Vida em solução de continuidade

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Vida em solução de continuidade — CXXXIII

19DEZEMBRO2012—QUARTA-FEIRA.

(continuação de 16de dezembro 2012).

Vida que segue

XXVIII

“Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

(Fernando Pessoa)

Quando Jaques, acostumado a ir todos os dias, durante a semana, à casa de sua madrinha, quis ir também nos fins de semana, o que não estava previsto no acordo entre as partes: mãe e madrinha, Rosinha ficou radiante.

Ela tinha vontade de comprar roupas e outras coisas para o afilhado, mas temia a reação da comadre que sabia era orgulhosa e desconfiada. Sua vida, com a presença daquela criança, embora malcheirosa, estava mudando para melhor. Até seu marido, que dizia não gostar de criança, já o tinha visto sorrir conversando com o Jaques. O garoto se mostrava inteligente e bondoso. O padrinho, apegado ao menino, disse para a mulher perguntar se a comadre não os deixaria criar o afilhado, afinal ela tinha muitos filhos, e todos sabiam que aquele era enjeitado por ela. Dos filhos era o mais maltrapilho. Primeiro sondaram se Jaques gostava deles, se se sentia bem ali. Escutaram do menino uma profusão de palavras carinhosas de grata satisfação, o que fez Rosinha se encorajar a perguntar se acaso queria morar ali com eles, entretanto, se o quisesse, esclareceu a Jaques, não poderia mais dormir na casa da mãe, nem voltar para brincar com os irmãos, só um dia na semana poderia, se quisesse, ir pedir a bênção aos pais. Jaques, que se sentia bem naquela casa, pois em nada se comparava à de sua mãe, onde só encontrava rejeição, e, via de regra, tinha de estar alerta, de modo a não cair nas armadilhas que todos ali não cansavam de lhe armar, não vacilou em responder de imediato que sim. Ali, Jaques era tratado como sempre sonhara: um filho querido. Sua madrinha dizia que devia escovar os dentes após às refeições, tinha uma toalha exclusiva que ela nem se importava que ele deitasse em cima, quando após se secar ficava devaneando, e não percebia que deitava em cima da toalha, e às vezes até adormecia em seus belos sonhos de uma outra vida, que era seu mote diário. Não havia um único dia em que Jaques não fosse transportado, por algumas horas, a esse lugar de sonhos, que quando em sua casa, vivia mais lá que acordado com a família. Ali também havia boa comida e não lhe era sonegada, como por vezes acontecia em sua casa, ou porque era pouca, ou por ser sempre o melhor pedaço de sua irmã Anabela.

— continua —

(Lere)

Lere
Enviado por Lere em 19/12/2012
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