A menina que não ria

Seu rosto era sombrio como uma janela fechada por onde não se podem ver os raios solares. Sempre fora assim. Jamais esboçara um sorriso. Todos se desdobravam em graças, mimos, piadas. Nada adiantava. Ela mantinha os olhos fixos na pessoa como se desdenhasse das tentativas feitas.

Seus pais se lembravam com desgosto da época em que ainda era um bebê. Tão linda, no seu rosto de pele alva emoldurado pelos cachinhos vermelhos. Ninguém resistia. Todos se aproximavam para render homenagens a sua beleza, mas se afastavam desapontados quando percebiam que nada desconstruía sua seriedade.

Pouco a pouco, os pais foram desistindo de levá-la para passear. Aquela cena constrangedora repetia-se dia após dia. Fizeram todas as tentativas possíveis para reverter o quadro. Pediatras renomados, especialistas nas mais diversas áreas, consultas espirituais, rituais religiosos, viagens...nada dera resultado.

A menina cresceu com todos os cuidados e afetos que alguém pode ter. Independente de qualquer coisa, os pais a amavam. Apesar desse problema, a menina não lhes dava desgosto. Aprendera a andar e a falar muito cedo. Na escola, destacava-se como a melhor aluna, chegando ao ponto de ser colocada em séries de alunos maiores, devido à sua incrível capacidade cognitiva.

Conversava sobre assuntos variados. Mas, nada nesse mundo a fazia rir, nem mesmo esboçar uma tentativa de sorriso.

Um dia, os pais tomaram coragem e resolveram ter uma conversa com ela. Com muito cuidado, peguntaram-lhe por que não ria, como todas as pessoas. Ela olhou-os fixamente, mas nada respondeu. Simplesmente, levantou-se, foi até seu quarto e lá permaneceu durante longas horas.

Já preocupados com o que podia ter acontecido, os pais decidiram ir ao quarto para averiguar. Mal chegaram em frente à porta, ela se abriu.

Os dois entraram no quarto e, sufocaram um grito de dor ao se deparar com a filha morta sobre a cama. Em seu rosto, um sorriso...

Choraram copiosamente a morte da filha. Não acreditavam naquilo, passar pela dor de perder outra filha. Tudo veio à mente e as duas dores se misturaram numa só.

Enquanto isso, a menina olhava a cena do alto: seu corpo físico estendido na cama e seus pais a lamentar sua morte. Também lamentou.

Antes, era um pequeno anjo que convenceu seus superiores a deixá-la ir à terra para consolar aquele casal que havia acabado de perder uma filha. Tinha pena deles. Deixaram-na tornar-se humana, sob uma única condição: daria seu sorriso, sua risada, sua felicidade a eles. Jamais poderia sorrir, nem rir, nem gargalhar.

E assim foi, até o dia em que eles, em sua ignorância dos fatos, perguntaram a ela por que não ria.

Ela foi ao quarto e ensaiou um sorriso para ver o que acontecia. Imediatamente voltou a ser anjo. Um anjo com um lindo sorriso.

Ane Rose
Enviado por Ane Rose em 15/12/2012
Reeditado em 29/12/2012
Código do texto: T4036341
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