Dizendo adeus
Brigaram novamente. Quando as vozes cansadas se calaram, ele começou a arrumar a mala. Fez várias vezes o percurso entre o guarda-roupa e a cama. Ela manteve-se deitada, percebendo os movimentos ao redor com os olhos semicerrados."Vou tomar banho", pareceu que ele resmungava, ou talvez fosse a sua própria imaginação que tivesse criado aquele sussurro. Deixou-se ficar, meio enrolada no lençol, querendo convencer-se de que não tinha absolutamente nada para fazer. Alguns minutos depois, ele reapareceu, envolto numa toalha, recendendo a sabonete. Ela virou-se, deixando a perna à mostra. O perfume do homem amolecia-lhe o espírito.
Ele vestiu-se com certa pressa. Como se estivesse sozinho, não descansou nela o seu olhar. Depois de recolher os últimos objetos, perguntou, meio que engolindo as palavras:
- E o dinheiro que tu ias me emprestar?
- Pode pegar na minha bolsa.
- Segunda-feira te devolvo.
Ela remexeu-se na cama, dois corações em um. No momento em que ele disse tchau, da porta do quarto, segurou-se para não pedir um beijo. Ouviu-o descer as escadas, tirar o carro da garagem, fechar o portão. Enfim, só.
Teve um sobressalto quando, após alguns instantes, viu-o surgir diante dela. Levantou a cabeça:
- O que foi?
- Eu me esqueci da agenda.
Caiu de novo no travesseiro. A perna continuava descoberta. Sentiu que ele hesitava.
- Bom, agora eu vou.
Aproximou-se da cama e, inclinando-se rapidamente, roçou-lhe um beijo na testa. Um beijo mais do que reticente, anúncio talvez de que apostava em uma reconciliação. Ou um mero gesto maquinal. Vontade de saltar-lhe ao pescoço, desfazer os atritos num abraço prolongado. Vontade de tantas coisas.
Deixou-o partir, quem sabe era melhor assim. Quando voltasse, na segunda-feira, conversariam. Mais uma vez, tentariam chegar a um acordo. Era preciso acreditar.
Na noite de domingo, avisaram-na do acidente fatal.