Branco, o Natal tropical
Tudo ali cheirava mofo. Casa feita de madeira compensada, frágil, mas de custo baixo. Toda refeita, o fogo queimou a anterior. Perda total! Tito só queimou as mãos. Queimadura de segundo grau... tentou salvar Pepita, a cadela do casal.
Dois dos seus filhos estavam presos desencaminhados pelos traficantes desde crianças. Conhecidos como, aviõezinhos, ou, mulas, serviam de ponte entre o traficante e o usuário. Tito não tinha tempo para participar da educação dos meninos, sempre... trabalhou no lixão, profissão: catador. Berenice sua mulher, também, catadora, mãe dos seis filhos vivos do casal levava-os juntos, ora, na barriga, ora, já, exposto ao mundo devorador.
Eles contavam os meses pelo lixo que catavam... Fevereiro e Março, muitas penas coloridas, restos de tecidos bordados, máscaras, e camisinhas..., isto mesmo, milhares de camisinhas enroladas em restos de lixo. Abril dos papéis brilhando com o doce do chocolate davam conta da Páscoa, eles, souberam desta novidade pelo Tonico, o Professor. ‘“Data importante esta, pois, um homem, dado como morto conseguiu voltar à vida.” Não acreditaram nesta prosa, o Tonico gosta de aumentar tudo...
Maio, mês de Berenice... a mulher troca tudo no barraco! Panelas, pratos, facas, garfos, potes plásticos... E, com ela, as novidades são: batom, calcinha, sutiã, meia calça, sapato de salto alto, peruca, pó de arroz, vestido florido... Repaginada total no visual. Tito ao vê-la tão bonita fica todo ouriçado. Gravidez na certa!
Calendário Festivo no lixão adentra pelo ano.
Dezembro, mês dos papéis bonitos de presente. Vermelhos com motivos de árvores, os dourados trazem um velho gordo de barba branca... Cartões com fotos de uma família arrodeada por animais, quase não são mais encontrados por lá... Tito percebeu o “Velho gordo e barbudo” de roupa vermelha foi tomando o lugar daquela família.
Tito e Berenice recolhem os restos de farofa, pernil, peru, tender das quentinhas de alumínio... para os seus bacuris, futuros aviõezinhos do Morte Lenta, o dono da favela.
Dia de Natal folga dos catadores, a fome garante o lugar no barraco.
Música alta no carro de som. Filharada na porta! Homem de barriga grande, barba branca, vestido de vermelho carrega um saco. Uma cambada vestida de verde... gorro pontudo na cabeça empurram as pessoas... truculência desnecessária destes ajudantes do bom velhinho! Tito chega perto do homem vermelho... recebe um presente. Sorri! Frango assado com farofa, pão, bolo... tudo envolvido num saco plástico. Agradece! Beija a mão do santo! Natal sem fome!
Barriga cheia! Bacurizinhos felizes! Tito se lembra do sorriso daquele bom velhinho de vermelho... “Ah! Eu sabia que o nosso protetor é o Morte Lenta!” Vira de lado e dorme o sono dos justos! O sono de um catador! O sono de mais um trabalhador brasileiro! E, sonha com ruas limpas e a sua casa de tijolos. Sonha o sono do super-herói: o reciclador.