QUEIMA DE ARQUIVO

   
      Era um desce e sobe ladeira, uma labuta sem fim. De domingo a domingo sem trégua. Já exausta daquele infeliz rotina de lata d’água na cabeça sem remuneração.

    Só gostava de algumas coisas, dos olhares que a acompanhavam, dos assobios, e das piscadelas. Mas isto  não lhe dava pão pra alimentar seus dois filhos.

     Foi chamada muitas vezes de Afrodite e pensou ter sido xingada, depois descobriu que Afrodite é a Deusa da beleza e sorriu mostrando seus dentes brancos como a neve.

   Merecia morar num castelo, onde lá seria a princesa. Mas deu tudo errado, ao invés de beijar o sapo e vê-lo se transformar em um príncipe, beijou alguém que pensou ser um príncipe e o viu se transformar em um sapo.

    Um laranja do tráfico a iludiu prometendo mundos e fundos e nada cumpriu.

    Foi pra detrás das grades e lá deram cabo no infeliz.

    Chorou muito, esmurrou as paredes, rasgou a cortina que fazia divisão entre a sala e o quarto,  amassou algumas panelas, depois entendeu que a vida tem coisas que não se explica e finalmente se conformou.

    Pensou mais um pouco, se sentiu aliviada e prometeu a si mesma que dali por diante tudo seria diferente.

    Relutou em procurar os pais, orou, pediu forças a São Judas Tadeu, o santo das causas perdidas, pediu a vizinha para cuidar das crianças e foi para a estação pegar o metrô das seis.

    No principio choro, depois abraços e finalmente o perdão concedido e no olhar da triqueira a esperança do recomeço.

    Não houve recomeço, à bala lhe atingiu a fronte tendo morte quase imediata.

____ Afrodite morreu! Todos gritaram em uma só voz. Foram as últimas palavras que ouviu e sorriu mostrando seus dentes carmesim.


 
Jorgely Alves Feitosa
Enviado por Jorgely Alves Feitosa em 21/01/2013
Reeditado em 19/10/2018
Código do texto: T4097355
Classificação de conteúdo: seguro