Lugarzinho no meio do nada
Lembro-me que era exatamente como está. Nem mesmo o tempo modificou aquela paisagem tão nítida em minha mente. O cartaz do circo que passaria pela cidade ainda está colado no mesmo poste da rua número quatro. A bailarina, o palhaço e o mágico ainda estão na mesma posição, a qual provocou tantos sorrisos, hoje figura desbotada.
Entrei pelo lado sul da cidade. Minha casa ficava a poucos metros dali. Percorri mais uma vez o caminho que fiz tantas vezes quando voltava da escola a pé. Admirei pelo lado de fora a escola que agora velha tinha as vidraças quebradas, não por boladas do time de futebol, mas por causas as quais ninguém nunca saberá, pois agora minha terra natal era inabitável.
Continuei caminhando pela avenida principal. Avistei o jardim de uma rosa só. De longe não via mais a linda roseira no centro do jardim dos Korolenko. Porém, quando cheguei mais perto consegui ver uma pontinha vermelha no meio do lugar sem cor. Sabia que a roseira de uma rosa só estava lá em algum lugar na neve.
A partir dai, as imagens vinham na minha mente automaticamente. As ruas estavam cheias de crianças jogando bola, pulando corda. As casas em ruínas se reconstruíram. Os carros buzinavam, estava no caminho deles.
Aquele dia em que o maior orgulho da pacata cidade de Chernobyl decepcionou os seus admiradores foi apagado da minha mente. Não tinha mais a lembrança de que o lugar em que nasci hoje era abandonado, inabitável. A radiação era a única moradora viva da cidade.
Já estava anoitecendo quando cheguei a frente da minha casa. Senti o cheiro da inconfundível comida caseira feita por minha mãe. Podia ver o que se passava na sala através da única janela do cômodo. Mesa posta e lareira acesa lançava fumaça pela chaminé. Preparei-me pra entrar em casa.
Olhei no relógio de pulso. Seis horas. De relance virei para a igreja as minhas costas. Escutei o badalar do sino na mais alta das torres. Acordei.
Voltei para a dura realidade, não havia crianças, carros ou chaminé acesa. Eram seis horas e precisava abandonar Chernobyl, a radiação me expulsava mais uma vez do leito do meu berço.