LIÇÃO DE ANATOMIA

Na sala, a penumbra se destacava. Uma maca comum de hospital, o paciente deitado nela em decúbito ventral, vários médicos em volta, o mobiliário impessoal de um ambulatório.

O ambiente era asséptico, a fisionomia dos presentes era de total concentração. No entanto, o paciente estava angustiado. A presença de vários doutores o inquietava e dúvidas riscavam sua tela mental.

Vendo, assim, de fora a situação lembrava o quadro Lição de Anatomia, de Rembrandt. Apenas, se trocavam as indumentárias e o mobiliário.

O médico mais velho, eminente proctologista, demonstraria aos doutorandos os corretos procedimentos de um exame de toque retal. Após, os futuros médicos iriam praticar o que haviam assimilado.

O paciente, de certo modo temia este exame. Recebera um pequeno valor em dinheiro para servir ao experimento. Dinheiro útil, num momento em que estava desempregado. No entanto, nada fora lhe dito sobre a natureza dos procedimentos.

O médico-chefe e os doutorandos falavam em tom baixo, naquele jargão típico da profissão. O procedimento parecia ser algo tedioso para eles. Mas, como fazia parte do currículo tinha de ser realizada a parte prática dos ensinamentos.

Olhando de soslaio, notou que, em quase todos os médicos, os dedos indicadores pareciam ser maiores do que os seus companheiros de mão. Ou seria, apenas, um delírio seu, motivado pelo medo?

A fala mais incisiva do médico-chefe cortou suas inquietações. Ele fazia breve discurso e indicava que faria o procedimento, com explicações pontuais, à medida que este se desenrolasse.

Então, vestiu as luvas, cuidando para deixá-las bem ajustadas à mão. Mergulhou seu indicador num vidro que continha óleo lubrificante e disse:

- Em primeiro lugar, devemos dizer ao paciente que este é um exame muito útil para detectar sinais iniciais de comprometimento de sua próstata. O procedimento dura cerca de trinta segundos e é quase indolor. Pede-se que o paciente relaxe e eleve sua região dorsal por alguns momentos.

Os médicos ouviam com atenção. Um que outro questionou se o PSA não seria um exame mais indicativo da tumoração do órgão. O médico respondeu calmamente às perguntas e disse:

- Vou iniciar o exame.

Dito isso, adentrou com seu indicador a região anal do paciente. Localizou a próstata e começou a fazer uma série de movimentos circulares, suaves, mas incisivos. O paciente suava frio e continha uma sensação de constrangimento.

Logo, os outros médicos iniciaram, um a um, os procedimentos, obedecendo aquele mesmo ritual médico.

Quando se deram conta o paciente estava desacordado. Um tanto nervosos os médicos tentaram reanimar o paciente. Medidas foram tomadas para que ele voltasse a si e, lentamente, ele foi se recuperando.

Então, abriu os olhos e disse, com voz cavernosa:

- Obrigado, doutores, foi tudo um imenso prazer!

Uma roda branca, quase pastosa, em seu avental, atestava suas palavras...

Ricardo Mainieri
Enviado por Ricardo Mainieri em 18/01/2013
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