A CORTEZÃ VIRGEM - Cap. XII
A CORTEZÃ VIRGEM – Cap. XII
Quando eles saíram, Joice abriu os olhos e murmurou. “Pobres amigos” pensam que não sei o meu estado! Mas agora eu fico mais descansada. Pelo menos se eu morrer; deixo minha fortuna nas mãos de uma pessoa que foi tão sofrida como eu fui!
Agora preciso mandar concluir o testamento, e a procuração...
Joice foi internada para se recuperar daquela crise. Mesmo no hospital, ela mandou chamar seu advogado, e ordenou que providenciasse a procuração!
O advogado já tinha pronta por que ela já havia mandado preparar e esperar apenas que Jessika resolvesse aceitar! Ela ficou três dias no hospital. Saiu muito abatida, a ponto de preocupar Rogério, que resolveu viajar com ela imediatamente.
A viagem nesta época é muito difícil, e demorada. Por isso ele achou por bem não deixá-la ir sozinha!
Uma tarde muito quente, daquelas que faz na Bahia de Salvador, Jessika estava á beira do lago. Aquele que ela procura sempre quando quer meditar.
Ali é um lugar aonde nos encontramos muito perto do Criador. É um lugar que parece que Deus passou mais de uma vez distribuindo beleza!
E um lago que apesar de tudo, tem um nome romântico, mais tenebroso! “Sumidouro”! Tem este nome por que o lago apesar de parecer sereno na superfície, no fundo tem uma correnteza enorme. E tudo o que cai ali some. Não se sabe aonde este lago desemboca. Deve pegar o grande lençol freático que deve passar muito raso por ali. Foi o que afirmou um geólogo! apesar de ser muito lindo, é perigoso. Muitas pessoas já perderam a vida ali.
Até como expiação, para aqueles supersticiosos e crentes!
Numa tarde, Jessika estava á beira do lago pensando na Joice. Pois não tinha notícia dela. Já estava preocupada. Sentia uma grande melancolia. Uma vontade enorme de chorar. Talvez a saudades justificasse aquela tristeza.
Na noite anterior, ela havia feito uma festa para comemorar o seu aniversário, e sentiu uma falta enorme de Joice.
Não era justo está se divertindo, quando a sua amiga estava doente, longe da sua terra, e sozinha. Com pessoas desconhecidas cuidando dela, sem nenhuma consideração.
Então tomou uma resolução: “Como já disse que naquele lugar era aonde conseguia resolver os mais difíceis problemas, e tomar decisões!”
Vou pedir para Rogério ir visitar Joice. Não estou gostando deste silêncio, e a última carta não me convenceu da sua melhora! Por que ela continua lá sem data para voltar, se está boa!
Há alguma coisa errada. Se eu própria não vou, é por que não posso me ausentar, mas acredito que Rogério pode fazer esta viagem. Serão pagas as despesas pela empresa é claro!
Jessika estava ainda meditando sobre a situação da Joice, não percebeu a aproximação de Rogério, que com muito cuidado veio lhe dar a triste notícia!
Ele colocou a mão no seu ombro, perguntou-lhe: - está triste, Jessika? Desde ontem a vejo assim!
- Estou muito preocupada, Rogério. Estava mesmo pensando em você!
- Não gostei. Você estava triste por que estava pensando em mim? - Não, meu amigo. Você sabe que é muito importante para mim! O que seria de mim sem você. Sem a sua amizade, sem o seu apoio.
- Obrigado minha amiga! Mas infelizmente nem sempre é possível fazer as pessoas amigas felizes, principalmente quando temos que dar más notícias e fazê-lo sofrer!
- Fazer-me sofrer?! Por que você faria isso? Eu não acredito meu amigo, você seria a última pessoa que me faria sofrer!
- Realmente! É a última coisa que desejaria fazer na minha vida, mas, infelizmente as coisas não são sempre com queremos!
- Rogério, o que você está querendo dizer? Alguma coisa sobre Joice, não é?
- É sim, Jessika, ela faleceu!
Jessika não conseguiu dizer uma palavra, ou expressar um gesto se quer! Voltou os olhos para o lago, e ficou imóvel!
Rogério passou o braço sobre os seus ombros, e a levou para dentro, a fim de lhe dar um calmante, mas ela dispensou e disse: - “Não Rogério, não é necessário. E depois eu não quero me dopar! Eu quero ficar bem lúcida. Eu já estou acostumada com coisas assim.”
- Rogério; preciso que você providencie a transladação do corpo dela para o Brasil. Tenho certeza de que ela desejaria isso.
- Está bem, Jessika, vou me informar o que é necessário.
- Mas eu preferia que você mesmo fosse buscá-la!
- Não tenha dúvida, eu farei isso pessoalmente!
- Você sabia do estado dela, não é Rogério?
- Sim, eu sabia; apenas não queria preocupá-la. Mas creia, contudo que tudo o que foi possível ser feito pela medicina, acredite que foi feito! Ela sabia, e estava consciente do seu estado e das suas possibilidades de vida!
- Meu Deus, isso não é justo! Tão jovem, tão bonita, e sobre tudo tão boa e humana!
- Calma minha querida, Deus sabe o que faz! Ele a levou com um grande motivo. Acredito que ela não tinha mais nada o que fazer aqui. Chegou o fim da sua missão na terra. E finalmente, o que ela fez por você!
Não acredito que ela não tenha encontrado alguém com capacidade para cuidar dos seus negócios, apenas ela precisava encontrar alguém que merecesse ser sua herdeira.
- Você não entendeu nada, minha querida. Ela encontrou você, Jessika!
- Eu?! E por que eu, Dr. Rogério? Por que não um parente?
- Ela não os tinha! Então escolheu você. Creia, contudo que ela procurou muito, alguém que ala gostasse, e que gostasse realmente dela sem nenhum interesse, e encontrou este amor, dedicação em você, e a fez com muita justiça sua herdeira universal! “Seja feita a sua vontade”! Você a partir de agora, passa a ser sua herdeira. Ou melhor, por lei já era, pois já havia feito seu testamento, e só faltava você assinar tomando posse.
- Mas ser sua herdeira universal, é herdar tudo o que ela possuir em qualquer lugar sobre a terra! Tais como bens locais, em outros estados, ou em outros países!
Mas ainda não entendi por que eu!
- Sabe, Jessika, você foi procurada cuidadosamente por ela. Questão de simpatia, quem sabe? O que somos para julgar a sua escolha!
Resta apenas agora acatar sua decisão, ou seja; o seu último desejo!
- Está bem, Rogério. Agora providencie imediatamente a sua viagem para ir buscá-la. Vou dar ordem ao advogado para colocar a sua disposição o que for necessário!
- Está bem, agora mesmo!
A noite algumas pessoa procuraram Jessika para saber notícia de Joice. Então ela aproveitou a ocasião para convidá-los para uma noite de oração em intenção da alma dela!
Convidou também pessoas ligadas a Dez!
Foram quarenta e oito horas de vigília...
Dias depois Rogério voltou com um pedido da Joice. Ela não só pedia como exigia que não fosse trasladado o corpo dela para cá, queria ser sepultada lá mesmo. Deixou algumas instruções por escrito para Rogério. As quais nem a Jessika tomou conhecimento. Teria na hora certa!
O que impressionou foi á solidariedade entre as pessoas do ramo. Nunca se viu entre pessoas deste tipo alguma coisa semelhante.
A casa ficou de luto por alguns dias. Jessika não a fechou definitivamente, apenas durante o tempo natural de nojo!
A reabertura da casa; foi marcada para depois de uma reforma que ela deveria fazer!
Dona Zuleica voltou, e quis ir embora. Mesmo por que, ela nada mais tinha a fazer; logo que Joice sua patroa, amiga querida não existia mais.
Então Jessika pediu para que ela ficasse; dizendo: - “Eu sei que a senhora amava a Joice, e ela era como uma filha, mas infelizmente ela não está mais no nosso meio, mas eu tenho certeza de que onde ela estiver, ficará feliz se a senhora permanecer aqui cuidando das suas coisas e que só a senhora sabia cuidar! “Eu não quero ter a pretensão de ocupar o lugar dela no seu coração, mas pelo menos um pouquinho do seu amor. Isso que a senhora tem tanto!”
Por favor, não me deixe!
- Minha filha, disse Dona Zuleica. Eu não sei se você deseja isso de coração, o que não quero duvidar, por que você é uma boa menina, e sei que é carente de afeto sincero igual ao que Joice sentia por você. É claro que eu gostaria de ficar aqui.
Sabe? Quando Joice nasceu, eu já estava ao seu lado, cuidando dela, protegendo-a, mesmo nos seus piores tempos, quando passava necessidade, e começo da sua vida aqui na Bahia.
- Dona Zuleica, eu gostaria de mais uma vez pedir para que a senhora não me abandone. Eu sei que não serei como a Joice. Não quero ter a pretensão que a senhora goste de mim, como gostava dela, mas com o tempo... Eu preciso tanto da senhora. Talvez mais do que a Joice precisava. Ela era o que pode dizer dona e absoluta da situação, apesar de tudo o que passou. Mas eu não! Ela deixou este encargo para mim, de continuar em mim. Mas está difícil demais. A saudade que sinto dela; chega doer o meu coração. Talvez eu nunca tenha amado alguém como eu a amei, talvez nem aos meus pais!
- Não fale assim minha filha. Eu imagino o que você está sentindo que viveu tão pouco com ela. E eu?...
- Eu sei...
- Bem filha, diga-me, de verdade, gostaria mesmo de coração quem eu ficasse?
- De todo meu coração! Eu preciso de ajuda, da sua proteção!
- Mas o que eu posso fazer para ajudá-la, minha filha.
- Nada! A sua presença! Nada mais do que a senhora fazia pela Joice.
- Não quero que alterem nada as suas atribuições e direitos como tinha antes!
Quero que seja como sempre foi. Se tiver que me puxar ás orelhas, eu ficarei muito feliz, por que assim fico sabendo que a senhora começa gostar de mim um pouco.
- Você é uma ótima menina, sabe? Puxou ela deitou sua cabeça no colo e disse: “Eu vou ficar, mas se me garantir que não é só por uma gentileza sua!”
- Gentileza?! Meu Deus! Não é uma gentileza. E é bom que a senhora fique sabendo como sou. Não faço por gentileza, nem por consideração. Quando eu fizer uma coisa, é por que tive vontade de fazer, não gosto de meios termos. A senhora vai ficar e tenho certeza de que seremos boas amigas, por que aprendi a conhecê-la, no primeiro dia que cheguei aqui e a senhora me consolou no meu quarto. Lembra? Eu estava perdida e senti o seu amor, e neste pouco tempo de convivência que tivemos, pude avaliar quanto ele é grande.
Gosto do seu modo de ser, e não quero que mude, pois a admiro muito. Apenas espero corresponder.
Na verdade, é como já disse: Preciso da senhora!
Passou um mês depois do sepultamento da Joice, ou melhor, cremação. A reforma ficou pronta. Então Jessika convidou os amigos para a reabertura da casa.
Foi uma festa muito linda. Tinha o mesmo cheiro daquela que participara quando chegou da Bahia. As mesmas pessoas, o mesmo ambiente, a mesma hipocrisia.
Não ficou devendo nada, as festas que a senhora Dez costumava dar.
Esta festa foi preparada pela Dona Zuleica, Rogério e com a ajuda da Jaade.
Jessika se esforçou mais do que pode para manter a naturalidade. O que foi observado pelo Rogério, e pela Jaade!
A festa transcorreu muito alegre, e quando terminou, ficou apenas a desolação.
Num canto, Jessika recostada numa janela, com o olhar perdido ao longe. No outro canto, Rogério á observá-la, e a cismar o quanto ela deveria estar sofrendo.
Apenas Jaade estava feliz e pediu para a madame Dez, deixá-la passar o resto da noite com Jessika, e procurava desfazer aquele ambiente!
- Foi uma linda festa, não foi Jessika? E você Rogério, gostou da festa?
- Foi muito bonita!
- Meu Deus, gente, o que está acontecendo, por que este clima? Pensei que vocês respeitassem o desejo de... Joice. É isso mesmo! Eu tenho certeza de que ela estava feliz; vendo vocês felizes! Não queiram decepcioná-la agora!
- Você tem razão Jaade, vamos comemorar o sucesso da festa, disse Jessika.
- Venha Rogério, toma uma taça de champanha!
Os três jovens brindaram o sucesso da festa e conversaram sobre a mudança que deveria acontecer na nova direção da casa!
- Eu gostaria de trabalhar com você, Jessika. Mas não acredito que a madama me dispense!
- Realmente! Ela não dispensará. E não é Justo também. É questão de ética. Depois ela precisa de você, como Joice precisava de mim!
- Não acredito, ela é muito egoísta! Não acredito que ela tivesse consideração pelo seu estado, como Joice teve com você.
Nesta altura, você nem seria mais virgem!... Já a tinha vendido para algum coronel velho e barrigudo!
- Jaade, não repita isso. Não acredito que ela me forçasse a isso!
Você não acredita mesmo nisso?
- Não sei. Mas prefiro não julgá-la. E depois é o serviço dela, meu bem. E você sabia disso. Aliás, nós sabíamos disso. Afinal não fomos forçadas a vir par cá. Foi para a nossa própria conveniência! Mas você se saiu bem!
Como você poderia ter se saído, se tivesse vindo para cá. Eu não escolhi esta situação!
- Calma Jessika; apenas estávamos conversando. Eu sei que nós não escolhemos nosso destino. Ele está preparado para cada um de nós, não é mesmo Rogério?
Jessika disse isso para tirá-lo daquele torpor, e ao mesmo tempo, dar um fim naquela conversa que a estava aborrecendo.
- É verdade, você tem razão! Mas agora minhas queridas, eu vou embora. Preciso descansar. Tenho uma consulta bastante enfadonha amanhã!
- Veja como ele fala com nós seus pacientes!
Eu pensei que você fosse passar o resto da noite aqui, disse Jaade!
- Não, minha querida, eu não costumo passar noite aqui na casa da Jessika! Nem mesmo quando... Eu passava a noite. Eu tenho as minhas limitações!
- Limitações? O que você quer dizer com limitações, perguntou Jaade!
- Bem, quero dizer o que me é permitido pela dona da casa!
- Ah! Sim, entendi!
- Você menina, é muito impulsiva!
- Inconveniente; você quer dizer!
- Não, impulsiva mesmo!
- Você tem razão, Rogério, ela é terrível!
Rogério foi embora, e as duas moças foram para os aposentos de Jessika.
- Diga-me Jessika; e agora como vai ser? Você vai ter condição de tocar a casa da maneira que estava antes destes acontecimentos? Você não tem mais a Joice para protegê-la das investidas dos algozes e famintos de carne nova!
- Você não percebeu Jaade, que eu agora sou a dona, e não preciso de proteção? Eu só permito a entrada de pessoas que realmente merece o meu respeito. Se não se comportarem conforme as novas normas que serão implantadas, nós dispensaremos as suas presenças!
- Qualquer um?
- Sem exceção! Eu espero que os melhores amigos desta casa; não me obrigue a ser indelicada, convidando-os a se retirarem, no caso de transgressão das normas!
- Mas de uma forma, são eles que mantêm a casa!
- Engana-se minha amiga. Eu não tenho por que aceitar as pessoas inconvenientes, tornando o ambiente insuportável para as pessoas decentes, que vem se divertir num lugar também decente é o que farei dele, só por que eles dão lucro. Depois eu não preciso de lucros excessivos. Tenho condição de manter a casa, sem que para isso tenha que aturar os abastados baderneiros! E depois minha cara, para que eu preciso de muito dinheiro? Para que aconteça o mesmo que aconteceu com a nossa querida Joice?
- Jessika, por que você se maltrata tanto? Você não vê que está sendo muito ruim para você, esta sua obstinação!
- Obstinação?! Você não vê que estou sofrendo muito? E que agora não posso mais voltar a traz? Que preciso continuar o seu trabalho?
- Não entendo por que você tem que continuar. Você pode simplesmente fechar a casa, e fim!
- Não, minha amiga, não é tão fácil assim! Eu não quero a fortuna da Joice, muito embora ela tenha me colocado como sua herdeira universal.
- Não quer? Mas ela já lhe pertence por lei, e por direito, e como também por desejo dela.
- Por lei, e por desejo, sim. Mas por direito, não!
Eu não tenho direito nenhum de usufruir desta fortuna. - Jessika, o que você quer dizer? Não quer a herança? Você não poderá fazer isso, ela é sua queira ou não!
- Eu tenho um destino para ela. Vou aplicá-la na fundação que ela tinha tanto orgulho dela, e vou por o seu nome!
- Jessika, você já pensou que isso não adianta nada? Olha minha amiga. Nada que você fizer terá valor para ela agora! As coisas materiais; só tem importância quando se é vivo, ou se faz para gente viva. O que você fizer não contará nada para ela, e sim para você. Para ela é só a lembrança. Quem irá se lembrar da Joice, se ela foi apenas um objeto de prazer para os próprios amigos, que tinham orgulho, vaidade de ter possuído uma linda mulher como Joice. E detestada por tantas esposas que a maldizem; e a desejam o inferno como recompensa. E é isso que será lembrado quando virem o seu nome nesta fundação, apesar de tudo!
- Jaade, você está sendo muito dura! A lembrança da Joice se perpetuará numa obra que fizer com seu nome, não importa a quem vai servir como não importa também a quem a maldizer.
- Se engana mais uma vez. A obra vai ser sempre sua, apenas contendo o nome de uma senhora desconhecida. Você poderá sim fazer esta obra, com o dinheiro que ela deixou, mas ela não terá o sentido que você deseja! Como já existe a fundação, continue com ela. Aplique alguma coisa para mantê-la e melhorá-la, mas não aplicar toda a sua fortuna em memória da Joice! Esqueça-a como pessoa, lembre-se dela somente nas suas orações!
Se você não quiser o dinheiro dela, pode simplesmente usá-lo ajudando algumas pessoas necessitadas. Não acredite que ela se importará com isso!
Nada serve para ela na vida que ora vive, por que está desligada de tudo que envolve coisas materiais! E o que lhe é benéfico para esta nova vida, ela fez aqui na terra. Ajudou muita gente, socorreu muitos e muitos. Isso sim conta no julgamento final!
- Como você sabe destas coisas, Jaade?