O Cravo e a Rosa

Nos dias de hoje é costume de rapazes e moças da cidade em fim de semana e nas bocas de noite irem as praças, clubes e casas de família para namorar. Na cidade que o forasteiro rapaz do interior morava e estudava, também havia estes costumes.

Apesar de ser bonitão, ele não deixava seus estudos e trabalhos por nada. Na escola ele não namorava, até porque a moçada que lá estudava eram muito mais jovem do que ele, a praça usava só para as suas caminhadas matinais, como não bebia e nem tinha dinheiro, não ia aos clubes e bares da cidade.

No mês de maio do ano de 1970, ele recebeu no seu ranchinho a visita de um grupo de amigos que foram lhe convidar para ser o presidente do Clube Recreativo daquela cidade, uma casa cultural que recebia a elite de toda redondeza. Para ele foi uma grande surpresa, tanto foi que naquele momento ficou por alguns minutos sem fala, mas, quando o velho Chico que na época era o presidente da União Artística daquela cidade encerrou sua fala, chegou à palavra na boca daquele tímido homem, que quase sem voz agradeceu o convite e aceitou a tão nobre função.

Logo na sua primeira reunião demonstrou firmeza e organização, propondo ao grupo, total união, respeito e determinação, pois se assim o fizessem seria possível colher resultados satisfatórios no que buscavam, isto é, “trazer artistas famosos para fazer naquela cidade grandes shows”.

Com ajuda do velho Chico, em poucos dias de administração ele contratou um dos mais famosos cantores de música clássica do país, para fazer um show beneficente naquela cidade.

No dia e hora marcada do show, aparece lá no céu um barulho estranho que deixou muitas pessoas daquela pequena cidade apreensiva, principalmente os mais jovens. Todos correram para o terreiro de suas casas para olhar o que estava acontecendo lá em cima. Era um enorme bicho de asa dura, o qual voava suavemente por cima das casas, lançando panfletos que anunciavam o show, que iria acontecer naquele dia. Como a maioria daquela gente não conhecia avião, dele só ouviam falar, ficaram um tanto alvoroçado, mas todos saíram em direção de uma estrada vicinal que ficava nas proximidades do centro do João Grosso, onde o avião iria pousar, para olharem de perto o bicho. Por ser de chão batido aquela pista, quando o avião tocou em terra firme, a poeira tomou conta de todo àquele local, mesmo assim a moçada partiu para cima do artista para pedir-lhe autógrafo.

No meio daquela multidão de meninas, estava o presidente do clube, para com o povo da cidade receber o cantor, ele estava trajando uma camisa de mangas longas, e de pano passado, barba raspada e bigode um tanto alongado, o que chamou a atenção de algumas garotas.

Por ser alto, olhos e cabelos castanhos, logo foi visto, por uma elegante moça que estava do seu lado. Ela também era alta, rosto e cabelos compridos, uma blusa de seda de cor dourada, aparentando ter uns vinte anos de idade. O sol ardente provocava calor, a terra desprotegida de vegetação a poeira, que deixava todos agoniados, no meio daquela multidão.

Do seu rosto descia suor. O rapaz vendo que ela não tinha lenço para se enxugar, do seu bolso retirou um gomado lenço de seda que estava perfumado com cravo da índia e, com toda gentileza, entregou-o àquela moça que, ao recebê-lo, enxugou o rosto e, em seguida, beijo-o dizendo:

- “Este é o cravo que preciso ter no meu jardim”.

Em retribuição a sua gentileza, o rapaz respondeu:

- “Na qualidade de ecologista e defensor da natureza, vejo no seu rosto uma flor que brota da roseira, o seu perfume invade-me a alma, eu gostaria de ter tão linda e perfumada rosa, no jarro que decora a mesa de jantar da casa que nela moro”.

Daí em diante, a conversa entre os dois foi fluindo com um pouco mais de intimidade. A pé saíram os dois daquele improvisado aeroporto, para seus aposentos, onde foram se preparar para o grande show que iria acontecer a alguns instantes depois. Mesmo andando afastados um do outro, combinaram para se encontrarem no baile, que começou pontualmente às 22 horas. Como era uma festa de gala, rapazes e moças chegavam de todos os lados e muito bem, trajados iam se sentando nas cadeiras que estavam nas mesas que estavam com placas de reservadas.

O presidente do clube, sem querer mostrar sua autoridade, também chegou na hora marcada, acompanhado do amigo que tinha lhe convidado para aquele cargo. Numa cadeira que se encontrava ao redor de uma mesa, a qual estava com uma fita branca, escrita a palavra “reservada para autoridades”, eles se sentaram. Retiram dos bolsos algumas moedas e com elas compraram refrigerantes, quando estavam tomando aquela bebida surgem no corredor que dava acesso ao clube, as moças com as quais haviam se encontrado no aeroporto. Como eles estavam de cabeças baixa, não viram nada do que estava acontecendo naquele recinto.

Mas com um descontraído “psiu” a moça despertou o jovem rapaz que proseava com o amigo Chico, ex-presidente daquele clube. Ao levantar a cabeça, viu a aquela donzela na sua frente; com afago a convidou para sentar-se na cadeira que estava vazia do seu lado. Educadamente ela aceitou o convite. Naquele momento, o amigo Chico gentilmente pediu aos dois para se retirar da mesa, num gesto de cavalheirismo em deixar aquele casal de jovens mais descontraídos.

Já sentada, a moça apresentou as suas colegas que com ela andavam. Minutos depois, elas também pediram licença para se retirarem da mesa, deixando-os dois mais à vontade para prosarem.

A sós eles ficaram, com sorriso elegante e tranqüilo, o rapaz ofereceu à moça um copo de bebida e fez elogios; indagou sobre a sua família, a qual, a princípio, ela ficou assustada com o que via e ouvia das suas palavras, mas entendeu e respondeu a todas as suas perguntas.

- Sou filha de dois anciões, que ainda trabalham na agricultura de subsistência, com os meus sete irmãos.

- E os seus familiares, quem são? Perguntou a moça ao presidente do clube.

Mesmo tímido, porém com elegância e um tanto poético, ele respondeu à pergunta da moça dizendo:

- Meu pai tem nome de rei, a minha mãe, de rainha e também são agricultores por vocação, lá no médio sertão onde tenho mais dez irmãos.

Aqui neste lugar de muitas mulheres bonitas como você, estou estudando e trabalhando como mascate viajante do interior. Moro num armazém de algodão, almoço e janto numa pensão popular, que fica de frente para a principal rua desta cidade. Pelo almoço, jantar e roupa lavada, pago, vinte cinco cruzeiros por mês.

Naquele momento, os músicos aqueciam os tambores e uma valsa tocou, a primeira música do show que começou com força e vigor; com isso todos os casais foram dançar, ficando o salão totalmente ocupado com os dançarinos.

Por terem dançado bem aquela valsa, tornaram-se o casal mais elegante e simpático daquela festa. Mesmo discretos, os dois sorriam e conversavam sem parar. Quando iam dançar, todos paravam para vê-los valsarem. Ao terminar a parte, eles pediam bis e, quando se sentavam, as conversas rolavam descontraidamente entre os dois.

Cravo, como ela mesma o chamou no aeroporto, na intimidade de namorado, sutilmente passou-lhe a mão na sua cintura dizendo:

- Rosa, você é uma linda mulher, tem corpo delgado, rosto angelical, de forma graciosa, uma languidez eflúvio, parece um vaso de fina porcelana, o qual se toca com receio de quebrar. Você parece ter grandes pretensões, é uma linda e perfumada flor, daquelas regadas com água mineral, nos jardins mais bonitos desta cidade. Seu alongado rosto se afeiçoa a seus cabelos castanhos, uma pele rosada e macia; a testa lisa e bem moldada; os olhos brilham como um rubi, depositado num dos mais luxuosos porta-jóias das grandes joalherias deste imenso país.

Aquelas dóceis palavras fizeram a moça estremecer da cabeça aos pés, mas aceitou. Estava mesmo ofegante, sua beleza realçava um sentimento que mexia no fundo de sua consciência, era uma coisa sem igual. Tinha total paciência. Toda aquela elegância tornava-lhe ainda mais carinhosa, o que fez com que os dois trocassem alguns beijos durante e depois da dança, um aconchego que a música prescreve ou permite entre os pares que estão se amando.

Quando a festa estava próxima a terminar, Rosa provocou o seu amado Cravo, dizendo-lhe:

- Encontro como este deveria acontecer por mais vezes! Cravo, que já havia perdido parte de sua timidez, concordou com aquela oportuna e simpática proposta, tanto é que a convidou, para um breve passeio no pátio do clube, justamente onde estavam as irmãs da moça conversando com amigos do rapaz. No decorrer daquele pequeno percurso de caminhada, o rapaz imaginava consigo mesmo:

- Será verdade ou falsidade o que esta moça está me propondo? Talvez ela pense que tenho muito dinheiro. Sem nada mais a falar, ficou de cabeça baixa, pensando em como se desculpar, mas não teve coragem, apenas disse:

- Você tem razão, no início da nossa conversa falei-lhe que tinha um trabalho e uma escola que me ocupava todo o tempo, mas ficar do seu lado é tudo que quero, no entanto, tenho que limitar estes maravilhosos encontros. Talvez, uma vez por mês é o que vou ter disponível para você.

Rosa compreendeu aquele discurso, mas retrucou-lhe, dizendo:

- Nem só do trabalho e estudo vive o homem; o amor e a sociedade fazem parte de encontros como este, portanto é bom que eles aconteça de novo, disse a moça.

Cravo novamente interrompeu a sua conversa, chamou-lhe a atenção, dizendo:

- Sua beleza muito me surpreendeu!

Fez-lhe um novo cumprimento e passou a contemplar-lhe as virtudes.

- Você tem cara de rainha, que convenciona as grandezas involuntárias de um pobre rapaz que veio lá dos confins do sertão maranhenses para ser feliz neste lugar, ao lado de uma linda moça como você, uma majestade que tudo pode - elogiou o Cravo mais uma vez aquela linda moça.

Calmamente ela ouvia os tantos elogios. Cravo tinha na alma a satisfação em tê-la como namorada, porém, não procurava passar tal impressão, uma imaginação confusa, pois ele sempre deixava nas suas conversas alguns suspenses, principalmente, quando dizia:

- Será você, a rainha da noite a qual nasceu para me fazer à corte?

O romance que ali rolava era mesmo um suspense, tudo era confuso para ambos os lados. A moça era simpática, mas parecia orgulhosa; o rapaz era tímido, porém esperto, que com seu ar de leveza, viu nela certa sinceridade e lhe dá um beijo e um abraço amigável. Minutos depois chama o garçom para servir a mesa com uma bebida mais forte. Os dois beberam e se dirigiram para o interior do salão, dançaram um bolero na maior calma possível. Ao término da música a moça dele pediu licença e foi até o palco receber do cantor um autógrafo. Com delicadeza ela da bolsa retirou o seu diário e entregou para o artista assinar o seu nome. O que ele escreveu naquele diário eu não sei, foram apenas alguns riscos, os quais mais pareciam com assinatura de gringo. Seja lá o que fosse, a moça beijou-lhe a mão e saiu se desmanchando de satisfação. Justamente naquele momento, aparece alguém com certa intimidade com ela, Cravo, de olhos arregalados e um tanto desconfiado pela presente traição, pergunta a ela:

- Quem é essa gente e porque o beijou a mão do cantor com tanta satisfação?

Disse a moça:

- Parentes! E o beijo, foi apenas uma gentileza de minha parte para com o ilustre visitante que estava cantando tão bem.

Naquele momento, Cravo e a Rosa foram até a mesa de alguns amigos para conversarem um pouco sobre a festa. Ao se aproximarem de alguém, eles os convidavam para sentar nas cadeiras vazias, as quais estavam do lado de sua mesa, de quem receberam grandes elogios, o que aproximou ainda mais os dois a trocarem mais algumas palavras. Depois de um rápido cumprimento, tendo-se ouvido o prelúdio de mais um bolero, foram incentivados a se retirarem da mesa para a sala de dança e brincarem até o raiar do sol do dia seguinte.

Cravo e Rosa ficaram naquele baile o tempo todo, conversando com franca intimidade. Os amigos também demonstraram simpatia pelo jovem casal de namorados, que despontava um futuro muito próspero.

Quando o show acabou, Cravo despediu-se dos amigos e da moça que lhe fazia companhia também e se retirou do salão da festa.

Rosa, que ainda tinha algo importante para falar-lhe, acompanhou-o até a praça Getulio Vargas que ficava próxima do clube onde eles participavam daquela grande festa. Lá, os dois sentaram-se em um banco e, dentro de pouco tempo, a moça falou-lhe que em breve pretendia viajar para uma cidade distante, um desejo antigo e que sempre era adiado. Disse, também, que seus pais estavam se mudando para outro município do Maranhão. E finalizou sua fala, perguntando:

- Quando vai na minha casa me visitar?

Cravo, disse a sua amada: - Logo que você marcar a data, com todo prazer lhe visitarei. Neste mundo sou um eterno participante da natureza, das plantas que brotam dos seus galhos flores tão cheirosas como você.

- Continuou o rapaz elogiando aquela linda donzela. Não posso ficar como andorinha desgarrada, mudando-se de um lugar para outro, quando bem quiser; fico por aqui sozinho à espera de que um dia encontros como este aconteçam novamente. Sem acanhamento, naquele instante deu na mão da moça um beijo e partiu para o seu lar.

A molecada que estava jogando bola de gude naquelas proximidades murmurava de curiosidade em ver aquele casal saindo calmamente, em direção contrária um do outro.

No dia seguinte, Cravo foi à casa da donzela conhecer a sua família, onde foi carinhosamente bem recebido pelo velho Cordeiro, na sala de visitas de sua residência. Num sofá, sentaram-se os dois para trocarem algumas informações sobre costume familiar. Depois daquela prosa Cravo despediu-se dos velhos e da moça também e retirou-se daquele ambiente para retornar ao seu lar, porém, prometendo em breve, lá voltar de novo.

Uma semana depois daquela visita, os velhos e a moça se mudaram para outra cidade, onde Cravo lhe visitou outra vez, só que Rosa não era mais a mesma, ela já tinha encontrado outro amor.

Evangelista Mota
Enviado por Evangelista Mota em 12/03/2007
Código do texto: T410496