MUNDO

MUNDO

Eram jovens. Prometeram ao amor o amor. Ela trouxe flores, ele vinho. Celebraram num jardim, sob as árvores. Anoitecia. Eram jovens e pálidos. Contrariamente às palavras do poeta, o mundo era um lugar ideal para amar. O vento descia pelas folhas e levantava pó. Quando já ninguém se via correr pelas ruas de regresso ao que quer que fosse, útil ou inútil. A chuva começou por cair fina e assim ficou por muito tempo. Celebravam sob as árvores a vida e a tudo pareciam indiferentes. Claro, havia o amor, havia o mundo. A noite seria longa ou breve, como tudo, aliás. Eram jovens e pálidos. Ela deitou-se sobre a terra húmida, o rosto mais pálido como nunca, talvez mais belo. O vento ainda descia pelas árvores e tudo estava entregue à solidão. Não há idade para morrer, lembraram-se. O mundo era, de facto, um lugar ideal para amar. Ele colocou-se ao lado dela, assim é a promessa do amor até um fim. Seja qual for o fim. Ela trouxe flores, pela última vez. Beberam o vinho barato, que importa! O futuro tinha-se misturado com o presente ou o passado. Ele era saudável. Ambos vestidos de branco, seja qual for o significado que isso possa ter, como nenhum. A jovem sabia que a vida iria acabar em breve, a doença era incurável. E o mundo é mesmo um lugar ideal para amar. Devem ter repetido várias vezes esta frase, com risos e lágrimas. Eram jovens e pálidos, talvez mais nessa noite, ao som das folhas dos plátanos e das luzes publicitárias dos néons. Engoliram, numa grande felicidade, a redenção em comprimidos letais e assim ficaram expostos naquele lugar indiferente. Indiferentes entre as árvores, como uma sombra comum que os fundiu. E deixou de chover.

In “Contos em 8 Milímetros”