"Os Malas"
Em todo e qualquer lugarejo ou cidade existem pessoas chatas. No lugarejo onde nasci não é diferente. Existiam e ainda existem vários. De dois deles (já falecidos e que Deus os tenha em bons lugares) eu não me esqueço. O primeiro chamava-se Claudino. Quando não estava meio grogue em razão das branquinhas que diariamente ingeria, o diálogo com ele até que fluía mais ou menos. Entretanto, quando a danada da pinga começava a fazer efeito no seu cérebro já combalido, a prosa ficava pachorrenta. O interlocutor tinha que ter paciência, de Jó, para aturá-lo. Ele começava a contar um caso que, na verdade, era um bombardeio de palavras ininteligíveis e, quando já estava no meio do relato que, por qualquer descuido se esquecesse de uma única palavra, bradava: minto! Não foi assim. Parava e voltava ao início da história para recontá-la. Esse lengalenga se sucedia tantas quantas vezes ele se esquecesse de uma palavra. O segundo era conhecido como Manezinho. Mas, seus patrícios, apelidaram-no de Pombo Roxo. Não me perguntem sobre a origem deste apelido porque eu não sei. Só sei que ele não gostava. Quando ele, também, ingeria uns goles da malvada branquinha e esta já lhe deixava pra lá de Marraqueche, montava no seu piquira e saía todo empenado como se estivesse com o parafuso de centro quebrado. Ora pendendo para um lado, ora para o outro. O animal já estava tão habituado com as bebedeiras do Pombo Roxo que, obedientemente, o conduzia para casa sem derrubá-lo. Quando a molecada, escondida em local seguro, chamava-o pelo apelido o homem virava uma fera. Mas, por estar bêbedo faltava-lhe a destreza necessária para perseguir os abusados, a fim de coibir a chacota. Entretanto, o que mais chamava a atenção no Pombo Roxo não era a sua bebedeira. Era a sua prosa. Enquanto Claudino voltava a contar toda a história, desde o início, por ter se esquecido de uma única palavra, Pombo Roxo, em seus longos relatos, costumava incluir a expressão: “bam bam bam caixa de fósforo”:
– Foi assim que tudo se sucedeu meus senhores: eu vinha lá da rua do campo, quando um grande cachorro preto avançou pra cima de mim. Ligeirinho eu tirei o facão de vinte polegadas da cintura e enfrentei o danado. Aí, “bam bam bam caixa de fósforo” , o bicho percebeu que podia se dar mal, recuou e botou o rabo entre as pernas e bateu em retirada.
Era assim a sua prosa, num simples relato ele incluía várias vezes a citada expressão. Convenhamos: era difícil aturá-los.