Vida em solução de continuidade

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Vida em solução de continuidade — CXXXII

16DEZEMBRO2012—DOMINGO.

(continuação de 15de dezembro 2012).

Vida que segue

XXVII

“Não ser amado é falta de sorte, mas não amar é a própria infelicidade”. (Albert Camus)

Jaques, tentando entender as palavras da mãe, se esforçou para não chorar. Olhou para o irmão que já entrava na sala de espera no aeroporto, e disse, dessa vez, sem muita certeza:

— Você vai ser feliz, meu irmão, mais do que se ficasse aqui com a gente. Tentou sorrir, e todos o olharam repreendendo-o. Mais uma vez se sentiu desenturmado, em sua eterna solidão no meio dos irmãos. Não se culpava porque tinha convicção, geralmente, daquilo que dizia. Não culpava os irmãos porque não o entendiam, e colecionava assim os seus porquês, pois a causa, que tanto ansiava saber, do que se passava em sua vida não sabia. Perguntava ao seu interlocutor oculto o porquê de sua mãe o rechaçar. Ficava a cada dia mais recluso em seu aprendizado cheio de solavancos, o que o fazia, em sua fraqueza, querer se afastar de todos a quem amava, pois não era capaz de aceitar o sofrimento que lhe impingiam, com os sarcasmos e rejeições contínuos. Tinha, por vezes, vontade de sair de casa, e morar em qualquer lugar, contudo, pensava fora de casa, além das vilipendiações morais, havia as físicas que o desestimulavam a concretizar o intuito. Pensava na possibilidade de ir morar com sua tia Silvia, que era a pessoa que o olhava com simpatia e compreensão, parecia entender seu sofrimento, embora não o expressasse verbalmente. Mas lembrava-se do primo Gérson que era muito mimado e desanimava. Quase descartava por inteiro a ideia, ao ouvir sua mãe falar sobre o sacrifício que a irmã fazia para criar dois filhos, e a palavra dois era frisada de forma a parecer uma dúzia. Ainda assim Jaques pensava: — “Um dia tento”. As pessoas que gostavam dele contava-se nos dedos. Em geral, onde chegava era olhado com desprezo, por sua aparência, que além de denunciar seu parentesco françaniliano, era descuidada, pois sua mãe considerava inútil, e um desperdício ensinar-lhe noções de higiene e estética. Era por seu sorriso e palavras sinceros que conquistava as poucas, mas verdadeiras afeições.

Sua madrinha, Rosinha, que morava na mesma rua que ele, vivia só com o marido doente, e não tinha filhos. Pediu a Cleópatra para o menino lhe fazer companhia. Inicialmente a mãe ficou desconfiada — sua consciência estava sempre a acusá-la quando se tratava daquele filho —, achando que a comadre queria, com sutileza, acusá-la de mãe desumana. Entretanto, refletindo sobre a vantagem de não ter que dar comida, nem banho, nem nada ao filho, liberou sua ida diária à casa dos padrinhos.

—continua—

(Lere).

Lere
Enviado por Lere em 16/12/2012
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