NATUREZA MORTA COM MOÇAS
E de pouca valia o que se fala, enquanto o chá é deitado à xícara. A xícara com ramos azuis. O chá, qualquer coisa esverdeada.
Então as interlocutoras se olham como que enxergando a vida num quadro desengonçado.
Nada de novo perturba a serenidade enfadonha, nem mesmo o aroma insinuante,seja do perfume das moças, seja do chá de ervas .
As duas moças são arremedos da vida passiva. São o quase. E é só isso. Apesar das palpitações e da vida monstruosa que carregam, não vão além do previsível ato de levarem a xícara até a boca. Para depois, a pousaram suavemente. Coreograficamente.
O tempo se congela por um instante no mesmo momento em que o coração das duas moças, que raramente funciona, cessa as suas funções. E então, os longínquos pensamentos indecorosos, penetram na corrente sanguínea, e trazem calafrios convenientes. Desses para se procurar, logo depois, um casaco de meia-estação.
Mas nem tudo está perdido, porque há os peixes. Que no aquário, vez por outra se agitam, justo quando o criado se aproxima da mesa. E este, olhando bem discretamente o decote da moça número um, sente uma vontade imensa de tocar o que não é permitido. E isso será prontamente resolvido mais tarde, em um ato solitário.
A moça número um e a moça número dois, não falam. Apenas movimentam os lábios . E deles, saem línguas estranhas, sussurros, risos frouxos, números. E isto visto da perspectiva do criado, é como língua angelical.
E outono. Mas as folhas nem se dão ao trabalho de cair para começar tudo de novo. Apenas um outro vento invade o jardim, para lembrar que o mundo ainda está vivo.
Sobre a cabeça das moças, há chapéus de abas largas, tão antiquados quanto o ato de se falar em línguas não terrestres.
E muito mais que isso aconteceu, e pode acontecer. Mas nessa zona branca entre a vida e a morte, nada pode ser perceptível porque é, por natureza, estático. Não é morto nem vivo. Não é feliz nem triste. É apenas convencional... Burocrático.
E mais uma vez o criado se aproxima. Dessa vez há perfume. Há um cheio insuportavelmente asséptico. Limpo. E isto faz as narinas se comprimirem. Até sangrarem por dentro, pois isto sim, não é natural. Não é inteligível. Um cheiro desses não é para mortais comuns. Não é para seres de pouca valia. E justamente por isso, é que o criado reitera sua postura de dignidade, que é a postura do equivocado em relação aos deuses a quem se odeiam.
O que era desejo vira respeito. O que era respeito vira perversão. E nesse pequeno jogo de xícara, chás derramados e bandejas de prata, aufere-se apenas o elegante jogo teatral. Não um ensinamento para a vida. Porque há quem detenha os cheiros do mundo e há quem os ambicione. E assim, resume-se tudo em um só alforge, que irá guardar os conflitos de seres que são diferentes apenas na sua língua de anjos caídos.
A moça um, ante a grande verdade da vida, que se espoja na sua frente, se permite apenas um bocejo. Especialmente quando surge Bach no aparelho de som. E a verdade das notas tenta de toda forma matá-la, mas ela é inocente demais para se aperceber de detalhas como esse. Já a moça número dois, permaneceu congelada no tempo, com sua xícara suspensa, e projéteis vindos de todas as direções.
Mais tarde, quando um dia, for noite, talvez elas possam escolher um dos lados da vida. Mas agora não, pois suas peles ainda são alvas, suas mãos ágeis e elegantes, e seus dentes ainda permanecem na boca.
Por enquanto, o que importa é cravar pequenos alfinetes nas mãos, e vez por outra, se permitir uma gargalhada, apenas para se alimentarem de seus ecos. Porque aqui, não se rí de verdade. Ninguém foi treinado para isso.
O jardim, este, talvez seja um túmulo. Ou uma pintura na parede. Ou um cemitério durante o dia. Ou um navio fantasma. O mesmo talvez do holandês voador.
Fato é que a criadagem, esse pequeno elemento que permite um pouco de lucidez, é quem dá a justa medida da estrutura da cena. Porque ela, a criadagem, nunca se contaminou com os cheiros e os gostos das almas apodrecidas.
E é sempre assim que se compõe o vácuo. Porque ninguém é imune ao desejo. E este, termina por anular a vida.
Não antes de se terminar o chá. Este elemento esverdeado e insólito. Que envenenado ou não, cumpre sua função.
Menos, entretanto que a do criado cheio de desejos. Este serve para que tenham as moças, duas escolhas. Ou cortarem os pulsos com a faca de manteiga, ou se atrelarem uma a outra sobre a mesa do jardim.
E de pouca valia o que se fala, enquanto o chá é deitado à xícara. A xícara com ramos azuis. O chá, qualquer coisa esverdeada.
Então as interlocutoras se olham como que enxergando a vida num quadro desengonçado.
Nada de novo perturba a serenidade enfadonha, nem mesmo o aroma insinuante,seja do perfume das moças, seja do chá de ervas .
As duas moças são arremedos da vida passiva. São o quase. E é só isso. Apesar das palpitações e da vida monstruosa que carregam, não vão além do previsível ato de levarem a xícara até a boca. Para depois, a pousaram suavemente. Coreograficamente.
O tempo se congela por um instante no mesmo momento em que o coração das duas moças, que raramente funciona, cessa as suas funções. E então, os longínquos pensamentos indecorosos, penetram na corrente sanguínea, e trazem calafrios convenientes. Desses para se procurar, logo depois, um casaco de meia-estação.
Mas nem tudo está perdido, porque há os peixes. Que no aquário, vez por outra se agitam, justo quando o criado se aproxima da mesa. E este, olhando bem discretamente o decote da moça número um, sente uma vontade imensa de tocar o que não é permitido. E isso será prontamente resolvido mais tarde, em um ato solitário.
A moça número um e a moça número dois, não falam. Apenas movimentam os lábios . E deles, saem línguas estranhas, sussurros, risos frouxos, números. E isto visto da perspectiva do criado, é como língua angelical.
E outono. Mas as folhas nem se dão ao trabalho de cair para começar tudo de novo. Apenas um outro vento invade o jardim, para lembrar que o mundo ainda está vivo.
Sobre a cabeça das moças, há chapéus de abas largas, tão antiquados quanto o ato de se falar em línguas não terrestres.
E muito mais que isso aconteceu, e pode acontecer. Mas nessa zona branca entre a vida e a morte, nada pode ser perceptível porque é, por natureza, estático. Não é morto nem vivo. Não é feliz nem triste. É apenas convencional... Burocrático.
E mais uma vez o criado se aproxima. Dessa vez há perfume. Há um cheio insuportavelmente asséptico. Limpo. E isto faz as narinas se comprimirem. Até sangrarem por dentro, pois isto sim, não é natural. Não é inteligível. Um cheiro desses não é para mortais comuns. Não é para seres de pouca valia. E justamente por isso, é que o criado reitera sua postura de dignidade, que é a postura do equivocado em relação aos deuses a quem se odeiam.
O que era desejo vira respeito. O que era respeito vira perversão. E nesse pequeno jogo de xícara, chás derramados e bandejas de prata, aufere-se apenas o elegante jogo teatral. Não um ensinamento para a vida. Porque há quem detenha os cheiros do mundo e há quem os ambicione. E assim, resume-se tudo em um só alforge, que irá guardar os conflitos de seres que são diferentes apenas na sua língua de anjos caídos.
A moça um, ante a grande verdade da vida, que se espoja na sua frente, se permite apenas um bocejo. Especialmente quando surge Bach no aparelho de som. E a verdade das notas tenta de toda forma matá-la, mas ela é inocente demais para se aperceber de detalhas como esse. Já a moça número dois, permaneceu congelada no tempo, com sua xícara suspensa, e projéteis vindos de todas as direções.
Mais tarde, quando um dia, for noite, talvez elas possam escolher um dos lados da vida. Mas agora não, pois suas peles ainda são alvas, suas mãos ágeis e elegantes, e seus dentes ainda permanecem na boca.
Por enquanto, o que importa é cravar pequenos alfinetes nas mãos, e vez por outra, se permitir uma gargalhada, apenas para se alimentarem de seus ecos. Porque aqui, não se rí de verdade. Ninguém foi treinado para isso.
O jardim, este, talvez seja um túmulo. Ou uma pintura na parede. Ou um cemitério durante o dia. Ou um navio fantasma. O mesmo talvez do holandês voador.
Fato é que a criadagem, esse pequeno elemento que permite um pouco de lucidez, é quem dá a justa medida da estrutura da cena. Porque ela, a criadagem, nunca se contaminou com os cheiros e os gostos das almas apodrecidas.
E é sempre assim que se compõe o vácuo. Porque ninguém é imune ao desejo. E este, termina por anular a vida.
Não antes de se terminar o chá. Este elemento esverdeado e insólito. Que envenenado ou não, cumpre sua função.
Menos, entretanto que a do criado cheio de desejos. Este serve para que tenham as moças, duas escolhas. Ou cortarem os pulsos com a faca de manteiga, ou se atrelarem uma a outra sobre a mesa do jardim.