Feia
FEIA
A noite estava linda! No céu brilhante de estrelas, corria a lua de mansinho! No lago espelhava todo o céu pontilhado, como num mundo encantado!
Uma história doutor! Exclamou Beatriz. Mas uma história de amor infeliz, destes que faz a gente chorar.
O velho passando a mão na alva cabeleira; encostando mais no encosto da cadeira, começou a narrar!
Certa noite, eu me lembro, uma noite de chuva, uma noite horrorosa como nunca vi. Alguém bateu na minha porta a chorar e a tremer, que a filha estava mal muito mal a morrer!
Preparei-me para sair. Relâmpagos medonhos cruzavam-se no ar, vindo aos pouco clarear as poças de água e lama. Quando o dia rompia, eu lento e cheio de fadiga a casa da doente cheguei.
Recendia no ambiente um cheiro de fumaça de uma vela que ardia na vidraça... Num canto, um Cristo e só; triste e pendurado numa cruz de madeira.
No branco do lençol surgiu um rosto encaveirado! Os olhos, dois faróis horríveis cintilando! As mãos frias e magras, dedos longos; unhas grandes transformadas em garras gigantescas. Tinha linda uma coisa. A loura cabeleira! Tal qual o sol morrendo além na cordilheira num tarde de outono.
Tomei o pulso, já fraco. Examino o peito, escuto o coração; nada descubro, e já desanimado pretendia voltar; e já da porta
notei que a doente apontava o colo nu. Talvez o coração dizia ser o seu mal! Novamente examino com mais cuidado! E o estetoscópio empregado, sem atinar a causa da doença fatal, quando da doente ouvi; uma vós que era como um soluço, uma vós que era só mágoa; começou a falar! “Doutor, eu estou morrendo! Não notaste sequer o meu coração pulsar? Ele vibra chorando; eu morro só de amor! Por amor e esperando... Doutor não conte a ninguém o meu segredo, pois a ninguém eu revelei; com medo que alguém soubesse e risse, e fosse murmurando em todo o povoado, que a FEIA amava alguém; um príncipe encantado, ou um coração possuísse.
Eu ainda me lembro!...“Janeiro!”... Os prados cobertos de flores e frutos, de rapazes que surgiam folgazões na vila, fazendo transbordar nos corações das moças casadoiras, mil amores! E ser moça doutor é ter o coração nas azas da fantasia voando pelo espaço em plena poesia, é quere é amar! Eu era moça doutor! Mas sem graça; sem beleza; a mais horrenda tal vez em toda natureza! Quando ás vezes sozinha na rua eu saia, até ouvia. “Olhem a FEIA”, que pé! Doutor, como eu sofria!...
Uma tarde eu lia no jardim, quando do portão alguém gritava por mim. Era o filho da empregada! Olhe feia, é para você. Uma carta. Foi um moço; um moço bonito que a mandou! “Uma carta doutor, eu nunca havia lido uma carta. E aquela falava de amor mesmo de encantar”. Nela ele dizia. Eu a amo! Seus olhos
são duas estrelas que os meus não cansam de fitar, seus lábios é como o rubi! Marcou um encontro que tinha muito para falar!
Á noite eu o esperei com o vestido mais lindo! Era ele branco com uma flor amarela. O grupo foi passando entre risos e piadas e ele ficou falando de amor em baixo da janela... Falou do amor! Da saudade. Que ia partir em breve da cidade. Que ia para capital estudar e quando ele se formasse ele voltaria então nos casaríamos; que eu esperasse; que ele sempre me escrevia. E eu encabulada, sem saber o que falar. Um beijo na minha mão...
A sombra!, O vulto ao longe para nunca mais voltar... Se um dia ele souber, há de chorar eu sei! Porque eu nunca o olvidei. Durante estes anos eu nunca esqueci que devia esperá-lo, morrer por amá-lo. Doutor, não conte a ninguém o meu segredo, pois á ninguém eu revelei, com medo que alguém soubesse o meu segredo e risse e fosse murmurando em todo povoa do que a FEIA amava alguém, um príncipe encantado ou um coração possuísse!
Quando o velho á narrativa terminou; houve quem dissesse! Infame! Miserável! A própria Beatriz chamou-o de imperdoável, um ato desalmado.
O coronel que de um canto, tudo ouvia, o silêncio rompeu! Porque chora doutor, o conto lhe fez mal? Narrado como foi, parece real que até me comoveu! - O conto velho amigo; eu trago na memória! Sabe quem fez brincadeira, o autor daquela história, Quem fez aquela carta, quem a escreveu? O assassino? Sou eu!