a cortezã virgem - Cap XVI

A CORTEZÃ VIRGEM Cap. XVI - A

- Por que você está falando tudo isso Jaade?

- Por quê?! Para que você não deixe escapar a felicidade pelo meio dos dedos. E creia que ela não está no fundo daquele lago... Disto, você pode está certa, minha amiga!

- Bem, Jaade, você está se esquecendo do seu encontro.

- Realmente estou me esquecendo, e não posso perder este encontro, não quero que seja tarde demais para me arrepender de não ter feito, mesmo que isso venha me acarretar muitos aborrecimentos futuro.

- Não entendi Jaade, por que isso poderá prejudicá-la?

- O tempo dirá. E agora você vai comigo, ou quer que eu o traga aqui?

- trazê-lo?! E o que isso pode me interessar?

- Por quê? Porque ele não me interessa nada, nada! E sim a você!

- Jaade, eu a proíbo...

- Você não me proíbe nada. Desta vez eu não vou temer o castigo, ou algo que possa me prejudicar. Tem mais; mesmo que tenha que brigar com você; não a deixarei ir mais naquele lago sozinha. Pelo menos, enquanto não estiver curada desta obsessão sem propósito!

- Você não pode fazer isso. Eu ainda sou a dona desta casa e...

- E eu sou apenas uma empregada por enquanto! E uma enfermeira também e uma empregada, e eu me sinto como uma enfermeira. Tratando de uma doente. É isso que você é. Uma doente! E uma boa enfermeira deve se for necessário dar umas palmadas nos seus pacientes rebeldes!

- Nossa Senhora, como está valente!...

- Jaade a abraçou e disse carinhosamente: “Jessika, minha amiga querida; por favor, não se mate”!

Jessika subiu para seus aposentos, e Jaade ficou pensando no que fazer. Se devia mesmo procurar o Alvaro, e convidá-lo para visitá-las!

A sineta tocou. Era Jessika chamando a Jaade.

O que me importa, pensou: Se ela quiser me dispensar, que o faça. Pelo menos eu estarei cônscia de que fiz o que deveria fazer!

Jaade bateu levemente na porta do quarto e a vós ralhou logo que ela entrou: - Desde quando você precisa bater na porta para entrar, Jaade? Não faça mais isso, se não quiser que eu me aborreça com você!

- Desculpe-me Jessika eu...

- Eu, eu... O que? Você é uma idiota! Uma idiota maravilhosa, que conseguiu me fazer ver a verdade!

Sabe? Eu gosto muito de você, e nunca pensei que com sua idade, pudesse ver a minha vida desta maneira!

Me ajuda trocar de roupa. Escolha um vestido!

- Posso?

- Deve! Jaade escolheu aquele vestido que ela estava no dia que a conheceu, e ela viu o Alvaro pela primeira vez na festa da Piedade!

- Por que este vestido; Jaade?

- Porque eu gosto dele!

- Então fica para você!

- Não, Jessika, ele fica melhor em você!

- Eu não o quero. Ele me traz amargas recordações!

- Mas é por isso mesmo. Se você quiser se curar, terá que espantar os fantasmas das recordações.

Vamos. Eu tenho que me aprontar também! E já estamos atrasadas! Não vamos deixar o cavalheiro esperando por muito tempo.

- Está bem, chama a Claudete. Quero que ela me faça um penteado!

Quando a Claudete entrou, ela disse: - O que está esperando me faça um penteado bem bonito!

Então a Claudete disse: - Não adianta fazer penteado bonito. A cara não ajuda!...

- Se eu não ficar bonita, pode despedir do seu emprego!

- Olhe, sei fazer penteado, mas não aprendi a fazer milagre. Veja Jaade se isso é possível!

- Não perca tempo, Claudete, faça um birote, e está muito bom!

Jaade disse e saiu correndo, enquanto a Jessika lhe atirou uma almofada.

Depois de pronta, Jessika disse: - Jaade, eu não vou. Não me agrada este encontro. Mas se você quiser convidá-lo eu o receberei com muito prazer. Ele será esta noite o meu convidado especial!

- Você vai recebê-lo como um convidado especial na reunião?

- E por que não?

- Não sei! Não me parece uma boa idéia! Outro. É apenas o convidado da noite, como de costume!

- Continuo não gostando da idéia!

- Por que não? É melhor que ele pense como os outros; não quero enganá-lo. Ele precisa saber o que eu sou!

- E o que você é Jessika?

- Eu sou uma...

- Minha amiga, por que se tortura tanto? Eu vou lhe dizer uma coisa. E você guarde muito bem!

Não vou ter medo nunca mais de perder o emprego, todas as vezes que tiver de falar o que sinto, quando você não tiver razão. Saiba que eu gosto de você, e isso você não tenha dúvida! E sabe também que eu faço qualquer coisa por você. Mas uma coisa eu não vou permitir, é que você estrague sua vida. Por isso esteja preparada para me despedir, por que vou estar sempre preparada para não permitir que você faça qualquer...

- Qualquer asneira, interrompeu Jessika!

- Isso mesmo! Não vou permitir que você faça qualquer coisa que possa prejudicá-la.

Prefiro perder este emprego que preciso tanto; gosto de trabalhar com você, com ou sem privilégio! Mas estarei sempre preste a interferir em qualquer atitude inconveniente de quem quer que seja!

Se você quiser convidar o Alvaro como seu convidado especial, que o faça. Eu não posso evitar, mas estarei ao seu lado vigiando!

- Está bem, mas vá. Convide o rapaz para a noitada.

- E quem vai recepcioná-lo, você?

- E por que não?

- Está bem. Se ele quiser vir; o que não tenho certeza de que aceite o convite!

Foi à pior reunião que aconteceu em toda a existência da casa!

Era ainda muito sedo, quando começaram as despedidas. Não havia ambiente! O êxodo foi total! Os dois ficaram as sós.

- Fala agora o que o senhor pensa de mim, disse Jessika com uma vós pungida, por dor íntima!

- Não compreendi!

Ah! Já sei! O que o senhor pensava?

- Mas ainda penso: “Acho-a hoje tão bonita, ou mais do que todas as vezes que a vi.

- Não é isso!

- O que então? Diga-me; disse o rapaz sem entender!

Alvaro passou o braço pela sua cintura e apertou-a contra o seu peito.

Ele estava sentado, e ela em pé. Seus lábios tocaram levemente seu colo, onde encontrou a covinha dos seus seios ocultos pela blusa fina de cambraia branca. Com a tez vermelha e em brasa por estar ali sozinha com aquele desconhecido.

Sua primeira reação foi de fugir. O rubor cobriu-lhe o rosto, mas deixou-se tomar nos braços pelo Alvaro, sem a menor resistência, mas com uma tímida resignação! Mas parecia que o sangue refluía ao coração.

Duas lágrimas, longas e sentidas, rolaram vagarosamente na face, que parecia cristalizar coalhar, de tanta emoção, ou desespero, quem sabe?

Alvaro percebeu, e retirou o braço, enquanto Jessika sentava-se trêmula!

- Por que será, pensou Alvaro!

- Desagrada-lhe o meu abraço, Jessika?

- Não! Por favor, não se agaste comigo!

- No entanto se ofendeu com uma simples carícia!

- Não, não me ofendi!

- Então o que significa estas lágrimas?

- Por favor, não repare, foi apenas a emoção que fez o sangue abrir-me a cabeça. Mas isso passa logo, verá!

Terminou com um sorriso doloroso!

- Espera contanto; que eu a faça a corte. Seria naturalmente ridículo para nós ambos, não?

- De certo; confirmou amargamente Jessika, que acompanhou esta última frase, com uma gargalhada estridente, e um olhar cheio de indignação, que veio bater na face do Alvaro, cobrindo com o mais agro desprezo, que pode um coração magoado de mulher destilar!

- Se é isso que pensa, acudiu Jessika, tomando-lhe a mão e conduzindo-o para o seu aposento.

Dirigindo-se par a um canto, afastou com movimento brusco, um cortinado de seda pura, que desvendou uma alcova ricamente ornada. Estendeu a mão para o seu companheiro, convidou entrar com um sorriso nos lábios, que mais parecia um sorriso de morte. Ficou parada diante dele, sem dar uma palavra.

Era outra mulher. Havia um abismo de sensualidade. Seus movimentos automáticos, mas seguros; demonstravam transfiguração completa.

Enquanto Alvaro a admirava, suas mãos ágeis; desfazia aquela linda trança com luxúria. Seus cabelos negros rolaram pelos ombros. E com movimentos ainda mais impensados, apareceu diante dele, apresentando sua completa nudez!

- Alvaro saiu correndo daquele quarto, e encontrou Jaade subindo as escadas, que preocupada, não tinha o desejo de interromper aquele encontro que na certa iria magoar profundamente sua amiga. Ela não estava preparada para este tipo de encontro. Não acreditava que Jessika tinha convidado o Alvaro para os seus aposentos simplesmente. Alguma coisa estava errada. Eles iam se machucar, e muito!

- Alvaro, o que aconteceu, perguntou Jaade aflita?

Nesse momento apareceu Jessika no topo da escada.

- Deixe-nos, Jaade, por certo temos muita coisa ainda para conversar, não é mesmo senhor Alvaro? Não vai abrir sua carteira, e pagar-me como todos os outros, ou pelo menos é como o senhor pensa que é assim que acontece. Não é mesmo senhor Alvaro?

Diga-me, senhor, quanto vale os momentos de carícias que se deliciou? Uma moeda? Não seria uma paga muito cara?

- Não senhor uma moeda é muito por mim, eu não valho tanto, por que não conseguir levar-lhe ao orgasmo!... Não era assim que me queria?

Enquanto que Alvaro a fitava. Não acreditava no que estava ouvindo.

As mãos crispadas sentiram dó daquela mulher. Era como se a vida a abandonasse!

E quando Alvaro deu-se a perceber, ela disse com uma vós velada: - “Que importa ao senhor; mulheres como eu?” Contanto que sirva para gozar da minha mocidade, proporcionar prazeres lascivos!

De que servem a velhice, as mulheres do meu meio?

Jessika estendeu a mão para se despedir, e disse: - “Não tenha pena e mim, meu amigo!”

Aquela cena assistida pela Jaade que num canto se derretia em lágrimas, sem que fosse visto por eles.

Depois que Alvaro saiu, Jaade correu para os aposentos de Jessika, e a encontrou debulhando-se em lágrimas. Sentou-se ao seu lado na cama, tomou sua cabeça e repousou no colo, sem dizer nada. Deixou que ela derramasse todas aquelas lágrimas que desabavam como uma torrente. Era uma verdadeira cascata de lágrimas sentidas e de desespero.

Com o tempo ela foi se acalmando. Jaade esperou que ela falasse, se desejasse!

Num momento como este; qualquer coisa que se fala, não faz sentido, só serve para piorar a situação. Ferir mais os sentimentos e deixar-nos com pena de nós mesmos!

Viu o que fiz Jaade, eu estraguei tudo, tudo! Não se agaste tanto querida, agora está feito. Eu tenho um pouco de culpa, não devia ter deixado você subir. Não era isso que desejava fazer! Você queria magoar o Alvaro e a você mesma!

- É ele confundiu tudo!

- Não, Jessika, não foi ele, foi você. O que queria provar a ele com esta atitude? Que você é uma mulher de vida fácil?

- Mas o que sou eu Jaade? Para ele é o que sou! Então por que esperar para provar que ele está errado? Que está enganado ao meu respeito?

- E é se expondo desta maneira?... Meu amor, você não tem que provar nada a ninguém! E não é pelo lado físico, o que importa para eles, mas pelo lado moral!

- Moral?!

-Sim, Jessika, pela moral! Você não é uma mundana, e nunca será!

- Então diga o que somos! O que pensam de nós, todos eles? A sociedade. O outro lado como você mesma falou, diga!...

Você está muito nervosa. Não consegue raciocinar. Vamos a Piedade? Hoje tem apresentação de variedade barroca. Quem sabe encontramos algo para mudar a fisionomia desta casa. Está me parecendo muito senhoria!

Eu acho uma boa idéia!

Via-se a força que ambas estavam fazendo para desanuviar aquele ambiente!

Felizmente, pensou Jaade: “As outras não perceberam nada. Apenas Claudete percebeu, e entrou no quarto da Jessika, depois que Jaade desceu, e disse: - Jessika, eu posso lhe dizer uma coisa?”

- Claro, Claudete, o que é?

Você não vai ficar braba comigo não. Mas eu ouvi o que aquele senhor lhe disse. E eu imaginei como você estava se sentindo! Sabe, se ele encostasse um dedo em você, eu o matava. Eu ouvi tudo o que conversaram e sabia que você estava fazendo aquilo era por desespero!

Por favor, Jessika, não faça isso. Deixe este lugar. Isso aqui não é para você!

- Obrigada Claudete, mas eu tenho que continuar, mas serei mais prudente, pode acreditar!

- Conte comigo ta, mas cuidado para não se machucar!

Dias depois daquele acontecimento; Jessika e Jaade estavam assistindo a uma ópera, e de longe o Alvaro as observava com um binóculo.

Jessika achou aquela atitude de muito mau gosto. Sentiu revolta, mas no mesmo tempo desejo que ele a procurasse. Nem percebeu que a ópera havia começado!

Ela estava vestida com certa galanteria, mas sem a profusão de adorno, sem exuberância de luxo que ostenta as cortesãs. Ela acreditava na sua beleza natural. Não como um anjo decaído, que deseja a casta simplicidade da mulher honesta; quantas vezes não são observadas por alguém ou por uma sociedade desfraldada nesta frugalidade.

Foi em vão sua espera. No intervalo, elas notaram que Alvaro não estava mais no seu camarote. Pensou que ele estivesse vindo vê-la, mas enganou-se.

Naturalmente fora fumar seu charuto em companhia de amigos. E quem sabe, vangloriar-se da última conquista, pensou Jessika!

Jaade percebeu a impaciência dela, perguntou-lhe: Você está bem, Jessika? Tem certeza de que quer ficar até o fim?

- Preciso ficar. Não posso demonstrar fraqueza agora.

- Concordo plenamente... Fiquemos!

Foi uma grande ovação no fim da peça. Na verdade, Jessika não podia dizer se era realmente merecido. Quando foram acesas as luzes, Jessika não viu o Alvaro no seu camarote. Então ela pensou: Ele saiu antes, não queria vê-la naturalmente!

À volta para casa foi de uma mudez total.

Jaade a tinha compreendido. Ficou também calada, dando a ela oportunidade de reconhecer que está fazendo uma grande asneira, o mantendo longe dela.

No dia seguinte, a reunião foi muito animada, pois era o aniversário do Rogério. Jessika fez questão de homenageá-lo com uma festa.

Naturalmente estava esperando que Alvaro viesse, por que fora convidado.

A festa transcorria ruidosamente entre vivas para o aniversariante.

De repente um silêncio interrompeu a conversa animada que Jessika mantinha com Rogério.

Ela levantou-se e se dirigiu para a porta. Pegou na mão daquele que para muitos era desconhecido, e se dirigiu para o meio do salão, e falou: - Senhores e senhoras lhes apresento; o senhor Alvaro, recém chegado de Pernambuco.

Quero que vocês o recebam como alguém do nosso rol de amizade!

Alvaro em pé, deslocado naturalmente, no meio daqueles desconhecidos. Estava se sentindo mal, mesmo por que depois da apresentação, Jessika voltou conversar com Rogerio!

Jaade percebendo o deslocamento de Alvaro foi ao seu encontro e o acudiu, evitando assim perguntas inoportunas de alguns convidados que se achavam desprezados pela Jessika, e mesmo pela Jaade.

O que na verdade não era isso que estava acontecendo. Apenas precisava proteger o Alvaro, e evitar um rompimento definitivo entre Alvaro e Jessika! A festa foi animada até muito tarde. Rogerio estava feliz e agradecia a cada momento a Jessika pela lembrança. E pela homenagem que lhe fizera.

Alguns convidados já se despediam, mas alguns ficaram, e comentavam: “Quem será o felizardo desta noite?”

Jessika passando por eles ouviu, e falou: “O senhor por certo não é, e nunca será!”

- Jessika, eu não falei por mal, não quis ofende-la!

- Mas ofendeu, e se me permite preciso ficar a sós com o meu convidado!

Ela não tinha percebido o que dissera, principalmente diante do Alvaro.

Sua imagem ia piorar naturalmente diante do conceito dele. Mas naquele momento, Jessika não pensou em nada. Não admitia insinuações maldosas, envolvendo o seu nome! Mas o que ela queria? Uma redoma de vidro? O que esperava? Qual o juízo que ela esperava que o Alvaro fizesse? Depois de uma reunião daquela?

- Jaade percebeu na fisionomia de Alvaro, uma tremenda decepção. E temia o que pudesse acontecer se Alvaro permanecesse lá. Tinha que dar um jeito de mandá-lo embora. Então pediu ao Rogério que o convidasse a acompanhar, de uma vez que ele não conhecia bem a Bahia.

Depois que todos foram embora, Jaade perguntou: Você perdeu a cabeça, Jessika, o que quis demonstrar ao Alvaro? Que estas reuniões terminam com você escolhendo mesmo um dos convidados para a cama? Você não entende que ele nunca irá compreender que você não é mundana?

- E o que vai alterar no seu pensamento? Você por acaso sabe o que ele pensa de mim? Ele por acaso acreditará que sou virgem, e que desejo casar-me um dia como virgem? O que eu posso fazer para que ele acredite, a não ser fazendo o que fiz naquele dia!

- Não Jessika, minha querida amiga, não é isso que você tem que fazer! Ele simplesmente tem que acreditar, por que você está lhe dizendo que é virgem. Você não terá que lhe provar nada, minha amiga!

Ele a ama; e você o ama. E quem ama realmente confia, não precisa dar prova e nem as pede. Precisa apenas de sinceridade. Falar-lhe simplesmente o que você é. Lógico que ele irá contestar, mas creia com seus próprios botões. Porém não espere que seja fácil para ele vendo-a onde está, e depois o que você falou hoje para que todos ouvissem!

Foi uma ingenuidade a toda prova. A quem de bom credo pode acreditar que você é o que realmente é...

- O pior de tudo, Jaade, é que você tem razão!

Lício Guimarães
Enviado por Lício Guimarães em 07/02/2013
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