A Carta

A chama no isqueiro vem rápida, mas vem eficiente, cumprindo seu papel de ascender o cigarro. Ele dá uma longa tragada e se senta na varanda. A primeira tem um gosto diferente. “O gosto da morte não é tão ruim assim”, ele pensa soprando a fumaça. Ouve o som do celular vibrando contra a cadeira ao seu lado e olha no identificador. Número restrito. Mas já são quase meia-noite, quem poderia ser? Mesmo não gostando de atender ligações sem identificação, após um período breve pra decidir entre atender ou não, a curiosidade falou mais alto.

-Alô. – Ele atende com o tom de voz que deixa claro que não gostou do horário e de não saber quem é.

-Alô, é o Marcos? – Questiona a voz feminina pausada do outro lado da linha.

- Sim. Quem fala?

- Eu sou a agente Mariana da policia local. Você pode, por favor, me informar se conhece a senhora, Louise Lana?

- Sim. Eu a conheço – A preocupação já tomando conta de seu peito e mentalmente ele agradece por já estar com um cigarro nos dedos, dando mais uma tragada. – Ela é uma amiga minha, aconteceu alguma coisa?

- Ela foi encontrada morta. Suicidou-se em seu apartamento deixando uma carta endereçada a você. Conhece algum parente dela que possamos conversar?

Marcos está paralisado. O mundo ficou em câmera lenta. Louise, morta? Impossível. Isso não podia estar acontecendo. Não Louise. Mais uma tragada. “Louise”. Outra tragada. “Louise”.

-Senhor? – A policial pergunta devido ao silêncio que ficou na ligação.

- Desculpe. Não Louise não tem família. Sou a única pessoa que sei que conhece ele, junto de outros amigos em comum.

-Bem, eu preciso que venha a delegacia. Enviarei uma viatura.

-Tudo bem.

Ele desliga o celular, olha para o breu na rua e aguarda a chegada da viatura.

Depois, de um interrogatório completo sobre sua relação com Louise, agora Marcos aguarda que lhe tragam a carta deixada para ele como evidência.

“Marquito, você é o cara mais bobo que eu conheci. Acho que ter crescido sem família, de lar adotivo em lar adotivo, eu acabei nunca tendo uma noção de família até te conhecer. Lembro, bem daquele dia. Você sozinho no bar, olhando pro nada e tomando sua cerveja. E eu chegando na cidade com duas malas e nada na cabeça. Você veio com uma cantada barata de que era um escritor. E eu pensei, “Ahh, ele é bonitinho. Deixa eu dar corda.” Afinal eu precisava de um lugar pra passar a noite e já que tinha sua casa eu poderia começar em grande estilo.Então te deixei achar que a cantadinha barata tava funcionando. E quando cheguei na sua casa, para minha surpresa, você realmente é um escritor. Você em nenhum momento da conversa disse nada além do que você já era. E eu achei “fofo”. E quando pensei que você agora até me merecia de presente de boa noite. Vi você arrumando o sofá e dizendo que eu poderia ficar na sua cama. E daí pensei, “Esse cara é louco? Ele nem me conhece”, daí vem você parecendo que lia meus pensamentos e diz que sabe da minha desconfiança, que sabe que parece muito estranho fazer isso. Mas que você ainda prefere confiar nas pessoas e que se pode ajudar uma maluca que chega no inverno com uma roupa fina e duas malas num bar, apenas oferecendo pra ela uma cama e comida. Então é sua obrigação moral fazer isso. E confesso, ali eu realmente quis dar pra você (eu ri de imaginar sua cara quando ler), Mas você simplesmente já estava me trazendo da cozinha um chá e algumas bolachas. Depois de deitar eu não dormi, afinal eu realmente não podia confiar em dormir assim. Mas eu deveria ter dormido, porque você simplesmente ficou a noite toda olhando pro nada e fumando (esse vício maldito).

Cara, você ali ganhou todo o meu respeito. E acho que até hoje eu só posso agradecer a todo o universo por ter me ajudado a cruzar justo com você. Depois no outro dia achamos esse apartamento, você me emprestou o primeiro mês de aluguel e me ajudou a arrumar emprego. (Quem ler isso além de você, vai te achar um anjo), mas ambos sabemos que de anjo não tem nada aí. Você só faz o certo e fazer o certo hoje é quase divino. Mas pra resumir Marquito, eu preciso te confessar algo.

Eu irei dar cabo de tudo agora, por que você sabe o quanto sou reservada e não gosto de contar meus problemas. Mas Marcos, é muito ruim ver você sem olhar pro lado por causa da sua ex-mulher. Cara ela não te amava, ela não fazia nada por merecer o cara que você é. E essa coisa de se fechar no seu mundo de fumaça e bebida pra não ficar perto da realidade sem ela é ridícula. E já falamos disso, ao longo desses 5 anos de amizade, não sei quando eu já não te via mais como amigo. Meu coração passou a bater fora do peito e eu podia vê-lo bater quando te olhava. Mas essa semana quando fui com você ajudar a escolher um anel de casamento pra levar aquela vadia eu me despedacei. Ela não merece nada, ela não te dá nada de atenção, não liga pra você e ainda ganha todo o amor que eu esperava receber? Porra... Bem, eu nunca tive ninguém, e criei um mundo ao seu redor, mas eu precisava transformar esse mundo pra não serem mais dois, e sim, apenas um. E viver num mundo que não tenha você junto de mim, só me faz não querer viver.

Te amo Marquito (seu grande idiota)

Adeus.

L.L.

Ele leu mais de duas vezes. Ele não acredita que isso pode ter acontecido. Louise não... Nada podia ter acontecido com ela. Ela não podia ter feito isso... A versão dela de quando se conheceram é boa, mas ela não percebe que em primeira vista, ele teve muito interesse na garota linda que entrou no bar, e nem viu as malas, estava tudo escuro. As malas ele viu só quando foi pra tirá-la de lá. E aí foi quando decidiu conhecê-la melhor. Ver por tudo que ela passou, foi algo inovador. Ele se motivou pra vida, pela história de Louise. E na realidade ele não estava cumprindo seu dever moral, mas pagando pra ela o favor de salvá-lo da auto-destruição. Marcos, sempre foi reservado, nunca gostou de se abrir, e realmente sua ex-mulher lhe fez muito mal, principalmente quando levou as crianças. Mas ao longo do tempo, ele entendeu como era a sensação do coração fora do peito que Louise lhe dissera, era assim quando a via. E um dia depois de assistirem um filme juntos, ele notou que ela era o tipo bem romântica, e viu a lagrima que foi escondida depois que o homem ajoelhou e deu a aliança. Decidiu que se abriria assim. Já pediria direto em casamento, afinal eles já sabem como são bons juntos. Não é beijo e sexo que definem a relação, mas companheirismo, parceria, amizade e beijo e sexo, seria apenas as melhores coisas que eles fariam colocando a cereja, no topo desse bolo chamado casamento. Então não falou nada, apenas a chamou pra ver qual aliança ela gostaria... Desse modo não erraria, mas tinha de dar uma desculpa e agora viu que deu a pior de todas.

Enquanto caminha pela rua, ele tira do bolso o anel, admira-o e sente as lágrimas. Só começou a chorar agora. A ficha de não tê-la mais caiu. Louise não poderá ter o anel, e agora ele sabe que ela queria tanto quanto ele. O choro passa a ser descontrolado.

-Era só eu ter falado – Ele grita para os céus do meio da rua – Eu sou estúpido. Era só...

Ele entra na sua casa, ascende um cigarro, volta pra varanda, e com as lágrimas escorrendo do rosto, volta a olhar para o nada. Mas dessa vez a cabeça não está vazia. Dessa vez ele pensa em como fazer o enterro da mulher de sua vida pela manhã ser algo tão bonito quanto ela merecia que fosse.

Wes G
Enviado por Wes G em 26/01/2013
Reeditado em 19/12/2023
Código do texto: T4107055
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