A CORTEZÃ VIRGEM Cap, III

A CORTEZÃ VIRGEN – Cap. III

-Não, eu não sei!

- Eu lhe dei um cartão.

- É eu me lembro, mas como não estava interessada, não o guardei, desculpe-me!

- Não é nada. Olha aqui outro cartão, espero que você me procure!

Então Jessika pensou: “É minha oportunidade, vou procurar esta senhora em Salvador.”

Seja lá o que for; vou aceitar. Tenho certeza de que esta senhora me ajudará a cumprir o que proponho. Ser alguém; custe o que custar!

Dois dias em São Paulo, para se despedir de alguns amigos, e principalmente do Helhinho. Mesmo por que eles haviam combinado que ela iria para a sua terra e não voltaria nunca mais. E isso realmente ia acontecer. Ela não voltaria mais á São Paulo, principalmente para morar.

A chegada de Jessika na casa da senhora causou estranheza aos freqüentadores, por que viram nela a candura e a inocência de uma jovem do interior, mesmo vivendo em São Paulo.

Pertencer aquele antro que escandalizava a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagância.

Jessika ao se encontrar diante daquela realidade; pensou fugir imediatamente daquele lugar. Mas o tato sutil, mas bastante esquisito daquela mulher de ar superior, mas de nefandos sentimentos, deu-lhe um misto de receio e de desafio de conseguir levar a termo o seu intento até o fim, pensou!

“Saberei me cuidar”! Mesmo por que ela viu sentada num sofá uma menina que era muito mais nova de que ela.

Linda garota, de característica avantajada em todo o seu ser. Não tinha mais de dezessete anos, se muito. Mas ela se enganara, mesmo por que não poderia permanecer naquela casa uma menina menor de idade, mesmo emancipada pela maternidade, como era o caso de algumas meninas que trabalhavam na casa.

Aquela menina de cabelos longos; loiros. Rosto fino e delgado, corpo esguio e bem feito. Olhos verdes e muito vivos. Uma perfeita ninfa desabrochando como uma rosa desabrocha entre agudos espinhos, mas não os que protegem, mas os que ferem!

Ela parecia á vontade naquele estranho ambiente; pensou Jessika: Esta menina que parece uma flor de candura desabrochando a sombra materna vive aqui; não pode ser tão ruim!

A sua presença purificava a atmosfera do ambiente, com o perfume da sua inocência. E não parecia ferir o melindre do seu pudor! Mas dentro de Jessika gritava também o pudor, e estava começando sufocar a sua alma!

Sua educação não a deixava a vontade, como uma daquelas mulheres que se envolvia na moda e tecidos de rendas, deixando aparecer os sedutores encantos das mulheres, que não se importavam com a transparência da sua indecente nudez!

Calou-se; não deixou escapar da garganta o que seu coração sufocado estava sentindo. Nojo, asco daquela gente que a olhava como se fosse um bichinho do mato; uma presa fácil que eles poderiam com suas garras nojentas, rasgar as vestes, deixando-a desnuda; como aquelas musas cortesãs, que na certa um dia fora igual a ela Jessika inocente e pura. Mas no fim entregou-se aos desejos da: “A dama!” Deusa dos prazeres. Mas ela estava cumprindo o seu propósito. Só que mais sedo do que pensara.

Tentou agradar-lhe. Era o que convinha no momento, e também a ela. Poucos dias depois da chegada de Jessika, aquela menina que tinha o

mesmo destino dela, apresentou um companheiro de infância do seu namorado, (gente da graça da “Dama”)

Naquela noite mesmo, elas foram convidadas para uma festa na Piedade. Uma das festas populares que eram permitidas a presença delas.

- Conforme o costume, á grande maioria desfilavam pelas calçadas, ao longo do cais, se misturando, regurgitavam com a multidão.

Ao longe, via-se a torre da igreja da Piedade.

Era á hora da “Ave Maria”.

Quando chegaram ao adro; perdeu a esperança de se aproximar dado á quantidade de gente, que murmuravam na porta da igreja!

Resignou-se a gozar a fresca que vinha de quando em quando a viração do mar! Contemplava o delicioso panorama da Baía e admirando ou criticando as devotas que também haviam chegado tarde, não conseguindo entrar. Junto dela alguém que parecia satisfeita exibindo seus adornos!

Enquanto Jaade era disputada pêlos amigos e conhecidos. Gozava Jessika da sua tranqüilidade. Enquanto que outras estavam agradecidas por que sentadas na muralha, continuavam seus observatórios.

Para uma provinciana, recém chegada de São Paulo, que melhor festa do que passar pêlos olhos á doce lis da tarde, as matizes de infinitas gradações da Baía!

Depois da Ave Maria, deu-se início a grande festa. Ali estavam todas as raças. Desde o africano puro, até o mais refinado puro sangue inglês. Todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna, ou do talento. Até o proletário humilde e desconhecido. Todas as profissões. Desde o banqueiro, até o mendigo. Misturavam-se finalmente todos os tipos grotescos da sociedade, desfilavam garbosamente diante dela. Roçando a seda, e casimira; misturando com o algodão. Exalando os mais finos e delicados perfumes, confundindo com aroma do fumo de Havana, e as acres baforadas dos cigarros de palha de fumo de rolo.

Era uma festa filosófica, esta festa da Piedade. Todos tinham o mesmo direito e tinham um motivo de estarem ali.

Por vaidade, ou curiosidade, ou ainda por interesse que só Deus sabe o que!

Jessika aprendeu muito mais naquela festa em meia hora de observação, de que todo o tempo que viveu em São Paulo.

Ficou encantada com o vestido de uma linda moça que parara diante dela, para observar uma nuvem que havia formado um grande camelo e comentava: “Não parece um grande camelo no deserto?” Mas é como se estivesse flutuando nas nuvens: “Observa”! Disse como se estivesse se dirigindo a Jessika, que não sabia se respondia ou não!

Ela é linda, pensou Jessika! Que talhe desconcertante; esbelto e elegante! Chamava a atenção de todos na sua contemplação muda. Talvez de propósito, para ser ainda mais admirada.

Mas uma doce melancolia envolvia o seu semblante, observou Jessika. Uma grande tristeza assola o coração desta moça. Que pena! Não importa todo aquele disfarce de moça feliz, por que não o é. Não adianta os inúmeros admiradores que a rodeia, por que nenhum deles lhe interessa. Talvez os elogios, para massagear o ego de moça leviana!

Jessika não conseguia desviar o olhar dela, como para não perder um só momento daquela oportunidade de poder admirar a rara beleza daquela moça!

Tanto foi a sua admiração, que foi notada por ela. E qual não foi o seu espanto, quando ela com mimosos gestos, perguntou: “De onde vem esta doce inocente moçoila? Não nos vimos antes?”

- Creio que não senhorita; acabo de chegar de São Paulo!

- Depois de olhar para Jessika com um olhar perdido, o seu olhar voltou para aquela nuvem que não passava agora de um simples fiapo de nuvem! Depois continuou o seu passeio, mas sempre que Jessika olhava; ela estava sempre a observá-la. Ela não entendia por que!

Quase no fim da festa, Jessika notou que ela se dirigia em sua direção, e com enlevo disse: - Antes de ir embora troca algumas palavras comigo; por favor!

- Está bem senhorita, como quiser!

- Olha, se me permite, gostaria de convidá-la para tomar uma xícara de chá na minha casa.

- Não sei senhorita, se a “Dama” permitir!

- A Dama! Entendo! Neste momento uma vós as surpreenderam!

- Você terá muito prazer, não é Jessika?

- Bem; Senhora... Será uma honra!

- Jessika pensou: Nem sei por que disse isso. Talvez pelo ambiente. Tanta hipocrisia!... Meu Deus que mundo é este? Que coisa horrível!

Jessika continuou observando aquela gente. Cada uma desejava tirar mais proveito das situações.

Ela ainda estava admirando aquela moça e pensando. Quem seria aquela criatura, tão linda e tão infeliz!

E por que queria falar com ela!

Quando ouviu uma conversa. Eram dois rapazes bem apessoados, mas destes que não poupam vocabulário para difamar alguém, ou elogiar. Vão sempre ao extremo!

A minha companheira cumprimentou-os com um leve aceno de cabeça, depois; disse-me: - Venha e ouça!

Jessika não estava entendendo nada, mas como para ela tudo era surpresa; mesmo por que aqueles que um momento antes devorava aquela linda moça com olhos, e agora a trucidavam com palavras.

- Disfarçadamente disse-me: - Não deixem perceber que os escutamos!

Então aquele menos falante, timidamente perguntou ao outro: - Quem é essa senhora? A resposta foi um sorriso, destes de arrepiar. Que coloca todo sarcasmo de bonomia.

Percebendo que este não conhecia nada a respeito daquela que ele denominava de senhora, disse: - Não é uma senhora, meu amigo, é apenas uma mulher!

Isso foi dito de uma maneira tão violenta, de uma vulgaridade tamanha, que fez ruborizar-lhe a fronte, e gelar-lhe as entranhas.

Que gente é essa, meu Deus?! E eu aqui tomando parte desta loucura. Eu sou completamente estranha neste mundo louco, hipócrita, sem honra e sem dignidade!

- De quem eles estão falando, perguntou Jessika.

- Daquela moça.

- Eles se acham no direito de falar somente por que ela se acha desacompanhada. Pobre moça!

- Pobre, com aquela ostentação?

- Não querida; não é este tipo de pobreza que estou falando, é pobreza d’alma!

- Por que ela está desacompanhada, não é casada? Não tem família?

- Não o tipo de família que desejava e faz bem a alguém, principalmente a uma moça que freqüenta este antro... Esta sociedade podre!

- Meu Deus, disse Jessika. Como você fala deste ambiente em que vive!

- Sabe minha querida Jessika...

- Como você sabe o meu nome, se nem fomos apresentadas, perguntou Jessika. Só nos vimos poucos minutos na casa da Dama!

- Eu já esperava a sua chegada com ansiedade, diga-se de passagem!...

- Não entendo! Como você sabia que eu vinha, se eu mesma não tinha certeza se vinha ou não?

- Olha querida, a tia sabia que você viria mais sedo ou mais tarde!

- Creia que cada vez entendo menos. Não sei por que ela tinha esta certeza.

Muito bem!

- Então é melhor nos apresentar-nos, mesmo por que seremos amigas talvez até de quarto.

- Meu nome é Jaade. O seu eu já sei. Acredito que seremos amigas, e no momento é o que mais preciso, e acho que você também vai precisar.

- Você me assusta, Jaade, e depois, não creio que consiga ficar aqui. - Você vai ficar sim. Esteja certa disso! Mas continuemos ouvir o que falam daquela pobre moça.

- Sabe Jaade, ela me convidou para um chá, não sei se devo, mas a Dama disse para eu aceitar!

- Então você irá com certeza!

Aquela afirmativa assustou Jessika, que de repente se achou manejada por aquela Madama!

- Venha, Jessika, continuemos o nosso observatório.

Depois de algumas voltas a descobrimos ao longe distribuindo algumas moedas para os pobres.

- Não há modo de livrar desta gente, comentou a amiga. Eles não respeitam mesmo, as pessoas!

Chegaram perto dela, cercada pêlos dois cavalheiros que instantes antes falavam mal dela.

Então escutaram o diálogo que travavam.

Depois de uma breve apresentação, num tom desdenhoso por parte do apresentador, deixou-os as sós e se dirigiu para uma roda de amigos, trocaram algumas palavras, e ele perguntou-lhe: - Vieste só?

- Em corpo e alma!

- Tens companhia para volta?

- Não!

- Neste caso, ofereço a minha para a volta!

- Em outra oportunidade, talvez! Mas hoje é impossível. Estou a serviço, e a passeio!

- Mas qual poderia ser este serviço em plena festa da Piedade?

- Tenho uma missão! Devo concretizá-la logo e depois devo ir-me imediatamente!

- Não poderia deixar esta missão para outro dia?

- Não! E depois o senhor saiba que não é necessário implorar-me quando se trata de divertir-me, mas hoje, como disse é impossível!

- Isso é uma promessa?

- Considere que sim!

- Decididamente deve ter alguém a sua espera! - Realmente. Não faço mistério disso!

- Então eu tinha razão, tens compromisso!

- Não da maneira que pensa! É trabalho mesmo. E creia que exijo o direito de ser acreditada. Não é meu lema mentir!

- Longe de mim, pensar tal coisa!

- Desculpe-me a rudez, mas tenho que ir.

Despediu do rapaz com um sorriso. Entrou na igreja, afastando a multidão, que com respeito e admiração se afastava para dar-lhe passagem.

Elas a seguiram discretamente. E quando saiu da igreja, teve quem comentasse ironicamente!

- “Joice, devota?”

Aquelas palavras enfureceram Jessika: - Nunca vi tanta maledicência, comentou com a Jaade. E eu comecei gostar dela e admira-la. Sinto uma enorme afinidade por ela. E não foi pelo convite que fez para o chá.

Toda pessoa tem o direito de ser respeitada, seja quem for.

- Se aquiete querida, isso é o menos que você vai presenciar por aqui!

Quando Joice passou por elas, parou e perguntou:

- Amanhã ao virar da tarde, está bem para você?

- Está bem, senhorita!

- Eu mandarei apanhá-la na sua casa está bem?

- Sim senhorita, eu espero!

Este convite não surpreendeu Jaade.

O que ela esperou que ela comentasse, mas não o fez. Então Jessika se admirou por que sabia que ela não conhecia aquela moça, e mais admirada ficou por que Jaade não se surpreendeu nem censurou o convite!

Passou o resto da noite preocupada, mas não atreveu perguntar a Jaade, o que aquela moça poderia querer com ela. Mas como ali tudo era estranho, deixou os acontecimentos seguirem o seu rumo! A lembrança do semblante daquela moça não lhe saía da mente.

A visão que oscilava entre o sono e a vigília; foi quem desenhou o seu espírito a lembrança daquele encontro. Lembrou-se do primeiro momento que a viu; da maneira que se dirigiu a ela afirmando que já a conhecia de alguma parte. E depois o convite para o chá!

No dia seguinte, na hora marcada, no jardim da casa da madama, Jessika estava admirando as roseiras. Algumas que nunca havia visto. Uma cor de sangue tipo “agressiva”! Misteriosa; como se estivesse desafiando-a com seus espinhos pontiagudos.

Mas por outro lado á beleza das suas pétalas, e o suave perfume confundiam seu sentido.

Foi despertada pelo tropel de cavalos, e pensou: - Ela é pontual. Foi até a janela e confirmou a presença de uma carruagem, e dela desembarcou com muita elegância uma senhora, e recostada nas almofadas do assento bordado a ouro, uma linda menina que de momento não a reconheceu, só quando lhe perguntou: - Está pronta Jessika? Era a Joice!

- Desculpe-me senhorita, não a havia reconhecido!

- Não me surpreende! Você me viu a trabalho, agora estou aproveitando o encargo de vir buscá-la e dar um passeio. Mesmo por que vir aqui é sempre um belo passeio, e gostaria de partilhar com você antes de irmos para casa!

- O prazer será todo meu, senhorita, mas antes gostaria de lhe fazer uma pergunta, se me permite.

- Diga Jessika, o que deseja saber?

- A senhorita não está enganada quanto á pessoa que deveria ir á sua casa tomar chá? Eu não sou...

- Você é sim, minha querida. A pessoa que eu desejo ter comigo!

- Senhorita, Pôr que?

- Por favor, Jessika sem perguntas por enquanto. Você saberá tudo o que quiser saber outra hora. Tudo ao seu tempo. Agora é hora de aproveitarmos o lindo passeio que daremos antes de chegar á hora do chá.

- Mas isso tudo me confunde senhorita! Eu...

- Você vai deixar esta cerimônia para outra oportunidade. Meu nome é Joice, e é assim que quero; ser tratada pêlos amigos!

Está bem, se é assim que você prefere, mas continuo achando que você está confundida. Não sou a pessoa que você...

- Olha Jessika, observe a revoada das andorinhas, e os pardais! Eles fazem um perfeito balé, misturando as cores.

Havia nesta atitude muito desprendimento, muita graça que deixou Jessika muito á vontade, mas apreensiva.

Não podia entender por que esta moça tão fina; se interessasse falar com ela, e fora aprovado imediatamente pela madama; como se dela dependesse por algum motivo algo muito importante!

Tomou lugar ao seu lado. Depois passou para o outro lado. Parecia uma menina encantada com as luzes da cidade.

Jessika não se cansava de admirá-la. Um dia antes quando a viu pela primeira vez, podia assegurar que era uma senhora, com aquele vestido que mais parecia á madama! Ela á admirava de longe. Agora ela estava aqui sentada ao seu lado nesta linda carruagem. E ela perdeu completamente aquela aparência e se transformou numa criança, uma linda criança! Cada vez mais á admirava. Joice percebeu e disse: sente-se aqui ao meu lado. Você fica mais confortável para admirar a paisagem da Baía. É a primeira vez que vem aqui? - Não senhorita! Desculpe-me! Eu já conhecia. Estive aqui algumas vezes!

- Mas esta vez é diferente, não?

- Diferente pôr que?

- Bem, creio que você veio para ficar, não foi?

- Escute Joice, o que você sabe ao meu respeito? Parece que...

- Querida, não se agaste; interrompeu-a E depois devemos aproveitar este delicioso momento que são tão raros! Não está gostando do passeio?

- Estou sim, obrigada!

- Jessika cada vez entendia menos o que estava se passando. Aquele convite, a questão que a madame fez que ela aceitasse o convite. Ou melhor, impôs aceitar!

Lício Guimarães
Enviado por Lício Guimarães em 01/02/2013
Reeditado em 01/02/2013
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