RASGANDO A FANTASIA
Junto ao meio-fio, o carro parou. A mão de quem sempre o espera abriu-lhe a porta. Pé direito já com a planta sobre a calçada. Primeiro esforço para levantar-se e sair, não bastou. Na segunda tentativa, conseguiu erguer as nádegas e deixá-las por segundos acima da cadeira do carona. Não por vontade, mas devido à insuficiência de forças teve que repetir mais uma vez o ciclo que consiste em segurar na maçaneta e ao mesmo tempo buscar apoio no assento do veículo. Aí alcançou o êxito, mas foi levado a encarar um tropeção e sair em desequilíbrio até a parede do jardim. Giro de vinte e cinco graus (25°) à esquerda para o aceno de agradecimento e despedida na direção de quem o trouxera de volta ao lar. Carro já dobrando o quarteirão e desaparecido das quatro vistas, a mulher o segurou pela cintura e recebeu um de seus braços nos ombros para subir o pequeno degrau. O filho colocou-se de frente, à distância de um metro, se muito, para garantir o anteparo do corpo e evitar o tombo frontal ao piso de laje cimentada. Passos sem firmeza fizeram-no chegar à sala de visitas e estirar o metro e setenta sobre um sofá. Tronco e cabeça, para dizer com precisão, pois foi a mulher e o rebento que acomodaram as pernas na peça do mobiliário de onde veria o dia amanhecer. O que não tardaria, pois a madrugada já se alongara. Foi ela quem lhe desnudou os pés, retirando as sapatilhas. O filho esfregou algodão com removedor de maquiagem no rosto e puxou a peruca de cabelos louros e longos. A tentativa de tirar a sombra das pálpebras foi que não deu certo porque em gestos instintivos ele afastava aos tapas a mão chegada em socorro.
Voz de falsete ensaiou a marchinha do bloco onde consumira parte do dia e, no total, a noite. Acertava na letra e tropeçava na melodia. Som de palavras alternado com ruídos de um bufar expelido pelos lábios. Tentativas de colocar as mãos nos quadris, como a fazer requebros, encontraram resistência na falta de capacidade de concatenar gestos. O álcool ingerido por horas sempre o deixara assim.
Tudo como em outros domingos de carnaval. Igual ao que acontece quando veste a fantasia de colombina e despe o estereótipo do macho de masculinidade sem suspeitas.
Continua em próximo capítulo
Junto ao meio-fio, o carro parou. A mão de quem sempre o espera abriu-lhe a porta. Pé direito já com a planta sobre a calçada. Primeiro esforço para levantar-se e sair, não bastou. Na segunda tentativa, conseguiu erguer as nádegas e deixá-las por segundos acima da cadeira do carona. Não por vontade, mas devido à insuficiência de forças teve que repetir mais uma vez o ciclo que consiste em segurar na maçaneta e ao mesmo tempo buscar apoio no assento do veículo. Aí alcançou o êxito, mas foi levado a encarar um tropeção e sair em desequilíbrio até a parede do jardim. Giro de vinte e cinco graus (25°) à esquerda para o aceno de agradecimento e despedida na direção de quem o trouxera de volta ao lar. Carro já dobrando o quarteirão e desaparecido das quatro vistas, a mulher o segurou pela cintura e recebeu um de seus braços nos ombros para subir o pequeno degrau. O filho colocou-se de frente, à distância de um metro, se muito, para garantir o anteparo do corpo e evitar o tombo frontal ao piso de laje cimentada. Passos sem firmeza fizeram-no chegar à sala de visitas e estirar o metro e setenta sobre um sofá. Tronco e cabeça, para dizer com precisão, pois foi a mulher e o rebento que acomodaram as pernas na peça do mobiliário de onde veria o dia amanhecer. O que não tardaria, pois a madrugada já se alongara. Foi ela quem lhe desnudou os pés, retirando as sapatilhas. O filho esfregou algodão com removedor de maquiagem no rosto e puxou a peruca de cabelos louros e longos. A tentativa de tirar a sombra das pálpebras foi que não deu certo porque em gestos instintivos ele afastava aos tapas a mão chegada em socorro.
Voz de falsete ensaiou a marchinha do bloco onde consumira parte do dia e, no total, a noite. Acertava na letra e tropeçava na melodia. Som de palavras alternado com ruídos de um bufar expelido pelos lábios. Tentativas de colocar as mãos nos quadris, como a fazer requebros, encontraram resistência na falta de capacidade de concatenar gestos. O álcool ingerido por horas sempre o deixara assim.
Tudo como em outros domingos de carnaval. Igual ao que acontece quando veste a fantasia de colombina e despe o estereótipo do macho de masculinidade sem suspeitas.
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