigo e foi uma tremenda coincidência. Quando você mostrou o título do livro, sabia que poderia tranquilamente resolver a situação toda. Apenas tive sorte e você o azar de ter oferecido um lugar à sua mesa." O Rodrigo me olhou nos olhos e confessou que havia me visto no mercado. Viu como fui à caça ao papel de presente e como revirei a cesta com os laços. Ainda me contou que a repositora ficou muito brava quando viu a bagunça que fiz. Ele falou que achou muito fofo o meu empenho em achar o papel e laço perfeitos. Ele sorriu e sussurrou, "Não só você teve sorte naquela noite Patricia. Eu também tive e muitaaaaa!" Não consegui me conter e meu bico virou um sorriso largo. Dei uma risadinha e disse, "Pois é ... que exagero da minha parte né!? Nem te conheço direito oras!" Aí ele me perguntou meio curiosamente, "Você acha mesmo que foi sorte?" Aí eu indaguei com todo sarcasmo dentro de mim, "Ué, não vai me dizer que o moço acredita na conspiração dos anjos? Ou será que sua santa inocência crê que o universo conspirou isto tudo?", e dei uma gargalhada tentando descontar a grosseria dele para comigo. Com muita seriedade ele colocou o livro em cima da mesa e tomou minhas mãos nas dele. Senti uma vibração forte vindo delas e logo em seguida ele disse meio que profetizando, "Acredito que as coisas acontecem por que têm que acontecer, Patricia. Em boa parte das vezes porque permitimos que aconteçam". Juro que eu esperava mais uma debochada do Rodrigo e não aquela resposta tão séria, tão bem colocada que me fez balançar. Ele deu uma longa olhada no livro e depois fixou aqueles seus olhos castanhos nos meus e disse, "Sabe, sonhei com olhos assim como os teus ... olhos da cor de esmeralda. Sonhei com um vulto me entregando um pacote todo embrulhado com uma fita verde igualzinha a esta. No mercado, senti uma forte vibração, e quando dei uma olhada e vi você ... nossa! Não acreditei! E ao reencontrar com você esta noite confesso que quando te vi aproximando senti uma coisa tão forte, tão intensa ... estremeci. Desculpe pela forma que te tratei quando chegou. Fui grosso, desculpe. Gostaria muito de lhe mostrar o outro lado da minha moeda, o lado carinhoso. Juro que não consigo entender este clima estremecedor entre nós". Ao terminar a frase, meus olhos estavam tão inundados que as lágrimas logo começaram a cair feito uma cascata. O Rodrigo todo preocupado perguntou, "Nossa Patricia! Falei algo que não deveria!?" Soluçando respondi, "Não, ...não. Falou exatamente o que sempre quis ouvir a minha vida inteira Rodrigo. Saiba que eu também estremeci quando te vi de longe. Tive que segurar o meu coração pra não sair pela boca!" O Rodrigo também revela algo mais que me faz estremecer pela enésima vez aquela noite: "Estou adorando estar aqui com você .... e imagino fazer você minha, e na hora de fazer você minha, tocar o céu". Num impulso louco debrucei sobre a mesa e tasquei um beijo nos lábios daquele homem que acabara de me fazer ressuscitar! Minha vida havia voltado naquele instante através da resposta do Rodrigo num profundo, longo e molhado beijo ... o mais delicioso dos beijos que já experimentei em toda minha vida e que foi selado aos acordes e voz do maestro Tom Jobim na canção "Wave" ...
"Agora eu já sei
Da onda que se ergueu no mar
E das estrelas que esquecemos de contar
O amor se deixa surpreender
Enquanto a noite vem nos envolver...
Vou te contar..."
Se quiser, pode ouvir a trilha sonora do conto:
ESPANHOLA >>>>> http://www.youtube.com/watch?v=INloIrXhf-Q
LOUCA E VELHA>>> http://www.youtube.com/watch?v=f7UBDGt8VK8
O Melhor Vai Começar
>> http://www.youtube.com/watch?v=4Q1gHKUDaxo
FUNDAMENTAL >>> http://www.youtube.com/watch?v=jexLTrE1fpw
Wake Up Alone >>> http://www.youtube.com/watch?v=xl7uQAL24jE
Me Deixas Louca >> http://www.youtube.com/watch?v=SS4DW7jMzbY
WAVE/Vou Te Contar
>>> http://www.youtube.com/watch?v=vpLLKvDAXNI
Este conto dedico ao Meu Poeta Maior, Rodrigo, que me inspira a cada dia e me chama de menina apesar de todo o meu melodrama de mulher. ~ ~ ~ ~
Que bom que você encontrou a chave que abre a porta da minha morada e imaginação Meu Bem. Você me inspira!
Te amo muito!
P.
Nunca pensei que fosse acontecer comigo. Tanta fidelidade a um só homem e do nada ele me abandona por outra que segundo amigos e conhecidos não chega aos meus pés. Os familiares, todos inconformados, ainda não a conhecem portanto, talvez seja verdade que ela seja mesmo uma vadia de primeira. Uma biscate de quinta. Quer saber? Ela é uma tremenda FDP. E ele mais ainda. Se merecem!
Preciso desabafar urgentemente mas não quero ser importuna nem tão pouco desesperada. Preciso muito de um ombro amigo agora mas, os dias passam, viram meses e o confidente que tanto necessito não aparece ... nem alguém que possa deletar este sentimento devastador que me suga e consome minhas forças.
Resolvo viajar pra longe, outro estado ... vou pro Sul buscar refúgio do calorão do verão mas, chegando ao meu destino sinto na pele que está tão quente aqui do que em qualquer outro canto do Brasil. Clima maluco de hoje em dia ... infernal! Vim parar no fim do mundo, numa cidade praiana pequena que ressuscita a cada verão com a chegada do grande número de veranistas que aproveita a praia assim como também movimenta o comércio local.
Me hospedo numa pousada simplória, pouco charmosa mas fica perto de tudo e apenas uma boa caminhada de uns vinte minutos entre o meu novo endereço e a praia. Um vento gostoso ajuda a refrescar a manhã e assim crio coragem após tomar o meu café e beliscar um pedaço de bolo de fubá para ir até à praia a pé. Pelo caminho vou apreciando os detalhes das casas, do comércio e do povo. Muita descontração por estarmos no verão. O povo despojado e jovem segue em direção à praia de moto ou nos carros e alguns vão à pé como eu. Poucos carros tunados mas já fazem logo cedo anúncio que querem tchum, e também matar o papai ... Não importam com os ouvidos alheios mas sim com suas vontades de fazer o verão bombar e dar muitas pegadas.
Praia, pouco sol e chuvisco ... fico quase duas horas na esperança do sol sair quando resolvo voltar à pousada. O tempo não parece querer melhorar, nem o meu humor que ficou indiferente a tudo, a todos.
Chego na pousada e percebo que a recepção está cheia com um grupo de turistas argentinos fazendo o check-in portanto nem me atrevo a pedir informações, pelo menos não agora. Não estou em Roma mas, tenho boca, assim vou descobrir onde posso degustar algo típico da região.
Todo mundo acompanhado, ou andando em bando e com aquela pressa toda em chegar em algum lugar. Logo percebo um mercado que parece um formigueiro de tão cheio. Aproximo e observo por uns dois ou três minutos. O estabelecimento está cheio demais, talvez seria melhor voltar quando estivesse mais tranquilo. E assim volto a caminhar em rumo à pousada.
Chegando ao meu quarto tomo aquela ducha pra me refrescar. Como pode fazer tanto calor assim no sul meu Deus do céu!? O banho não resolveu o meu drama pois o calor está pior do que antes e acabo me atirando na cama onde pego o controle e fuço no ar condicionado. Depois de uns dez minutos o quarto está mais confortável e resolvo dar uma boa espiada no livro que trouxe na bagagem. Me perco na leitura e as horas passam voando. Fico surpresa ao notar que já são 19:00 e eu nem almocei. Me levanto, dou uma ajeitadinha na minha pessoa e vou em busca de um lugar pra jantar.
Novamente a recepção da pousada cheia, assim resolvo ir à caça de um restaurante ou até uma lanchonete porque meu estomago ronca que nem quica nas vésperas do carnaval. Ando por uns 15 minutos e acabo na porta de um bistrô encantador cujo letreiro diz: Recanto do Mar. Simples, porém um charme. Apenas oito mesinhas cercadas por paredes forradas com fotos de artistas em preto e branco, dando destaque ao Hemingway pescando e algumas replicas de premiações como o Oscar, Golden Globe e Emmy. Um pouco meio escondido vejo uma cristaleira da vovó recheada com bonecos da Hasbro de super heróis e também personagens de clássicos holliwoodiano tipo Al Pacino como Scar Face, James Dean como Jett Rink, Freddy Krueger, Um Lobisomem Americano em Londres, O Coisa, Judy Garland como Dorothy e Shirley Temple caracterizada de Heidi entre alguns outros. O ambiente fica mais agradável ainda com a música eclética. Toca um pouco de tudo mas muito soft, meio assim jazzy e *blue. Fui fisgada pelo ambiente e já me sinto como se estivesse em casa. (*blue = melancólico)
Um jovem pergunta se desejo jantar ou apenas petiscar e respondo que estou esfomeada portanto quero um belo jantar com tudo que tenho direito. Ele olha ao redor e faz cara que na certa vai me decepcionar, "Desculpe mas nem tinha visto que todas as mesas estão ocupadas. Quer aguardar lá no bar? Talvez um drinque por conta da casa enquanto espera?" Como havia me simpatizado com o lugar aceito o convite porque daqui não saio mais, nem ninguém me tira.
Passam-se dezoito minutos e nenhum dos clientes parece querer fechar sua conta. Meu copo é substituído por outro e agradeço a gentileza com um sorriso meio assim, "obrigada mas não vim pra encher a cara não". Enquanto beberico observo as mesas e apenas vejo pessoas muito bem acompanhadas num papo animado exceto por uma mesa cujo único ocupante jantava enquanto lia. Ele havia escolhido uma mesa perto daquela cristaleira da vovó com os bonecos que ficava meio que isolada. Uma segunda olhada denuncia que ele não devorava o jantar mas sim o livro. A curiosidade bate porque os olhos daquele leitor não desgrudam das páginas do livro por nenhum só segundo. O garçom me pergunta assim meio sem graça se ainda pretendo jantar. Respondo que é a minha intenção pois queria degustar alguma especialidade da casa ou da região. Ele responde, "Sinceramente acho que vai cansar à toa por que todos que aqui estão geralmente demoram horas conversando enquanto tomam uma, duas ou até três garrafas de vinho". Faço uma cara de coitadinha e peço por um 'help' já que não quero ter trabalho em buscar um outro restaurante a esta altura do campeonato. O garçom dá aquela olhada e diz, "Me dá um segundo, moça. Já volto". Adorei a moça! Mesmo sabendo que ele queria ser gentil comigo, a senhora de meio século mais um pouco. Vejo o garçom se dirigir ao leitor solitário e ouço ele balbuciar algumas palavras que fazem o ocupante daquela mesa lançar seu olhar em minha direção. Aquele olhar me desconsertou. Fiquei tão sem graça que me virei pra não ter que encará-lo. Nem percebi quando o garçom retornou e disse, "Como lhe disse, ninguém vai sair daqui tão cedo, nem mesmo o meu colega aí que tá solo. Mas, ele disse que pode dividir a mesa contigo, topa?" Do jeito que eu me encontrava esfomeada resolvi aceitar.
O garçom voltou à mesa daquele homem e lhe informou da minha decisão. Ele faz sinal que tudo bem e em segundos sou conduzida até à mesa dele.
O homem ali sentado não é nenhum senhor. Na verdade, bem mais novo do que eu. Uns 12 anos talvez. Chegando bem perto agora diria que uns 15. (Não esqueçam que bebi um pouco enquanto esperava uma mesa vagar, né!) Peço licença e ele apenas acena que sim com a cabeça. O garçom pergunta se eu quero fazer o meu pedido e respondo que nem tenho noção do que a casa tem para oferecer. Recebo o cardápio, agradeço e vou logo comendo com os olhos todos os nomes dos mais variados pratos ali naquele cardápio. Um prato em especial me atrai: Paella à Valenciana. Um prato da cozinha espanhola. Hummmm... Me pego lembrando da "Espanhola" do Flávio Venturini e bate aquela saudade da minha amiga Simone e as noitadas nos shows do 14 Bis em São Paulo nos anos 80. Sem querer, um sorriso maroto transparece no meu rosto e o colega de mesa ri em baixo tom e fala , "Lembrou de algo muito bom suponho. Seu rosto iluminou que nem o sol agorinha". Fiquei perplexa com aquele comentário e a cor do meu rosto avermelhou apenas mostrando o quanto era o meu constrangimento. Mais uma vez ele se dirige a mim só que desta vez ele sussurra bem baixinho, "Tem nada não. Todo mundo tem um momento nostálgico. Aproveite a lembrança". Olho bem nos seus olhos e exibo um sorriso em agradecimento pelo incentivo todo.
Ao pedir a Paella à Valenciana, e um vinho branco para acompanhar, eu começo a cantarolar com a Mallu Magalhães. Adoro a canção, "Velha E Louca", principalmente o trecho, " ... Pode falar qu´eu nem ligo, agora eu sigo o meu nariz. Respiro fundo e canto mesmo que um tanto rouca".
O que seria da minha vida sem a Mallu!? Um tédio!
Enquanto do outro lado, aquele homem retoma seu interesse na sua leitura. Nem mesmo tira os olhos quando toma goles da sua Coca-Cola com gelo e limão. O garçom trás fatias generosas de pão sírio e babaganuch. Logo em seguida abre a garrafa de vinho e me serve uma taça. Antes de abocanhar o aperitivo degusto o vinho e fico fascinada pelo seu sabor. Com toda delicadeza pego a garrafa e leio o rotulo: Vinho Branco Niágra do Frade, Rio Grande do Sul, 2001. Registro na minha memória o nome e a safra. Detalhes que não poderia esquecer depois de degustar esta delícia. Ao colocar a garrafa na mesa esbarro na taça que derrama vinho bem em cima do tesouro do concentrado leitor. Ele não se abala mas fecha a cara e diz, "Eu sabia ... eu sabia que seria uma roubada se eu bancasse o bonzinho esta noite. Eu sabia! Porque eu sou teimoso, hein?" Eu logo vou me desculpando mas a cada desculpa ele parece ficar mais aborrecido comigo. O garçom vem e limpa a bagunça toda dizendo que foi apenas um acidente, nada mais, nada menos, porém o dono do livro diz com todo sarcasmo do mundo, "Foi nada não, imagine. Apenas encharcou o meu livro que acabo de ganhar de presente. Nada demais, nem de menos." Enquanto ele enxuga seu livro eu digo, "Desculpa. Sinto muito pelo estrago. Diga o nome do livro que vou providenciar um novo amanhã mesmo".
Ele apenas mostra a capa e leio: SACO DE OSSOS. Ele retruca dizendo, "Quero ver como vai providenciar uma cópia deste livro aqui pra amanhã. Melhor não prometer por que é feio não cumprir com a promessa feita, sabia?" Eu olho bem nos olhos daquele homem e digo, "Promessa é promessa, e eu sempre cumpro as minhas, só pra lhe informar Senhor ....?" A resposta vem ligeira, "Rodrigo". Eu toda desconsertada prossigo, "Desculpas Senhor Rodrigo. Te juro que não foi por querer. Juro, amanhã mesmo vai ter o seu livro. Juro". Ele dá aquela olhada desconfiada e fala sem rodeios, "Tá... tô pagando pra ver dona ... ?" Respondo tão ligeira quanto ele, "Patricia sem a dona, ok?!" Ele termina de enxugar o seu tesouro com todo cuidado do mundo e joga uma certa praga, "Sabe Patricia, você vai rebolar bonito pra encontrar este livro aqui neste fim de mundo. Você não acha nem um livro do Machado ou do Amado, imagine do King! Você vai sofrer pra achar o SACO DE OSSOS!" E ele botou um sorriso frouxo nos lábios e riu. Olhei bem na cara dele e respondi à altura, "Creio que o problema é meu Senhor Rodrigo. Pode deixar comigo. Amanhã você vai ter uma cópia do seu SACO DE OSSOS. Você verá!"
Ao terminar aquela frase, o jantar chega e eu o convido para compartilhar. Pra minha surpresa ele aceita dizendo que só beliscaria um pouquinho para eu não me sentir constrangida. Ofereci uma taça de vinho e ele indagou com cara de ingênuo, "Você quer me embebedar, não é mesmo? Fazer eu esquecer o ocorrido pra você se safar da promessa", e soltou uma gargalhada deliciosamente alta e sarcástica que eu achei o máximo. Mas procurei disfarçar com a minha cara de séria e falei com a voz bem firme e debochada, "Você parece ser tão frágil, tão sensível que eu realmente passei a querer abusar da sua ingenuidade Senhor Rodrigo". Novamente a gargalhada da ironia em pessoa ecoa naquele ambiente tranquilo. Aquele homem debruça um pouco sobre a mesa e diz quase sussurrando, "Me chama de Rodrigo e te peço pra não brincar com meus sentimentos, tá? Não bebo, não fumo. Sou um cara sério. Tão sério quanto Berlitz. Porém, uma vez ou outra até que gosto de ser abusado por mulheres mais maduras". Nem pensei duas vezes ao me debruçar sobre a mesa e olhar bem no fundo daqueles olhos castanhos e sem hesitar responder, "Ah! Não generaliza Rodrigo! Nem sempre mulher madura abusa do mocinho, sabia?! E cuidado com as maduras...elas são bem mais perigosas que o Triângulo das Bermudas!" Ele deu um sorriso meio sem graça, se encostou na cadeira e perguntou bem sério, "Me diga então, quando vamos nos encontrar pra você entregar o meu livro?" Suas sobrancelhas negras e fartas arquearem, deixando-o extremamente ousado, meio maquiavélico e fui obrigada a pensar um pouco antes de responder. Eu disse assim, "Que tal aqui mesmo? Ás 19:30? Aproveitar a ocasião pra um drinque, petiscar e jogar conversa fora?" Ele concordou com a hora sugerida mas deixou bem claro que era só um encontro para pegar o livro e nada de drinque, nem petisco e muito menos jogar conversa fora. Percebi que ele havia ficado um pouco encabulado e aí resolvi atiçá-lo um pouquito. "Pôxa! Não vai dar esta mulher madura a chance de abusar um pouco do mocinho inocente que existe em você? Afinal, vim de tão longe. Que tal, só uma casquinha?" Eu não esperava pela aquela reação do Rodrigo mas ele se levantou bruscamente, dirigiu-se até o balcão, acertou com o caixa em total silêncio, despediu-se do garçom e saiu pela porta. Nem um tchau pra mim. Nem um aceno. Nem uma palavra ríspida. Nada. E por ironia do destino, "O Melhor Vai Começar" de Guilherme Arantes toca no fundo sutilmente enquanto termino o jantar sozinha e beberico o vinho que restou no meu cálice. Pedi a conta pro garçom e também pra colocar a garrafa de vinho numa sacolinha. Prontificaram uma sacola e perguntei pela conta. Ele respondeu, "Não se preocupe com isso moça, porque o Rodrigo acertou tudo".
Ponderei e não consegui entender aquele gesto do Rodrigo. Pareceu furioso com a brincadeira que eu fizera e mesmo assim pagou o meu jantar?! Vai entender! Eu só queria um cantinho remoto naquela noite calada e mais ainda o restinho do vinho da garrafa que o Rodrigo pagou para afogar as minhas mágoas e quem sabe fazer as pazes com ele num sonho, quem sabe, até censurado. E no fundo ouço a voz gostosa do Guilherme Arantes fluindo em harmonia e romantismo.
Cedinho na manhã seguinte acordei com uma terrível ressaca mas mesmo assim fui à praia. O astro rei radiava majestosamente naquela manhã e eu observava o quanto aquele povo todo se deliciava ao banhar e bailar no sol, como se fosse o último dia de férias. Protegida com filtro solar e um chapéu de palha bem estiloso como o da Scarlett O´Hara, me sento numa cadeira de praia alugada e deixo o sol beijar a minha pele até umas 9:30 porque depois das 10:00 o sol passa a ser nosso inimigo maior. Confesso que não vi ninguém que me atraísse simplesmente pelo fato que cochilei ao ouvir Takai e Summers no meu Smartphone MP20. Graças à TI posso falar com quem eu quiser, de onde eu quiser e além disso posso carregar minhas músicas comigo. Mas ultimamente não desejo falar com ninguém pelo celular, ninguém! Que delícia de tranquilidade! Meu momento Tim Maia ... só sossego! O cochilo prossegue ...
Acordo e sinto que não estou com nenhuma fixação em preencher o vazio que há poucos dias atrás me devorava e me questiono o porque. Penso, repenso e não consigo chegar a uma conclusão então resolvo devolver a cadeira, recolher minhas coisas e voltar pra pousada pra me refrescar com um banho gelado pra espantar o inferno que habita em mim.
No caminho de volta, passo em frente daquele mercado e resolvo entrar. Os corredores parecem estar tranquilos e assim vou aventurando entre eles buscando coisas básicas que preciso, tipo, cotonete, algodão, hidratante, acetona, esmalte ... Ah! Não poderia esquecer do papel de presente e também uma fita para embrulhar o livro do acerto. Resolvo incluir um pacote de granola e damascos na cestinha. É muito bom petiscar coisas gostosinhas assim enquanto estou lendo ou vendo tv. E quando vou pegar um pacotinho de castanhas do Pára, quem é que vejo?! O Rodrigo! Em carne e osso! Ele não me vê porque está super concentrado e atarefado. Parece estar conferindo uma lista na prancheta com as mercadorias nas prateleiras. Enquanto seu olhar fica magnetizado na folha, a caneta dele vai ticando e ele anotando com rapidez alguns dados. Por precaução, não o interrompo. Me dirijo ao caixa e entro na fila que é um pouco longa. Enquanto isso, o "Wake Up Alone", da Amy Winehouse toca no alto falante do mercado e ao ouví-la cantar, presto muita atenção na letra, "He gets fierce in my dreams, seizing my guts. He floats me with dread, soaked to the soul ..." (*Ele é intenso nos meus sonhos, agarra-se as minhas entranhas. Ele me faz flutuar com temor, suada até na alma ...)", sinto meu corpo estremecer enquanto ouço a Amy e observo aquele homem tão focado no seu trabalho. Ele não desvia o olhar entre aquela prancheta e a prateleira nenhuma vez, nem mesmo quando uma mulher vestindo um micro top esbarra nele, quase esfregando os peitos nas suas costas. O cara é sério mesmo! E me questiono o porquê dele ter me assombrado de tal forma na noite passada no meu sonho.
Almocei num restaurante à beira mar onde apreciei a vista daquela praia desnuda de palmeiras e areia escura. As ondas eram daquelas bem grandes e brabas que pareciam ameaçar quem quisesse dominá-las. O vento do sul não era nada frio como imaginava antes de conhecê-lo pessoalmente. Era um sopro morno e forte que fazia a cidade toda ficar abafada. Imaginei como seria aquele cenário em julho com a chegada do inverno. Queria muito me perder naquela vista mas o calor era insuportável e resolvi me recolher.
Já na pousada, resolvo prosseguir com a leitura daquele livro que trouxe comigo. Pena não poder terminá-lo até o fim apesar da estória ser muito, muito boa. O acerto de contas com o Rodrigo às 19:30 não me dava muito tempo, sendo assim teria que me contentar com as páginas que consumiria até lá. Era a única alternativa disponível.
Era apenas um acerto de contas entre dois estranhos, nada mais. Mesmo assim, dei uma caprichada no visual. A minha pele de turista já dava sinal de que o sol havia a beijado com muita inspiração. Precisaria de uns dois meses de sol pra conseguir ter a pele das morenas de Di Cavalcanti. Mas por agora, tava de bom tom pro encontro do acerto. Estava quase saindo pela porta quando me lembrei do motivo do rendevouz: o livro! Voltei e peguei o pacote que embrulhei com todo cuidado e por que não dizer, com todo carinho. Um mimo talvez?
Quase chegando lá no restaurante, vi o Rodrigo na entrada e ele estava com a cara bem invocada. Ao chegar eu dei um oi caloroso e ele simplesmente me encarou e disse, "Tá atrasada, né!" Olhei no meu relógio e vi que eram 19:45, apenas 15 minutinhos.
"Nossa Rodrigo! São apenas 15 minutos pôxa! Não precisa bufar assim". Mas ele não deu trégua. "Olha, se você não é pontual, problema teu, tá. Mas eu tenho meus compromissos e não quero me atrasar. E, só pra sua informação, não sou animal pra bufar!" Apenas abaixo a cabeça sentindo constrangida e vou logo retirando o embrulho da minha bolsa.
"Toma aí seu livro e mais uma vez, desculpa" e o entrego friamente, tão gelada quanto o iceberg que desgraçou o Titanic. Ele olha pro embrulho em minha mão por uns instantes e sem jeito o pega. Me parece que a frieza daquele sujeito derreteu um pouco. O Rodrigo observa o papel de presente e diz, "Conheço este papel aqui! Você comprou no mercado daqui, não foi?!" Respondo com um sim bem seco e baixinho. Ele continua a falar, "É ... Conheço sim porque eu mesmo conferi a entrada dele no estoque. É um dos mais bonitos que temos na loja. É também um dos mais caros." Agora é a minha vez de responder, "O mais bonito com certeza. Não o mais caro por que o mais caro é o da Barbie, e com certeza não pegaria bem eu embrulhar um livro cujo título é 'Saco De Ossos', né? Agora, difícil mesmo foi encontrar o laço certo que combinasse com o papel mas fiquei fuçando até achar este". Ele fitou aquele embrulho e respondeu meio sem graça, "É mesmo. O laço deu um toque todo especial com este papel. Sabe, nem consigo imaginar abri-lo. Tá muito bonito". Mas eu digo a ele sem pensar muito, "Abre logo Rodrigo, sem rodeios. Veja se o livro é este mesmo: 'Saco De Ossos' do Stephen King". Ele hesita por uns segundos e meio assim gracejando me pergunta se poderíamos entrar para tomar um suco ou qualquer coisa e ele abriria o embrulho com mais tranquilidade. Olho bem pra cara dele com desdém e digo, "É apenas um acerto Rodrigo. Sem esta de gentileza. Não vai querer se atrasar para o seu compromisso né? Já lhe fiz perder 15 minutos preciosos. Você parece estar no prejuízo agora". Ele devolveu o mesmo olhar que havia lhe dado e retrucou, "Que mulherzinha mais abusada você Patricia! Querendo me seduzir assim ... e eu muito sem noção, nem percebi!" Do nada ele toma a minha mão na dele e entramos no bistrô juntos. Desta vez com mais sorte por que tinha mesas disponíveis e o Rodrigo foi logo pegando aquela mesma mesa que ele dividiu comigo na noite anterior. Ele puxou uma cadeira pra eu sentar, depois foi pro lado oposto e ajeitou a cadeira pra ele. Nisso, a caixa de som liberta a voz de Elis cantando, "Me Deixas Louca". O destino mais uma vez vem com pura ironia pro meu lado!
Ele colocou o embrulho em cima da mesa e numa voz leve e carinhosa foi logo agradecendo. Apenas respondi bem seco, "Não é um presente Rodrigo. É um acerto de contas entre nós dois. Apenas". E aí o Rodrigo recitou o seguinte, "Desculpe. Eu não percebi o tamanho da sua gentileza, o tamanho da importância que você deu pra este acerto de contas Patricia. Mas vejo agora que você quis me agradar, me surpreender.... e você conseguiu. Como você arranjou uma cópia do livro? Me diga mulher!!? Eu mesmo procurei pelo livro e não achei aqui na cidade mas você!? Como? Me diga!"
Enquanto o Rodrigo abria o seu embrulho, expliquei como aquela cópia foi parar nas minhas mãos. "Antes de pegar o ônibus pra cá, passei numa livraria pra comprar algo pra ler. Tinha uma exposição do King e depois de revirar entre a obra toda exposta e ler a orelha de uns quatro, cismei com o SACO DE OSSOS. Foi isto, apenas isto. Acabei trazendo o livro comigo e foi uma tremenda coincidência. Quando você mostrou o título do livro, sabia que poderia tranquilamente resolver a situação toda. Apenas tive sorte e você o azar de ter oferecido um lugar à sua mesa." O Rodrigo me olhou nos olhos e confessou que havia me visto no mercado. Viu como fui à caça ao papel de presente e como revirei a cesta com os laços. Ainda me contou que a repositora ficou muito brava quando viu a bagunça que fiz. Ele falou que achou muito fofo o meu empenho em achar o papel e laço perfeitos. Ele sorriu e sussurrou, "Não só você teve sorte naquela noite Patricia. Eu também tive e muitaaaaa!" Não consegui me conter e meu bico virou um sorriso largo. Dei uma risadinha e disse, "Pois é ... que exagero da minha parte né!? Nem te conheço direito oras!" Aí ele me perguntou meio curiosamente, "Você acha mesmo que foi sorte?" Aí eu indaguei com todo sarcasmo dentro de mim, "Ué, não vai me dizer que o moço acredita na conspiração dos anjos? Ou será que sua santa inocência crê que o universo conspirou isto tudo?", e dei uma gargalhada tentando descontar a grosseria dele para comigo. Com muita seriedade ele colocou o livro em cima da mesa e tomou minhas mãos nas dele. Senti uma vibração forte vindo delas e logo em seguida ele disse meio que profetizando, "Acredito que as coisas acontecem por que têm que acontecer, Patricia. Em boa parte das vezes porque permitimos que aconteçam". Juro que eu esperava mais uma debochada do Rodrigo e não aquela resposta tão séria, tão bem colocada que me fez balançar. Ele deu uma longa olhada no livro e depois fixou aqueles seus olhos castanhos nos meus e disse, "Sabe, sonhei com olhos assim como os teus ... olhos da cor de esmeralda. Sonhei com um vulto me entregando um pacote todo embrulhado com uma fita verde igualzinha a esta. No mercado, senti uma forte vibração, e quando dei uma olhada e vi você ... nossa! Não acreditei! E ao reencontrar com você esta noite confesso que quando te vi aproximando senti uma coisa tão forte, tão intensa ... estremeci. Desculpe pela forma que te tratei quando chegou. Fui grosso, desculpe. Gostaria muito de lhe mostrar o outro lado da minha moeda, o lado carinhoso. Juro que não consigo entender este clima estremecedor entre nós". Ao terminar a frase, meus olhos estavam tão inundados que as lágrimas logo começaram a cair feito uma cascata. O Rodrigo todo preocupado perguntou, "Nossa Patricia! Falei algo que não deveria!?" Soluçando respondi, "Não, ...não. Falou exatamente o que sempre quis ouvir a minha vida inteira Rodrigo. Saiba que eu também estremeci quando te vi de longe. Tive que segurar o meu coração pra não sair pela boca!" O Rodrigo também revela algo mais que me faz estremecer pela enésima vez aquela noite: "Estou adorando estar aqui com você .... e imagino fazer você minha, e na hora de fazer você minha, tocar o céu". Num impulso louco debrucei sobre a mesa e tasquei um beijo nos lábios daquele homem que acabara de me fazer ressuscitar! Minha vida havia voltado naquele instante através da resposta do Rodrigo num profundo, longo e molhado beijo ... o mais delicioso dos beijos que já experimentei em toda minha vida e que foi selado aos acordes e voz do maestro Tom Jobim na canção "Wave" ...
"Agora eu já sei
Da onda que se ergueu no mar
E das estrelas que esquecemos de contar
O amor se deixa surpreender
Enquanto a noite vem nos envolver...
Vou te contar..."
Se quiser, pode ouvir a trilha sonora do conto:
ESPANHOLA >>>>> http://www.youtube.com/watch?v=INloIrXhf-Q
LOUCA E VELHA>>> http://www.youtube.com/watch?v=f7UBDGt8VK8
O Melhor Vai Começar
>> http://www.youtube.com/watch?v=4Q1gHKUDaxo
FUNDAMENTAL >>> http://www.youtube.com/watch?v=jexLTrE1fpw
Wake Up Alone >>> http://www.youtube.com/watch?v=xl7uQAL24jE
Me Deixas Louca >> http://www.youtube.com/watch?v=SS4DW7jMzbY
WAVE/Vou Te Contar
>>> http://www.youtube.com/watch?v=vpLLKvDAXNI
Este conto dedico ao Meu Poeta Maior, Rodrigo, que me inspira a cada dia e me chama de menina apesar de todo o meu melodrama de mulher. ~ ~ ~ ~
Que bom que você encontrou a chave que abre a porta da minha morada e imaginação Meu Bem. Você me inspira!
Te amo muito!
P.