"O NATAL DO REI DOS REIS" Conto de: Flávio Cavalcante

O NATAL DO REI DOS REIS

Conto de:

Flávio Cavalcante

Lembro-me com bastante saudade dessa entrelinha na minha vida. Tudo começou nos meados do ano 1987. Minha irmã quase na mesma idade que eu fazia teatro amador em Maceió e vivia me convidando para fazer parte do elenco. Eu tinha na época uns dezessete anos mais ou menos e sempre recebia aquele convite como uma bomba nos meus ouvidos. Eu era um adolescente rebelde que odiava qualquer tipo de arte e descarregava uma fúria quando a minha gentil irmã tentava me convencer de que estar num palco de teatro era alguma coisa mágica que proporcionava muito prazer. Mesmo assim eu não aceitava nem falar essa palavra teatro perto de mim. Na minha ignorante concepção era coisa pra gays e eu não queria me misturar. Minha cabeça era um mundo fechado para os pensamentos dela que nessa parte já estava em evolução. Ela já fazia teatro há alguns anos atrás e a cada ano era certo eu receber aquele convite o que obtia um enorme não como resposta na hora.

A peça que ela participava era um auto de natal contando a história do nascimento de Jesus Cristo. O NATAL DO REI DOS REIS era o título da peça de autoria do saudoso autor, ator e diretor João José, que em qualquer montagem desse espetáculo não abria mão do personagem José e a minha irmã fazia a Maria.

A peça era montada todos os anos e no elenco comportava por volta de cinquenta atores mais ou menos; isso fora os figurantes. Era uma verdadeira via sacra lhe dar com tanta gente num palco de teatro, missão árdua para o diretor José Carlos Tenório, que além da direção assumiu o papel de sonoplasta e narrador.

Mesmo rejeitando o fazer o espetáculo, no meu subconsciente, brotava uma curiosidade de querer saber do que se tratava; pois minha irmã quando comentava sobre essa peça seus olhos brilhavam.

Um determinado dia, encontrei por acaso o texto dela jogado em cima da mesa da sala e peguei pra dar uma leve olhada e posso afirmar que só consegui ler a primeira página e odiei logo de cara. Quando minha irmã soube que eu havia lido, era nítido em seu semblante a satisfação e a esperança d’eu fazer parte do elenco. Como diz o ditado “ÁGUA MOLE EM PEDRA DURA TANTO BATE ATÉ QUE FURA” Ela acabou me convencendo a participar de uma leitura da peça para ver se eu me encaixava em algum personagem. Lembro-me bem a primeira vez que eu fui. Cheguei lá cheio de exigências. Disse para o diretor que eu só entrava na peça se fosse pra fazer o personagem ARCANJO GABRIEL. Só porque eu achava bonito esse nome, mas não tinha a mínima noção do que era e o que ele fazia na peça. Mas acabei encarando os ensaios que no começo para mim era tortuoso.

Com o tempo fui me acostumando com a ideia e já tava gostando de frequentar aquele ambiente que jazia fazendo uma grande amizade com o elenco. Acabei me apaixonando pela bailarina de Herodes e começamos um namorico de adolescente entra as coxias do teatro. Foi o primeiro lado mágico que eu comecei á conhecer no teatro.

Aliás, eu nunca poderia imaginar que aquele ambiente fosse me transformar tanto como pessoa e espírito; fosse realmente me dar uma visão ampla da vida. Íamos ensaiar a peça em proll de um amor que eu mesmo não sabia de onde vinha. Era tudo muito novo para mim e logo percebi que era muito bom. Só sabia que estava lá me entregando de corpo e alma ao personagem que eu escolhi fazer. O impressionante era que ninguém faltava o ensaio. Cinquenta pessoas que encaravam o compromisso de ensaiar sem ganhar nenhuma bagatela. Tudo pelo amor de fazer teatro. Eu me apaixonava á cada dia.

Para completar em uma determinada noite de ensaio, José Carlos fez aquela surpresa levando para o ensaio a sonoplastia e a narração da peça toda pronta. Eu confesso que eu nunca vi nada tão lindo na minha vida. E o prazer de tá ali enfrentando cada ensaio ia tomando conta no meu eu numa profundidade impressionante e imperceptível.

Os ensaios varavam á madrugada quando estava próximo é estreia. A produção comprava sacos de pipocas e nos divertíamos muito com os ensaios até para espantar o sono. Outros se entregavam ás cadeiras do teatro depois de um longo dia de batalha e encarar um ensaio árduo.

Estreia se aproximando e a aflição de pisar pela primeira vez num palco. Figurinos todos passados e medidos em cada ator, tudo produzido pela esposa do autor. Marcação no palco, afinação de luz e som. Um passar rápido de texto, pouco antes de iniciarmos a peça. Finalmente o diretor avisa. Todos á posto vamos começar o espetáculo. Minhas pernas tremiam numa sensação nervosa, mas muito boa. A primeira chamada da campainha. Meu coração parecia pular pela boca. Todos já ficavam prontos pra entrar em cena. Ouve-se a segunda chamada. A campainha toca pela segunda vez e por sabermos que na terceira a cortina se abre. É um ponto crucial, a vontade de ir ao banheiro é clássica. Terceira chamada. A campainha toca pela terceira vez. Inicia-se a sonoplastia. As cortinas vão bailando como se estivessem flutuando, se abrindo lentamente. A luz clareando gradativamente o palco. Enfim começa o espetáculo.

Eu estava pronto pra entrar em cena. Era a primeira vez á pisar naquele palco cobiçado por todos artistas da terra, por ser o teatro nobre da cidade. Quando entrou a minha sonoplastia, que eu me pus na posição marcada pela direção. Uma luz caiu sobre mim, clareando uma roupa prateada dando assim um efeito esplendoroso de uma majestosa aparição. Era um anjo do senhor anunciando á mãe do rei dos reis. Uma emoção indescritível. O teatro era o Deodoro em Maceió, bastante cheio. Momento mágico para qualquer ator. Pela primeira vez estava sentindo o que a minha irmã falava da magia que era estar no palco.

O tempo passou e minha irmã acabou casando com o diretor e eles pararam de fazer teatro, mas eu ainda hoje não consigo desvencilhar. Teatro para mim é como a vontade comer. Não posso viver sem. Só que comecei á enveredar pelo mundo da escrita e hoje ainda escrevo sem parar. Essa arte é a que mais amo fazer.

Deixo aqui um pouco da minha vida em teatro e uma mensagem de fé, esperança, perseverança e consequentemente uma linda vitória, sem dúvida.

FELIZ NATAL PARA TODOS

Flávio Cavalcante

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 19/12/2012
Código do texto: T4043594
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