O REENCONTRO - UM CONTO PARA ESPÍRITAS
- Mãe eu sonhei que ia morar numa cidade que não sei onde é. Lá eu vi uns padres que me ensinavam.
- E foi filho? Isso é coisa de sua cabeça. Helenice Vieira Leite era uma senhora formada em Direito pela Universidade Federal do Ceará, além do direito, ela se formara em Ciências Sociais pela mesma universidade. Sua mente, e formação impregnada de razão kantiana jamais daria atenção a um moleque que dizia ter sonhos de premonição. Todavia, aquele menino via coisas, não com os olhos físicos, mas, com um terceiro olho.
- Mãe! Mãe! Tem uma pessoa em pé na porta!
- Se aquieta menino! Esse menino é cheio de história! Num tem ninguém aí não, vá dormir! O menino tentava evitar a visão pondo o lençol no rosto, mas, de nada adiantava, a visão permanecia tão nítida quanto o sol ao meio dia. O que ele mais destetava era quando era levado ao cemitério. Uma angustia lhe subia ao peito, e ele tomava o ônibus para estar entre os mortos.
- Menino, esse negócio de estar entre os mortos é patológico e muito antissocial.
- Mãe, só passa quando chego lá e fico conversando comigo mesmo ou sei lá com outras pessoas.
- Vou te levar ao psiquiatra. Os anos passaram e o rapaz se tornou evangélico e passou a afugentar a todos que se aproximassem. “O sangue de Jesus tem poder!” As visões aumentaram, e aumentaram tanto, que o rapaz orava em lágrimas dizendo: “Meu Deus não deixa ninguém da igreja morrer!” Quando alguém falecia, sempre antes que a família soubesse ou coisa parecida, o finado aparecia para o jovem evangélico.
- Por favor, cuide de minha mulher!
- Mas, irmão Antônio, para onde você vai? O homem não pisava no chão e depois entrou num carro sumindo das vistas do rapaz. No outro dia as pessoas avisam aos membros da igreja que o Senhor Antônio havia falecido na madrugada em virtude de uma parada cardíaca.
Uma noite muito triste por sinal o jovem protestante estava em sua residência quando desperta alta madrugada com um sonho assustador: O moço andava no necrotério de sua cidade e passava entre corpos colocados no chão. Entre os corpos estava o de um motorista de caminhão amigo dele. O homem trajava bermuda e seus membros inferiores estavam separados dos superiores; seu rosto estava transfigurado. A agonia era intensa, mas, o jovem médium estava lá em espírito para ver e avisar. No outro dia houve uma reunião na igreja e foi marcada uma visita a um interior próximo de nossa cidade. No trajeto, o caminhão do dito motorista quase vira devido a um animal na estrada. O culto foi curto, mas, os apelos do pastor para todos se voltarem a Cristo foi muito forte.
- Rapaz você reformou seu caminhão, que bom. Disse o jovem médium.
- Sim, gastei muito, fiz a cabine e dei uns reparos na carroceria. De fato o velho caminhão pau-de-arara parecia novo.
- Olha, sei que você não vai acreditar, mas, vou te contar uma coisa. Te vi morto no necrotério. Rapaz, num viaje não.
- Estou muito cansado, acho que vou desmarcar a viagem. Isso me foi um alívio.
Às cinco horas da tarde de domingo, dia seguinte ao aviso, o rapaz recebeu a triste notícia que fulano havia morrido e com ele onze pessoas.
Minha vida sempre foi assim. Cheia de rostos, e imagens que surgem do nada. Vozes que se queixam ou me chamam. O oráculo sempre acompanhou o rapaz. Para descrever a todos seria necessário um livro.
Logo que meu pai passou para o outro lado da vida. Eu aguardei um encontro com ele assim como tinha com os outros que nada eram meus, exceto amigos. Não o invoquei como é o costume de muitos, contudo, um grave erro. Numa noite de segunda feira, minha mulher dava os últimos retoques nas coisas para a casa silenciar. Fui me deitar, e como é costume há muitos anos invoco o meu bom Deus que tudo pode e a todos acolhe. Quando de repente senti a presença de alguém bem próximo à cabeceira de minha cama. Na minha clarividência, sempre, as imagens são nítidas, mas, naquela noite algo estranho aconteceu. A presença era real, mas tão real que eu podia sentir seu calor no ambiente, geralmente quando chego em lugares povoados de desencarnados sofredores eu sinto sensações sensoriais como tremor no corpo e uma sensação de angustia ou ansiedade. Naquela noite nada disso aconteceu, contudo, eu não conseguia saber quem era que estava ali e ver-lhe a face.
Um cheiro de Hospital encheu o quarto, e logo em seguida, um cheiro que me recordo desde criança. O cheiro foi tão forte que me encheu as narinas e depois o coração. As lágrimas eram muitas que escorriam desses olhos cansados. Por fim, uma voz, sim uma voz dentro de mim ecoa, tão nítida quanto as outras que durante 52 anos escuto, só que essa voz era-me muito bem conhecida: “Roosevelt!” “Sou eu, teu pai” O resto não posso contar.
Sim, quer creiam quer não, seu Pimentel continua vivo, e muito bem vivo! Sua presença não deixou ectoplasmas negativos no ambiente, o que me causou muita surpresa. O velho Pimentel dizia ser ateu, mas, eu sempre achei que tudo aquilo era apenas uma proteção contra a guerra religiosa que há no mundo...