A cortezã Virgem Cap.VI
A CORTEZÃ VIRGEM – Cap.VI
- Amanhã nós pensaremos o que fazer. Hoje fica assim mesmo. Eu não quero que você se sinta mal.
Hoje à noite nós vamos visitar a Dez. Vamos resolver a sua situação.
- Será bom, quero ver minha Amia Jaade.
- Então está combinado. Depois do jantar! Se você quiser alguma coisa toque a sineta, ela está ali.
- Está bem obrigada!
Jessika recostou-se no divã e ficou pensando em todos os acontecimentos do dia, e por que não dizer, no rumo em que está tomando sua vida.
O que será que esta gente está querendo de mim? Joice, quem será ela na realidade? Uma cortezã?... Meu Deus; me ajuda não permita que eu me perca neste antro de perdição!
Muito embora eu tenha vindo para cá, para enfrentar a vida seja ela como for. Mas agora tudo está mudando de figura, depois que Joice me disse que a minha família não teve nada com os acontecimentos na minha cidade.
Então Magda tinha razão de estar revoltada como o que falavam ao meu respeito. Estas cartas deveriam ser comprometedoras para revoltar minha família e a todos os meus amigos. Estes estavam certos em querer me expulsar da cidade. E quem fez isso sabia o que estava fazendo!
Mas agora eu tenho que esperar, e enfrentar a situação.
Com os olhos cerrados, Jéssica viu descortinar diante dela aqueles absurdos, desde o dia da festa. Começou lembrar-se daqueles rapazes que estavam falando da Joice.
Será que ela sabe o que falam ao seu respeito? Lembrou-se da sua atitude diante dos elogios, e críticas jocosas que faziam dela. Mas Joice parecia muito superior, fingia talvez não ouvir aquelas palavras. Quando passou pela Jessika, voltou ligeiramente á cabeça para olhar para ela, e sorriu:- Então pensou: “Qual é a mulher bonita que não sorri, a um elogio espontâneo, uma palavra de admiração!“ Mas percebeu também que “aquelas críticas mordazes dos rapazes não a atingiu.”
Uma coisa lhe chamou a atenção; foi como Jaade se portou diante de tudo aquilo. Era como se tivesse gostando, mesmo sabendo que Joice gostava dela, e ela da Joice... Que coisa esquisita! Mas Jessika notou quando disse que gostaria de rever Jaade, um pequeno gesto de aborrecimento por parte de Joice. Ou ela estava enganada, pensou:
E naquela meditação que ela adormeceu e com o sono povoado pêlos seus pais, e com o povo de Serrana, sua cidade.
No sonho eles a expulsavam dizendo. “Nós estávamos certos! Ela pensou que nos enganava? Veja o que ela é. Uma prostituta... prostituta... prostituta! E cada vez mais alto, e aumentava as vozes; cada vez mais rancorosos, e até violentos. Ameaçando-a com porretes e pedras. Entre eles estava Magda e toda sua família.”
Magda dizia: “Venha ver o que você fez com o papai, venha! Puxava-a pelo braço.” Quando entrou na sua casa, estava seu pai deitado numa cama de ferro tipo antigo; mais muito luxuosa!
Magda perguntava: “De que valeu todo dinheiro? De que vale todo este luxo, se agora o papai está aí morrendo. A culpa é sua! Sua! Sua!”
Então alguém pegou pelo braço e a sacudiu com força.
Neste momento ela acordou com Joice acariciando seu braço, e perguntando: - Estava dormindo Jessika? Desculpe-me acordá-la assim!
- Não tem importância, estava apenas cochilando. Mas não foi isso que pareceu, pois a chamei da porta, e você não acordou.
É verdade, foi bom você me acordar, eu estava tendo um pesadelo horrível!
- Meu bem; garota como você não pode ter pesadelos, e sim lindos sonhos!
- Sonhava com meus pais.
- Com seus pais, e teve pesadelo?!
- Um dia eu lhe conto tudo e você entenderá.
- Você não deve se preocupar tanto, as coisas não são sempre como queremos que elas sejam. Deixa a vida seguir o seu curso normal. Pelo menos não sofremos tanto mudar o rumo dela.
- Tentarei, disse Jessika, mesmo por que não existe outro meio.
Sabe, quando vim para aqui, estava disposta a tudo. Eu sabia que não seria fácil, que minha vida ia mudar muito. Ou melhor, ia dar uma volta de trezentos e sessenta graus.
- Você tem razão, mas creia que será para melhor, isso eu lhe prometo!
Joice disse isso meio triste, e depois acrescentou: - Não esqueça que depois do jantar iremos á casa de Dez!
- Ótimo! Joice saiu, e Jessika continuou ali imóvel, pensando no sonho que teve, e o que Joice quis dizer com aquilo. “Eu lhe prometo”!
E aquele sonho horrível! O que será que meus pais pensam? O fato é que por enquanto eu ainda não sou uma... Posso muito bem recuar. Mas não farei. Tentarei conservar-me pura, até quanto for possível. Existe muito trabalho que eu posso fazer sem que eu tenha que prostituir, que vá comprometer minha honra, minha dignidade. Ninguém poderá me obrigar a isso, mesmo vivendo aqui.
Meu Deus não permita que eu me afunde nesta podridão! Eu tenho pena da Joice! Como deve ser infeliz!...
Um leve toque na porta despertou-a daquela meditação.
- Senhorita Jessika, Joice manda avisar que o jantar está servido!
- Obrigada, eu já desço.
O jantar transcorreu num grande silêncio. Joice de vez em quando rompia o silêncio, e perguntava se o jantar estava ao seu gosto.
A dona Amelia parecia não gostar daquela preocupação, e comentou: - A senhorita está acostumada com pratos mais sofisticados de São Paulo!
- Realmente! É diferente daqui, mas vocês sabem que sou pobre, e não estou acostumada com finas iguarias como aqui!
- Desculpe-me senhorita, não foi uma crítica, apenas...
- Apenas devemos mudar de assunto, não é mesmo, comentou Joice, cortando aquele assunto que estava aborrecendo a Jessika. Por que ela conhecia o tipo de vida que ela vivia, as suas posses. Em fim sabia que ela era pobre como afirmara a própria Jessika! Depois do jantar foram visitar a madama Dez, quando deveriam resolver com quem Jessika deveria ficar. Isso também ia depender dela.
O reencontro de Jessika e Jaade foi muito alegre. Parecia que as duas já se conheciam á muito tempo.
Joice ficou olhando as duas conversando, e viu quando Jaade pegou na mão da companheira e subiram correndo para os seus aposentos!
A senhora Dez comentou: - Elas parecem se entender muito bem, não é mesmo Joice? E isso me assusta!
- Por que Dez?
- Ela poderá querer ficar aqui com Jaade!
- Não se preocupe minha cara, ela já é minha!
- Tem certeza?
- Você sebe que ela conviveu muito mais comigo desde que chegou aqui, de que com você. E depois ela se assustou com o tipo de vida daqui!
- Ela lhe disse isso?
- De certa forma sim!
- E com você ela não vai ter este problema?
- Não!
- Não? E como você fará para despistar, não deixar que ela saiba da sua verdadeira vida?
- Mas eu não pretendo esconder nada!
- Então não entendo! Aqui, ou na sua casa, será a mesma coisa!
- Não, não será. Ela fará aquilo que desejar. Não a forçarei a nada. Nós devemos isso a ela!
- Não podemos pensar assim!
- Você sabe que sim! Eu acredito que ela já sabe tudo sobre mim.
- Está bem, ela será sua, desde que ela própria manifeste o desejo de ficar com você.
- Então vamos resolver logo, pois tenho uma reunião, e muito importante. Os meus convidados deverão estar chegando, e um deles já perguntou por ela. - Que canalhas! Urubus, o que são!
- Mas é o que nos dar lucro!
O diálogo foi interrompido com a chegada de um cavaleiro que falava muito alto. Sem nenhuma reverência, cumprimentou Joice.
- Bravo! O que vemos por aqui! E você Dez, não me falou que teríamos a companhia agradável de Joice!
- Perdão coronel, lamento decepcioná-lo; mas não poderei ficar e participar desta grande honra. Tenho um compromisso já marcado com antecedência. Quem sabe em outra ocasião!
Neste momento as duas meninas desceram alegremente as escadas, o que foi notado pelo coronel!
- Temos gente nova por aqui, em Dez?
- Não coronel, esta menina é minha sobrinha, Jaade, e a senhorita Jessika, é amiga da Joice! Uma parenta!
- Está a passeio ou trabalhando?
- A passeio, acudiu Joice. Ela deverá partir em breve para São Paulo!
Jessika olhou assustada para eles, depois olhou não menos assustada para Joice, com um olhar interrogativo.
- Será que elas resolveram mandar-me embora, Jaade?
- Não; cochichou no ouvido dela. Joice está livrando você das garras do coronel! Tranqüilize-se. Felizmente temos ainda alguém para nos livrar destas investidas inoportunas! Sorriram e saíram para o quintal de mãos dadas.
Dez pediu licença para o coronel, a fim de falar em particular com Joice. Resolver a situação da Jessika.
Mandaram chamá-la e Dez perguntou: - Jessika, você quer ficar morando aqui comigo, ou gostaria de ir com a Joice?
- Não sei madame. Mas foi a senhora que me ofereceu emprego aqui. - Não querida, eu não prometi emprego para você. Disse-lhe que se viesse á Bahia, para procurar-me. Mas agora eu estou lhe oferecendo um emprego na casa da Joice. Isso se você quiser ir. Do contrário poderá ficar aqui comigo. Depende de você!
- A senhorita Joice quer que eu trabalhe para ela?
- Isso são detalhes. Queremos saber se você quer ficar com ela ou comigo!
- Olha, senhora, eu não tenho preferência. Preciso trabalhar!
- Você gostaria de morar comigo, Jessika, perguntou Joice.
- Gostaria senhorita!
- Então qual é a dúvida?
- Como Já disse: Foi à madama que me convidou!
- Sim, sim querida, isso não importa onde você ficará o que importa é que você fique bem!
- Está bem senhora se não se importar eu vou com a senhorita Joice!
Joice olhou para ela com um olhar de agradecimento e com muita ternura.
Jessika foi morar com Joice. Naquela noite mesmo ela quis saber qual seria a sua função na casa.
- Calma, menina, disse Joice, você está sempre com pressa. Está chegando agora. Espere pelo menos se aclimatar na casa, e ver se vai gostar ou não daqui.
- E o meu quarto, perguntou ela!
- Os seus aposentos; por enquanto é o mesmo. Você ainda não é minha empregada, e sim minha hóspede. Depois pensaremos nas suas funções. Enquanto isso; faça-me companhia.
- Com prazer, senhorita, disse Jessika.
- Senhorita?!
- Desculpe-me!
Joice passou o braço sobre o ombro dela, e se encaminharam para os aposentos que lhe fora destinado no andar superior, donde dava para uma pequena sacada defronte o jardim.
Jessika ficou a cismar sobre os novos acontecimentos, e na escolha que fizera.
Será que fiz bem escolher a casa de Joice? A madama não terá me considerado, ingrata? Não, ela disse se eu viesse a Salvador a procurasse, não que eu ia trabalhar com ela, foi o que ela afirmou na nossa conversa juntamente com Joice. E essa foi uma forma de ajudar-me, de encaminhar, e depois eu percebi que ela queria que eu ficasse com a Joice.
Ela já tem Jaade para se preocupar. Já é uma grande responsabilidade ter uma moça, o que fará duas! E com esses homens sem escrúpulos, é uma temeridade! Foi melhor assim. Parece que Joice gostou de mim, eu gostei muito dela. Só não estou gostando é deste aposento, é muito luxuoso para uma simples empregada, mesmo que ela seja uma executiva! Mas como ela disse que é provisório, vamos esperar.
Aquele silêncio estava convidativo para uma soneca, e os sonhos voltaram em forma de pesadelo. Sempre repetia a mesma cena. Ela sendo acusada de estar fazendo coisa errada, mas desta vez ela reagiu: - “Está bem, vocês querem saber o que eu faço? Não foram vocês que me acusaram de estar prostituindo? Pois bem, eu sou uma mulher da noite... De programa; mais não sou uma mulher qualquer! Eu tenho nome, tenho “status”, vocês sabem o que é isso?
Se vocês não quiserem que eu volte aqui novamente, eu não voltarei, mas não se esqueçam; foram vocês os culpados, os únicos culpados!
Jessika acordou assustada, e vendo-se ainda com roupa de sair, percebeu que tinha adormecido sem se trocar! E ela não queria dormir sem antes ter uma conversa com Joice. Mas não deu conta que já era muito tarde. Estava silêncio na casa. Toda criadagem tinha se recolhido. Sentiu sede, e desceu para tomar água. Então ela viu uma luz que bruxuleava vindo do gabinete de Joice. Aproximou, mas naquele momento ela viu a porta se abrir, e pode ouvir a Joice dizer: - “Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo, deixe-a comigo. Por enquanto ela sabe que é apenas minha hóspede!”
Amelia saiu de repente, e viu que Jessika se aproximava, e que poderia ter ouvido o que conversavam! Joice saiu, e sem demonstrar surpresa ao vê-la, perguntou: - Acordada ainda, Jessika? Eu ia subir para ver se estava tudo bem com você.
Eu me recostei e dormi, estava um pouco cansada, mas tive sede e desci para tomar água!
Jessika, quantas vezes eu lhe disse que você é minha hóspede, que não precisa estar se justificando cada coisa que faz, e pensa que está fazendo errado?
- Eu quero que você se sinta a vontade aqui, como se fosse a sua própria casa. E não é isso mesmo que vai ser; sua casa? Você não optou em morar comigo?
- Trabalhar para você é o que quer dizer, não é?
- Bem, isso é outra coisa que precisamos conversar, mas não agora, temos tempo para isso.
- Não sei Joice, mas não me sinto á vontade. Estou lhe dando despesas sem nenhuma retribuição. Como posso ficar a vontade?
- Mas você está retribuindo!
- Estou?
- Está sim. Com sua presença! Eu preciso de uma companhia feminina, com idéias novas, presença jovem! Você não quer me ver nas garras da Amelia, quer?
Joice disse isso em tom de brincadeira, é claro, para desfazer aquele ambiente. Por que a Amelia é como sua mãe, e como tal, rabugenta igual, por que se preocupa com ela, como se fosse pela própria filha, que por sinal nuca teve.
Jessika sorriu e disse: “Por favor, não demora destinar o que devo fazer me sinto mal!”
- Me fazendo companhia, perguntou Joice com biquinho!
- Não, ficar assim inativa. E não sabendo qual é a minha função, me preocupa.
- Tranqüilize-se querida, o seu serviço será com o tempo, o mesmo que eu faço; isso se você quiser. Mas lembre-se de uma coisa, você é livre para ficar aqui ou não. Mas enquanto você não tomar uma decisão, você será minha hóspede. Esta casa é sua!
- Muito bem, Joice, eu sei que é tarde, mas se você não tiver com sono, gostaria de conversar com você.
- Não é sobre o seu trabalho aqui, é?
- Não, exatamente!
- Então fale, disse Joice. Estou todo ouvido!
Jessika não sabia por onde começar. Mas depois disse:
- Um dia deste você disse que eu era sua, que tudo tinha sido planejado para que eu viesse para aqui, mesmo que eu não quisesse. Que os acontecimentos na minha cidade foram planejados.
- Realmente! Olha Jessika, se você quer ter mesmo esta conversa agora, que seja. Contudo eu gostaria que fosse outra hora; num ambiente diferente, quando nos conhecêssemos melhor, e que tivéssemos mais confiança uma na outra. Ou que nunca tivéssemos esta conversa! Mas se você quer, está bom para mim.
- Ótimo, se você não estiver cansada!
- Não se preocupe, eu estou bem!
“Um dia; eu estava em Serrânia juntamente com Dez. Nós procurávamos uma moça para substituir-me na sua casa, pois eu estava saindo da casa dela, e para que eu pudesse sair, teria que deixar uma substituta.”
- Substituta, como? Para fazer o que? - Companhia para ela. Mas companhia de confiança e que quisesse progredir, entende?
- Não, não entendo! Por que você precisava procurar uma substituta tão longe? Por acaso aqui não existe uma pessoa que preenchesse esta vaga deixada por você, para fazer este trabalho que você fazia na casa da madame Dez?
- Não!
- Não? E por que não, tem tanta moça procurando emprego! Ou será que nós do interior somos presas fáceis?
- Mais ou menos isso! As moças do interior são mais confiáveis mais disponíveis!
- Mais necessitadas; mais bobas: não é?
- Veja Jessika, você não pode procurar ver as coisas por este prisma. Eu também sou do interior, e fui procurada e trazida par cá pela madama Dez, e não me arrependo de ter vindo, de estar aqui. Aprendi a viver! Ninguém me obrigou a nada, eu fiz minha opção.
Eu tinha menos idade de que você. Morei alguns anos com Dez. O tempo foi me moldando. Hoje eu sou o que sou, devo apenas a mim mesma. Foi muito trabalho, muita renúncia, muito sofrimento, por que não dizer! Por que a vida não foi só de flores! Teve muitos espinhos.
Bem, mas isso não importa agora! Quando estivemos na sua cidade, eu conheci você lá. Não sei se você se lembra quando eu a vi aqui, eu disse-lhe: “Parece que a conheço de algum lugar, lembra-se?”
Sim, me lembro, e achei muito estranho, por que nunca a tinha visto antes.
- Realmente! Quando estive em Serrania, e desejei tê-la comigo, não despertei a sua atenção, mesmo por que sabia que você vivia em São
Paulo, e que talvez você fosse á moça que eu desejava que preenchesse os requisitos para viver conosco. Não seria a pessoa que fosse me substituir na casa de Dez.
Estivemos em São Paulo, e levantamos sua ficha!
- Minha ficha?
- Sim, seu comportamento. Como vivia; seus costumes, sua moral! Em fim tudo que pudesse ser a favor ou contra para preencher a vaga que deveria ficar. Que ficaria na casa da Dez.