ZÉ -Parte 03
O som da música invadia toda a caminhonete.
Para trás, a poeira vermelha encobria as árvores, pastagens. O vento quente, entrando pela janela escancarada, quase lhe arrancava o chapéu.
Quilômetros adiante, parou na entrada ladeada por árvores. Enfileiradas mangueiras, laranjeiras, limoeiros, formavam um corredor bem cuidado no chão de terra batida. E a casa ampla avarandada, surgiu abrigada entre altas árvores.
De pé, a esperá-lo, um homem de meia estatura, pele curtida pelo sol, olhos castanhos penetrantes e um sorriso cordial.
De um salto, Zé desceu da caminhonete e, em passos apressados, aproximou-se do amigo. Mãos fortes se apertaram, seguidas de abraço.
Logo estavam sentados à mesa da sala. Jogou o chapéu ao lado e, tirando do bolso a carta, estendeu-a em direção ao amigo.
_Aqui está, como te falei. Chegou há três dias. Veja o que acha.
Antonio olhou-o daquele jeito familiar de quando tinha algo muito sério a resolver. Os olhos apertavam-se abaixo das grossas sobrancelhas. Mão no queixo, alisava a barba por fazer. Ficou assim, um tempo olhando para o envelope branco e amassado. Com cautela, puxou-o em sua direção. Num silêncio quase palpável, começou a ler. Dobrou o papel com cuidado e guardou-o novamente.
_ Então, compadre, o que acha? Zé estava aflito e impaciente. Em certas horas, não sabia dominar a ansiedade. E esta era uma das qualidades que tanto admirava em Antonio. Este, uns poucos anos mais de vida, era conhecido pela prudência e sabedoria. Zé o considerava seu melhor amigo.
Antonio, sem tirar-lhe os olhos, acenou indicando a varanda. Sentou-se dando um tapinha na cadeira ao lado. Olhos perdidos ao longe, quebrou o silêncio:
_ Zé, vê lá no final, bem próximo ao caminho que leva à plantação, aquela arvorezinha?
Zé ficou desconcertado. Pensou, o que tinha a árvore com aquilo tudo? Não entendia. Estava aflito e precisava de ajuda e ele vinha lhe falar de árvore? Sem saber o que fazer, olhou confuso para aquela que mal ultrapassava meio metro de altura.
Antonio olhou-o de soslaio e reprimiu um sorriso ao ver o amigo, olhando a pequena árvore.
_ E aí, Zé, o que acha?
Zé não acreditava. Teria o amigo perdido o juízo?
_ Bem, é uma árvore. Apenas isto.
_Sabe o nome dela, Zé?
De novo, Zé não podia acreditar na pergunta. Esforçou-se e não conseguiu lembrar o nome.
_É um cedro, Zé. Sabe o que é um cedro?
Olhos fixos nas botas empoeiradas, Zé apenas acenou a cabeça em negativa.
_ Ela é uma pequena árvore. É o que estou vendo.
Zé era puro constrangimento.
_ Amigo Zé, você é exatamente igual a esta árvore.
Zé sentiu-se humilhado. O compadre não devia estar em juízo perfeito. Sempre achara Antonio seu melhor amigo e agora....ser comparado àquela arvorezinha?
_ Sabia que encomendei esta árvore, Zé? Ela veio de longe.
_ Compadre Antonio, não me leve a mal. Vim para ouvir seu conselho. O que eu menos quero é falar de árvore. Muito menos de cedro.
Dando um salto, colocou-se de pé.
_Até mais ver, volto outro dia.
Antonio, colocando a mão sobre o ombro do amigo, forçou-o a sentar-se novamente.
_Deixa eu te falar um pouco sobre o cedro. Vou tentar ser breve, Zé. Sabia que ele não tolera a sombra? Prefere o sol escaldante e tolera bem as secas? É uma árvore tinhosa e tanto! Cresce muito devagar. Nos primeiros três anos de vida, as raízes crescem até um metro e meio, enquanto a planta não passa de cinco centímetros. Aos quatro anos, o cedro começa a crescer cerca de vinte centímetros ao ano. Só aos quarenta produz sementes. O cedro do Líbano chega a atingir quarenta metros de altura e quatorze metros de diâmetro no tronco.
Zé, acomodou-se, olhando o amigo. De repente estava interessado. A fala mansa de Antonio, levava-o longe da preocupação. Menos mal.
_ Sabia que Jesus foi crucificado numa cruz de cedro? Sua madeira era usada, no antigo Egito, para perfumar e embalsamar. Seu tempo de vida é de mil a três mil anos.Os cedros são os monumentos naturais mais célebres do mundo. É conhecida como a árvore da vida. Seu crescimento é lento, mas com estabilidade.
Zé, sentiu os olhos úmidos. Estava entendendo onde o amigo queria chegar.
Foram interrompidos por Helena, com uma bandeja de café fresco e bolinhos saídos do forno.
Ela sentou-se junto aos dois, sorridente. A conversa desviou-se para as famílias de ambos, a lida diária.
O céu coalhado de estrelas, chegou sem que percebessem. Convidado para o jantar, Zé recusou. Precisava voltar para a casa. A mulher o esperava, com certeza preocupada.
Antonio acompanhou-o até a caminhonete.
_Zé, vamos continuar esta conversa em breve.
Pelo retrovisor, viu o casal lhe acenando adeus. A brisa suave da noite, refrescou-lhe o rosto.
Se pudesse, Zé ficaria ali. Muita coisa lhe vinha à mente. E uma grande paz também.
Ao contornar o caminho, os faróis iluminaram em cheio o pequeno cedro.
Quase em reverência, diminuiu a velocidade e não pode evitar um sorriso de cumplicidade.