BOÊMIO EM PRETO E BRANCO

Era negro sim e sentia orgulho disso. Arredio e um tanto serelepe também, mas nada que o tornasse visto como um ser antissocial. Gostava das altas horas e isso lhe rendeu o apelido de Boêmio. Dado aos namoricos não fazia distinção de cor, queria sim uma parceira fogosa e que apreciasse um joguinho que estimulasse sua libido.

Seu humor variava da noite para o dia e, para ser mais exato, ia do bom ao mau humor, exatamente nessa ordem, quanto mais claro estivesse lá fora. Definitivamente nascera para ser notívago.

Todo mundo da casa já sabia dos seus hábitos e aprendera a dissimular sua ausência em eventos noturnos visto que estava a cumprir sua agenda sempre cheia. Às vezes coincidia de os convidados da festa noturna estarem saindo da casa e encontra-lo chegando, porém com o humor longe de ser aquele com que começara a noite.

Aqui, acolá, chegava com algumas marcas decorrentes da aventura noturna. Nessa hora, era tratado com carinho e aliviado das suas dores graças à existência de um médico na família. Nesse período ficava mais caseiro e, praticamente, não saía, talvez para dar tempo a cicatrização das marcas da última desventura.

Nunca saiu dos arredores da pequenina cidade onde morava, embora tenha estado tentado quando avistou uma pequena atraente que lhe deixara boquiaberto pela beleza e sensualidade. Não que tenha desistido da fama de conquistador que se espalhara pelo bairro, mas porque a perdera vergonhosamente em uma disputa acirrada com outro companheiro de boemia.

Ah, as marcas adquiridas no corpo tinham vindo exatamente dessa briga de rua e não gostava nem de lembrar, pois se sentia ultrajado e humilhado. Apanhara tanto que foi preciso ter a ajuda de outro companheiro para poder escapar com vida. Aquela lembrança nunca conseguira tirar da cabeça.

Tinha esperança de um dia ficar mais caseiro e, quem sabe, constituir uma família para sair daquela vida inglória. Recordava que já havia sido preso e juntado à escória da raça algumas vezes. Por isso alimentava o sonho de parar com aquilo.

Como se adivinhasse suas necessidades eis que numa noite de lua cheia surgi-lhe Anastácia uma jovem pardacenta que tinha um andar de parar o trânsito. Ele logo imaginou: “é agora que eu me aprumo ou então me desmantelo de uma vez”.

Passaram a encontrar-se toda noite, cada vez com mais frequência, até que um dia resolveram morar juntos para meses depois apresentar uma ninhada de quatro filhotes para a família da casa onde fora criado e tratado sem qualquer preconceito.