O Contorcionista

O Contorcionista

... Visitando Itapoã – V. Velha-ES

Encontrei o meu dileto amigo Nandú na pracinha da Igreja de S .Francisco em Itapoã. A Matriz estava literalmente ilhada. Chovera muito pela madrugada e toda a região no entorno dela ficara alagada.

Absorto ( eta palavrinha feia! ), ele estava com aquela cara conhecida, cuja a boca e as bochechas, exibiam as já conhecidas manchas coloridas de um amarelo/dourado, como se fossem nódoas permanentes, oriundas da sua gulosa mania de degustar todas s manhãs, mangas como desjejuns, via de regra vindas da sua terra natal . Lá esta ele silenciosamente olhando para aquele triste e recorrente espetáculo.

Aproximando-me com alguma dificuldade – havia muitas poças d’água a serem ultrapassadas fui logo falando: “E aí Nandú, o que achas?”

“Acho que eles erraram de padroeiro! Doaram o Templo para o santo errado... S. Francisco! Coitado, não sabia nadar. Gostava mesmo era de bichos... S. Pedro! A doação deveria ser para ele... Pescador. Todo pescador sabe nadar e além do mais, não é ele que manda as chuvas?... Olha só que lagoão! Dá para trafegar de barcos, canoas... Alguns exagerados afirmam:... Até navios com destino ao Porto de Tubarão que é logo ali...

“Nandú, Nandú olha a blasfêmia... Navios? Ora essa!”

“Que nada Chico, nada de blasfêmia! É sério... Se fosse S. Pedro...”

“Nandú, deixa os santos prá lá cara; que eles cuidem da pesca e dos bichos! Vamos mudar de assunto. O que você me conta de novo? O que você anda inventando?”

“Chico! Você conhece minha bronca com as nossas calçadas, que são um verdadeiro problema, seja pelos desníveis delas e falta de padronização, seja pelos mais variados obstáculos nela encontrados – lixeiras, árvores com raízes expostas, vasos ornamentais, canteiros, postes, orelhões... Incrível! Coitados dos nossos irmãos que têm necessidades especiais... São obrigados à verdadeiros exercícios de contorcionismos...”

“Recentemente passeando por aí, deparei-me com um cidadão sentado no meio fio da calçada, aquela alta, na esquina das Avenidas Resplendor com a Ugo Musso. O cara, bem vestido, boa aparência, curtia a sombra e olhava os transeuntes a transitarem livremente à sua frente. Quase ninguém prestava atenção a ele. Ele vez por outra fazia um estranho movimento com a cabeça – para o alto e para a direita. Repetia o movimento várias vezes impassivelmente.

Parei-me a uma certa distância e fiquei a observá-lo. E ele lá repetindo os movimentos. Não resisti e aproximei-me e o perguntei: “O senhor está se sentindo mal?”

“O que? Não, não estou não!” Respondeu-me. “Estou tentando, já faz um bom tempo, morder o meu olho direito... Estou exercitando...”

“Ora, ora. Sacanagem sua cara! Não vê que você não vai conseguir! Retruquei.”

“Claro que consigo senhor! Quer apostar? Aposta R$ 10,00 como consigo!”

Pensei cá comigo: esse cara só pode ser maluco. Vou apostar e ganhar mole, mole.

“Topo! Aposto os seus R$ 10,00”. Fui falando e botando a grana ao lado dele.”

Aposta feita... Duas notas de R$ 10,00 casadas.

“Ele calmamente olhou-me nos olhos, levou as mãos à boca e retirou a dupla prótese dentária – a inferior e a superior -, levou-as ao olho direito e... Crá, mordeu-o... O cara levou a minha notinha de R$10,00”.

“Chico... Fiquei puto de raiva. Ser enganado assim... Bobamente; que burrice!”

Sem graça e no “prejú”, fui lentamente afastando-me do esperto, quando olhando novamente para ele... Ele estava novamente repetindo o gesto, aqueles movimentos. Desta feita, porém, o movimento era para o alto e para o lado esquerdo.”

Pensei cá comigo: cego ele não é. Ele não vai repetir o truque das dentaduras, então... O que será desta vez?

Sabido que sou, voltei e o perguntei: “Ei cara! O que é agora?”

“Agora? Agora eu vou morder o meu olho esquerdo... Treinei bastante, quase tive um torcicolo... Fiz ginástica, alongamento... Essas coisas...”

Pensando em recuperar os meus R$10,00 e ainda ganhar mais um troco, perguntei: “Você aposta?” “Aposto!” Respondeu-me. “Mas vamos apostar o dobro, R$ 20,00.”

Era tudo o que eu queria. Respondi: “Apostado, apostado!”

Aposta feita... Quatro notas de R$ 10,00 casadas.

“Ele calmamente olhou-me nos olhos,levou uma das mãos ao olho esquerdo, pressionou-o com os dedos e retirou a prótese ocular ( olho de vidro!), levou-o à boca e... Crá...mordiscou-o levemente...

Lá se foram as minhas duas notinhas de R$ 10,00!

Contorcionismo...

BNandú 12/12/2009 Revisado em 23/12/2012

BNandú
Enviado por BNandú em 24/12/2012
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