Insana paixão
Era uma paixão insana...Nenhum outro adjetivo descreveria tão bem aquele sentimento. As loucuras cometidas em nome daquele amor fugiam ao limite da realidade e extrapolavam os contornos do absurdo.
Você, caro leitor, certamente pensará que há exagero nas palavras. Verá...
Ele tinha vinte e nove anos, vivia rodeado por belas mulheres que, encantadas por sua beleza e riqueza, despedaçavam-se por um segundo de sua atenção.
Era um rapaz de bom coração, de bom caráter. Tentava ser justo, como seu pai, já falecido, lhe ensinara. Mas, seu coração jamais fora habitado por nenhuma mulher. Conhecia mulheres de todos os tipos: lindas, horrorosas, altas, baixinhas, sérias, divertidas,ricas, pobres...mas nenhuma delas fora capaz de tal façanha.
Um dia, encontrou na rua, por acaso, um amigo de infância que não via há tempos. Estimavam-se muito. Trocaram telefones, endereços e prometeram visitar-se ainda naquele mês. O amigo já havia encontrado sua cara-metade e tinha uma filha de nove anos.
Foi visitá-lo, levando uma garrafa de vinho, um buquê para a esposa e uma boneca para a filha. Ao chegar, tocou a campainha e a garotinha abriu a porta. Deu-lhe a boneca, ela agradeceu com um sorriso.Ele achou-a graciosa e, brincando, disse-lhe que, se ela fosse mais velh,a a pediria em casamento.
O almoço transcorreu da melhor maneira possível e os laços, criados desde a infância e afrouxados pela distância, voltaram a se estreitar. Visitavam-se mutuamente com uma frequência metódica.
Passaram-se semanas...meses...
Um dia, ao chegar ao escritório, ele recebeu um telefonema. Sua expressão de horror foi instantânea. Largou o telefone e saiu. Chegou à casa do amigo e deparou-se com aquela cena que jamais lhe sairia da mente: o amigo e a esposa deitados, mortos no chão da sala. A menina ao lado numa tristeza profunda e comovente. A polícia isolara o local, mas a suspeita inicial era de que haviam sido envenenados. Receberam uma cesta de café da manhã com um cartão e, pensando tratar-se de um presente do amigo, puseram-se a comer as iguarias... A menina ainda dormia, por isso não havia sido uma das vítimas.
Ele imediatamente lembrou-se de que o amigo comentara há alguns dias que uma mulher estava obcecada por ele, mandava-lhe cartas, bilhetes, e-mails, inicialmente de amor, depois, em tom ameaçador.
Quando acabou de relatar ao policial essa história, outro policial desceu as escadas com váris papéis nas mãos. Eram as tais cartas e bilhetes.
Dias depois, envenenamento confirmado, crime desvendado, mulher presa, embora jurasse inocência...
A garotinha não tinha família, ninguém mais nesse mundo. Em nome da velha amizade,ele resolveu acolhê-la.
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Passaram-se anos e aquela menina graciosa que ele conhecera ia dia após dia se transformando numa linda mulher de formas perfeitas e beleza encantadora. Ele tentava afastar os pensamentos pecaminosos... Em vão... Para acabar de vez com aquilo, resolveu se casar.
Não podia esperar e escolheu uma entre suas pretendentes. Era bonita, rica e gostava dele. Servia. Namoraram e noivaram em um mês, marcaram casamento. Faltando uma semana para o enlace, a noiva desistiu. Não disse o motivo. Apenas não queria se comprometer ainda tão jovem.
Como ele não gostava mesmo dela, até sentiu um alívio.Mas, tratou logo de arranjar outra noiva.O procedimento foi o mesmo da primeira. Em um mês, namoraram e noivaram.Mais uma vez, faltando uma semana para o casório, a noiva desistiu do matrimônio. Disse-lhe que não o amava.
De novo, não se importou. Tinha uma lista infindável de pretendentes. E assim o fez. E assim a história se repetiu. Quantas noivas ele arranjasse desistiam do casamento...
No começo, ele não se importou. Mas, depois, começou a refletir sobre o que de fato poderia estar acontecendo. Aquilo tudo era estranho. Mas, sua bela garotinha ocupava-lhe mais e mais os pensamentos e ele acabou por não se importar com os noivados desfeitos. Sentia-se um monstro quando se lembrava do amigo, mas não conseguia mais dominar seus instintos.
Não sabia ao certo o que sentia por ela, se era paixão, amor, tesão... O fato é que quando pensava no amigo, se corroía de remorso.
Pensou no que fazer.Tomou uma decisão. Esperaria a menina completar dezoito anos e a pediria em casamento.Faltavam apenas dois anos.
Aqueles dois anos se arrastaram, mas finalmente chegou o grande dia. Deu-lhe um buquê e uma pequena caixa com uma aliança e fez o pedido. A princípio, ela ficou calada, mas depois, timidamente, disse-lhe que aceitava.
O casamento foi dali a dois meses, numa cerimônia discreta, a pedido dela. Viajaram em lua-de-mel. Na primeira noite, ele deleitou-se com seu corpo virginal e constatou ter valido a pena a longa espera.
Adormeceram. Ao amanhecer, ela levantou-se e buscou a janela. Olhou o mar e, como em um filme, lembrou que ele lhe pedira em casamento pela primeira vez quando ela tinha nove anos e, como ela imediatamente se apaixonara por ele.
Lembrou-se de todos os obstáculos que tivera de tirar do caminho para que aquele casamento se concretizasse: planejara a morte dos pais (eles jamais concordariam com o casamento), colocara dentro da gaveta do pai os bilhetes da sua admiradora (que agora estava presa), provocara-lhe em sua virilidade todos esses anos sem que ele percebesse...ameaçara suas noivas, contando-lhes o que fizera com os próprios pais...e ainda lhes dissera que se elas contassem a ele, que não acreditaria e ela se vingaria...
Voltou-se...olhou seu amado na cama adormecido, saciado de prazer. Com um sorriso, concluiu que faria tudo de novo em nome daquela insana paixão.